quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Mossul, ofensiva militar sem plano político


Dá sempre mau resultado. O Governo iraquiano, apoiado por milícias xiitas, conselheiros da coligação internacional e também do Irão, está a combater o Estado Islâmico em Mossul, mas não tem um plano para depois da vitória anunciada. Na verdade, existe um plano do Governo de Bagdad, mas não é um plano que garanta um futuro de paz. O Governo xiita do Iraque olha para a Mossul sunita da mesma forma que olha para a Bassorá xiita ou para zonas em que mantém autoridade, vendo apenas território (e recursos) que considera seu. E é precisamente isso que os sunitas de Mossul não querem: não querem ser governados por xiitas ou, no mínimo, mesmo sob a alçada de um Governo xiita em Bagdad, querem ter a sua própria gente a governar uma cidade de que se consideram legítimos donos e herdeiros.

Este tipo de abordagem meramente militar costuma sair caro: militares no terreno para derrotar um inimigo mas sem qualquer plano político para o futuro da área disputada, e que aconchegue os vários interesses em jogo, degenera frequentemente em novos conflitos.

A derrota militar do Estado Islâmico em Mossul é apenas uma questão de tempo, mas não se sabe quanto tempo. Vai demorar até chegar o dia em que a bandeira do Iraque possa ser içada em todas as ruas da cidade.  Quantas vidas vai custar é outra pergunta para a qual não há resposta.

Os muitos milhares de homens bem equipados ao serviço do Governo iraquiano ajudados por milícias e ataques aéreos da coligação internacional trancaram os combatentes do Estado Islâmico na cidade. Ao que se sabe não há rota de fuga porque a ligação à fronteira síria foi cortada. Não se sabe ao certo quantos homens tem o Estado Islâmico e quais os recursos de que ainda dispõe após meses de combate e a quase ausência de reabastecimento. 

Peritos militares norte-americanos citados nos órgãos de comunicação social admitem que o Estado Islâmico não disponha de uma força superior a dois mil homens. Em termos estratégicos, os especialistas dizem que vamos assistir a um recuo dos combatentes do Estado Islâmico para as zonas mais habitadas da cidade e aí sim, vai ser lutar até ao fim. Até à morte. Ruas e vielas da zona ocidental de Mossul, com mais de meio milhão de habitantes ameaçam tornar-se num inferno. Até agora as declarações dos responsáveis militares iraquianos vão no sentido de evitar os bombardeamentos com artilharia pesada para poupar a vida dos habitantes.

A fuga dos habitantes de Mossul prevista pela ONU quando a ofensiva começou a 17 de Outubro de 2016, não teve a dimensão esperada. Desta vez não se sabe como vai ser. Muitos dos que então não fugiram de Mossul terão atravessado o Rio Tigre em direcção à margem ocidental onde está o último reduto do Estado Islâmico.

O Governo do Iraque e o Governo Regional do Curdistão não divulgam as baixas militares. A única coisa que se sabe é que o Governo Regional do Curdistão admitiu que desde o início da ofensiva militar os hospitais de Erbil acolheram 14 mil feridos (civis e militares).

Um sinal do que pode acontecer num futuro próximo é dado por Atheel al Nujaifi, antigo Governador do Nínive, e de Mossul, um militar sunita que criou a sua própria milícia e que vive em Erbil (capital do Curdistão iraquiano) desde que o governo de Bagdad emitiu um mandado de captura contra ele. Atheel Al Nujaifi fugiu da cidade aquando do avanço do Estado Islâmico e acusa Bagdad de não lhe ter dado o apoio que pediu nessa altura. Al Nujaifi considera que Mossul deve ser governada por sunitas da própria cidade e não por gente enviada de Bagdad. Justifica dizendo que é a única forma de resistir ideologicamente, e não apenas pela força militar, ao Estado Islâmico. Isto é: se a cidade for governada por xiitas, a população terá tendência a apoiar os extremistas e nova insurgência pode emergir.

Os Estados Unidos já disseram que pensam ficar após a conquista de Mossul, mas nesse caso terão de esperar por um convite do Governo iraquiano. Se assim for, a vontade do Irão também conta. Dos cerca de 9 mil homens da coligação internacional de 60 países, mais de metade são norte-americanos. Os Estados Unidos saíram do Iraque, mas voltaram em força. Só que neste momento as coisas mudaram e a prova disso foi a forma como o novo secretário norte-americano da defesa, Jim Mattis, se apresentou na primeira visita a Bagdad, dizendo que os Estados Unidos não estão no Iraque por causa do petróleo nem para o monopolizar. Para além disso há o decreto de Donald Trump a impedir a entrada de cidadãos de sete países de maioria muçulmana, entre eles o Iraque. A ver vamos como responde Bagdad a esta intenção norte-americana.

