sábado, 13 de fevereiro de 2016

Síria: uma guerra com muitas guerras dentro e a reformulação de fronteiras no Médio Oriente


A imagem que ilustra este texto é da “Radio Free Syria” (afecta à chamada oposição moderada) e serve apenas para dar uma ideia da situação e da quantidade dos actores envolvidos, mas não é totalmente elucidativa. Falta incluir nesta ilustração a participação da Turquia, Estados Unidos, vários países europeus, Arábia Saudita e outros países do Golfo. E nem vale a pena tentar imaginar a quantidade de “inteligence” no terreno. Seja como for a imagem reflecte o que sente essa oposição e o Free Syrian Army: abandonados por aqueles de quem esperavam apoio.

A guerra na Síria integra o potencial de várias guerras que podem chegar logo a seguir a um eventual colapso do Estado Islâmico na sua formatação actual e após ficar resolvida a questão de Bashar al Assad. Desde logo tem consequências muito directas no Iraque (Mossul e Kirkuk podem exacerbar os ânimos entre curdos e árabes sunitas) e, embora menos, também no Líbano, não se sabendo por agora qual a intensidade dessas consequências na estabilidade e segurança no país dos cedros. Na Turquia havemos de ver.

O que parece certo é que está em curso o tão falado redesenhar de fronteiras no Médio Oriente. O Iraque dificilmente voltará a ser o que era aquando da era Sadam Husseín; a Síria dificilmente voltará a ser o que era aquando da “dinastia” Assad; os curdos querem certamente retirar alguma vantagem do conflito, eventualmente alargando território no Iraque – conquistaram Kirkuk ao Estado Islâmico e não vão ceder a cidade ao governo de Bagdad; se os curdos da Síria também conseguirem juntar alguma autonomia à dos irmãos iraquianos é certo que os curdos da Turquia (são cerca de 15 milhões) vão ganhar um novo alento; os sunitas, mesmo que não queiram viver sob a selvajaria do Estado Islâmico vão querer o seu próprio território, quiçá uma parte da Síria a outra do Iraque; não está excluída a hipótese da constituição de um Estado alauíta para acomodar Bashar al Assad (mantendo assim o importante porto de Tartus ao serviço da Rússia). 

Como é evidente são soluções que têm muitos escolhos pelo caminho e não agradam a todos os intervenientes nesta guerra. Desde logo ao Irão que teria um importante aliado (Assad) a perder território. A Rússia poderá não estar pelos ajustes porque afinal acaba de assumir um protagonismo importante no Médio Oriente a juntar aos acordos celebrados recentemente com o Egipto. Quanto à Turquia não quer nem ouvir falar em mais autonomia curda. Os Estados Unidos e os europeus pedem agora um cessar-fogo mas durante todo este tempo nunca acertaram uma estratégia de apoio à oposição moderada na Síria.

Dos países do golfo, a Arábia Saudita declarou-se disponível para enviar tropas para o terreno (certamente para combater o regime de Assad, mas não se sabe ao lado de quem) e a Rússia, que já acusou a Turquia de estar a preparar uma invasão terrestre, disse entretanto que uma ofensiva terrestre estrangeira na Síria poderá desencadear uma nova guerra mundial. Até o “nosso” Durão Barroso, embora de forma mais suave e não falando especificamente da situação na Síria, admite que não é impossível uma guerra generalizada.

Em qualquer conflito de grande intensidade há sempre a sensação de que a desgraça não vai ter fim, mas vai chegar o momento em que as várias forças que combatem na Síria vão querer solidificar os ganhos conquistados – ou evitar perdas maiores desde que possam sobreviver – e vão aceitar acordos. A região poderá não ficar em paz e poderão subsistir conflitos mais localizados, mas a selvajaria actual acabará por ter fim. Será o momento de fixar as novas fronteiras e, eventualmente de assistir ao regresso (pelo menos de uma parte substancial) dos milhões que andam em fuga. Depois, as potências mais endinheiradas ditarão a reconstrução possível das regiões afectadas, garantindo benefícios do petróleo e de outros recursos.

Até lá, como sempre acontece, cada uma das partes desta guerra tenta os maiores ganhos possíveis no terreno de modo a ter mais força à mesa das negociações. Sempre assim foi e dificilmente deixará de ser.

Pinhal Novo, 13 de Fevereiro de 2016

josé manuel rosendo

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