terça-feira, 11 de julho de 2017

Os ensinamentos de Pedrógão e de Tancos

                                   Foto: Pedro Sá Guerra, arredores de Pedrógão Grande.


O preço é demasiado elevado, eu sei, mas da tragédia de Pedrógão e da vergonha de Tancos, resulta pelo menos uma virtude: afinal, o Estado faz falta.
Não teria sido necessário morrerem 64 pessoas nos incêndios e assistirmos à vergonha de um Exército a quem roubam as armas, para chegarmos à conclusão de que o Estado faz mesmo falta, embora infelizmente haja quem não consiga aprender de outra forma.

Tivemos também, mais uma vez, a prova-provada de que as Parcerias Público-Privadas (PPP) são caminho certo para o abismo, campo fértil para o passa-culpas e, claro, para os cidadãos pagarem algo que não lhes dá nada em troca.

Em Pedrógão Grande o SIRESP falhou, o que não é o mesmo que dizer que se não tivesse falhado não teriam morrido 64 pessoas. Relacionar as duas coisas só pode ser baixa política porque nunca se saberá, nem haverá forma de provar, que as 64 pessoas teriam sido salvas se o SIRESP funcionasse sem falhas. É certo que o SIRESP falhou e não são necessários mais relatórios para sabermos que falhou. E o SIRESP, quanto mais não seja pelo preço que pagamos, não pode falhar quando faz mais falta. O SIRESP, com o longo historial que lhe conhecemos, fazendo parte das famigeradas PPP, deve regressar rapidamente à esfera do Estado para que o poder político possa ser directa e democraticamente responsabilizado pelo seu funcionamento.

Quanto a Tancos e ao roubo de material militar, a história tresanda por todos os poros. Isto é, falta saber quase tudo. De concreto, e de fonte oficial, sabemos que o material foi roubado e que o sistema de videovigilância estava avariado há vários anos. Há alguns dias, na Antena 1, o General Garcia Leandro resumiu o problema de uma forma muito clara: se o poder político estava informado dos problemas de segurança na base de Tancos, a responsabilidade é política; se não tinha essa informação, a responsabilidade é dos militares. Isto, claro, se o roubo do material militar foi mesmo como parece (porque ainda não sabemos de facto como foi): alguém, de fora, que naquele dia concretizou o roubo.

Independentemente dos pormenores relativamente aos dois casos e das eventuais responsabilidades políticas, o que estes dois casos mostram é uma fragilidade do Estado em duas áreas em que isso não pode acontecer: Defesa e Administração Interna, precisamente duas áreas onde a função de Soberania está mais à flor da pele.

Dito isto, parece-me que muitos de nós (uma maioria?) interiorizaram a falta que o Estado faz. Falta agora saber se, querendo um Estado que não falhe nas duas áreas em causa, estamos dispostos a pagar para que o Estado não falhe. Se dúvidas houvesse, um Estado não é uma entidade abstracta, e custa dinheiro. Aliás, tal como a democracia: custa dinheiro.

Também é necessário tentar perceber por que é que o Estado está fraco. Cada um que encontre a resposta que mais lhe agrade, mas os anos mais recentes deram-nos exemplos mais do que suficientes para percebermos como se dá cabo de um Estado. E a quem andou a espatifar o Estado, querendo reduzi-lo - quase conseguindo - a um Governo que assinasse cheques para os privados fazerem o que ao Estado compete, apenas se pede que tenha o pudor de guardar silêncio, quanto mais não seja por respeito aos que têm alguma memória e pensam no bem comum em vez de pensarem em benefícios privados.

Talvez agora alguns entendam melhor o ex-Presidente da República, Jorge Sampaio, quando afirmou que "há mais vida para além do Orçamento". Não se referia apenas a isto, mas também a isto. Não precisamos de um Estado “forte” no sentido policial ou de castração da sociedade enquanto colectivo dinâmico, vivo e actuante; precisamos de um Estado forte, competente e eficaz na protecção do país e do povo.

Pinhal Novo, 11 de Julho de 2017

josé manuel rosendo

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