sábado, 13 de maio de 2017

O Papa, para além da Igreja

                                O Papa com refugiados, em Lesbos, Grécia, Abril de 2016

A Fé não é do domínio do racional. Qualquer discussão sobre isso é tempo perdido. A religião implica a aceitação do dogma e uma discussão sobre isso termina sem qualquer conclusão na esfera do racional. A Igreja, nomeadamente a católica, já é outra coisa, e pode e deve ser discutida enquanto instituição de âmbito universal que influencia a vida de milhões de pessoas. Mas não é este o momento para esse debate. Hoje, o importante é sublinhar que há um Papa para além da Igreja, mesmo reconhecendo que essa dimensão apenas é possível porque existe Igreja.

A visita do Papa a Fátima pode ter “mil leituras”, mas o Papa Francisco transporta, principalmente, uma mensagem de Paz. Não é difícil ao cidadão comum aceitar a Paz como um bem maior. Para quem conhece a guerra, a mensagem constante e insistente do Papa Francisco tem um sentido ainda mais profundo. Francisco traz também uma mensagem de combate às desigualdades, contra a indiferença perante os que fogem da guerra e precisam de protecção, pela reconciliação entre diferentes religiões. Francisco foi o homem que levantou a voz a Donald Trump: “Uma pessoa que só pensa em construir muros, seja onde for, em vez de fazer pontes, não é cristão”.

Na Primavera de 2016 acompanhei a visita do Papa à Ilha de Lesbos (Grécia). Francisco estava acompanhado do Arcebispo de Atenas e do Patriarca de Constantinopla. Foi notória a vontade de Francisco contactar, falar e tocar os refugiados, que por essa altura desesperavam na Grécia. Os dois líderes ortodoxos que o acompanhavam mantiveram alguma distância no início mas perceberam que tinham de mudar de atitude. Timidamente lá esboçaram uns sorrisos e dirigiram algumas palavras a quem os aguardava. Francisco abria caminho, parava, falava, apertava as mãos dos que se lhe dirigiam, fazia perguntas. Num momento baixou-se para apanhar e devolver uma garrafa de água que uma mulher deixou escapar na altura em que falava com o Papa. Francisco deixou em Lesbos palavras de encorajamento para os que visitou e de fortes críticas para os responsáveis políticos pela situação dos refugiados.

Foi esse mesmo Francisco que vi esta sexta-feira a descer de um avião na Base Aérea de Monte Real. Embora emparedado num protocolo rígido do programa que lhe prepararam, quebrou esse protocolo, saiu do papamóvel para falar com as pessoas, crianças e velhos, doentes, e ignorou o tapete de flores no acesso à capela da Base Aérea para contactar com os que o aguardavam

Num mundo em crise e em guerra, e mesmo que seja uma ilusão, as pessoas precisam de líderes que as façam sentir pessoas e não números de um qualquer défice ou de uma austeridade assassina, nem instrumentos de interesses económicos ou geoestratégicos, vítimas de guerras e de políticas que, mesmo não usando armas reais usam algumas ainda piores. Francisco deixou um apelo à concórdia entre os povos.

Tal como os portugueses, depois de 10 anos de Cavaco Silva, precisavam de um Presidente como Marcelo Rebelo de Sousa, o mundo precisa de um Papa como Francisco. Não por causa da Igreja Católica, mas porque a palavra de Francisco chega ao mundo inteiro, tem peso, é ouvida, e talvez assuste e/ou faça pensar os líderes que não nos respeitam. Não é possível, depois de Francisco, dizer que não há política nesta mensagem supostamente apenas religiosa. Há, e ainda bem.

Pinhal Novo, 12 de Maio de 2017

José Manuel Rosendo

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