21 de Fevereiro de 2017

josé manuel rosendo

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Palestina, era uma vez um Estado

Abrir e ampliar a imagem ajuda a ter uma melhor percepção da realidade.

Este ano cumpre-se o cinquentenário da ocupação israelita na Cisjordânia (na Faixa de Gaza terminou em 2005) na sequência da Guerra dos Seis Dias. Uma ocupação sempre a esticar limites e com uma população de colonos a aumentar. Quase 600 mil colonos num território com cerca de 2,5 milhões de palestinianos. Na Cisjordânia, palestinianos e colonos vivem separados por muros, vedações e postos de controlo. Os colonatos têm estradas privadas que os ligam entre eles e a Israel, estão protegidos por perímetros de segurança, postos de controlo, fixos e móveis. Toda a margem fértil do Rio Jordão está ocupada por colonos e empresas israelitas. O exército israelita garante a ocupação.

Dizer agora que está em risco a “solução dois Estados” é uma constatação correcta, mas chega com muitos anos de atraso. O mapa que acompanha este texto ilustra como é impossível criar um Estado no território da Cisjordânia ocupada, transformada numa verdadeira manta de retalhos. Os territórios que pertencem aos palestinianos por acerto e resoluções das Nações Unidas, e também pelos Acordos de Oslo, pouco mais de metade estão, de facto, nas mãos da Autoridade Palestiniana.

Por estes dias, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas fez saber que a aceleração da colonização israelita é uma acção unilateral que constitui um obstáculo à solução “dois Estados” (ainda a 23 de Dezembro a ONU aprovou uma resolução a condenar a colonização – pela primeira vez sem o veto dos Estados Unidos); a líder da diplomacia europeia Federica Mogherini alertou esta semana para o perigo que a expansão dos colonatos israelitas significa para a “solução dois Estados”.
A tudo isto, e antes de tudo isto, Benjamin Netanyahu, Primeiro-Ministro de Israel, respondeu que “nós construímos e continuaremos a construir” e, logo que Donald Trump chegou à Casa Branca, não se coibiu de admitir que Israel está “perante uma oportunidade formidável para a segurança e para o futuro de Israel”. Longe vai o tempo em que o Presidente dos Estados Unidos avisou Netanyahu: “nem um tijolo, e isso inclui Jerusalém”, terá dito Obama. Foi o próprio Benjamin Netanyahu quem o revelou. Também é certo que o aviso não teve efeitos práticos.

No espaço de quatro dias após após a tomada de posse de Donald Trump, o Governo de Israel anunciou a construção de mais três mil habitações na Cisjordânia ocupada. Ao contrário do que era hábito, a administração norte-americana não condenou o anúncio da expansão da colonização.
Estava eu a terminar este texto e chegou a notícia: a Casa Branca considera que a construção ou expansão de colonatos talvez não ajude à paz, mas acrescenta que os colonatos não são um obstáculo à paz entre israelitas e palestinianos. Benjamin Netanyahu é recebido este mês em Washington.

Ao certo, dos Estados Unidos, o que se sabe é que Donald Trump prometeu transferir a embaixada norte-americana para Jerusalém. Ainda não o fez, mas o homem escolhido para embaixador, David Friedman, judeu conservador norte-americano faz parte (diz o jornal israelita Haaretz) de uma organização norte-americana que tem enviado milhões de dólares para um colonato (Beit El) a norte de Ramallah, o mesmo colonato que recebeu contribuições de Jared Kushner (também judeu, genro e agora conselheiro de Trump) e do próprio Donald Trump. Uma nota no final deste parágrafo, para evitar extrapolações abusivas: o que fica dito corresponde a factos e não é nada, rigorosamente nada, contra o povo judeu.

Do lado palestiniano chegou-nos a indignação. O Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmood Abbas, avisou que a Organização de Libertação da Palestina (OLP) pode rever (entenda-se revogar) o reconhecimento do Estado de Israel; o número dois da OLP, Saeb Erekat, disse que a comunidade internacional deve pedir contas a Israel, imediatamente.

Dizer que é imprevisível o que pode resultar do que atrás fica descrito, parece-me o mais acertado. Ninguém duvida que os palestinianos não vão gostar. A chamada “comunidade internacional” e as suas instituições mais representativas vão continuar, de declaração em declaração, até que essas declarações se revelem bizarras face à situação concreta no terreno. Falta pouco.

Pinhal Novo, 3 de Fevereiro de 2017
josé manuel rosendo

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