MANIFESTO DA FRONTALIDADE
A Greve Geral convocada pelas duas centrais sindicais teve o mérito de convocar os portugueses para uma luta de forte componente cívica. Não foi uma greve, ao contrário de outras, em que fosse possível vislumbrar interesses partidários de conjuntura. Mais do que uma greve, foi um grito de revolta por uma situação para a qual fomos empurrados e vamos (estamos a) pagar violentamente, enquanto os que assinaram por baixo todas as medidas que nos permitiram chegar a este ponto, surgem agora com novas medidas supostamente salvadoras. Os outros, os que lucraram fortunas (em ordenados, regalias, carros, cartões de crédito, bónus e prémios de milhões) enquanto o sistema suicida funcionou, esfregam as mãos com os Euros que o erário público coloca para tapar os enormes buracos que estes cavalheiros criaram.
E há ainda os renomados economistas (que invariavelmente trabalham para o sistema financeiro causador da desgraça e que obviamente nunca o iriam trair sob pena de se lhes acabar o filão), que traçam um futuro apocalíptico se o povo não aceitar todos os sacrifícios a que o querem sujeitar. Em resumo: o apocalipse que já temos ou o apocalipse que virá, se não quisermos o que eles querem. O apocalipse ou o apocalipse.
Não é difícil perceber o que está em jogo. Ou aceitamos as regras que nos trouxeram até este ponto, acrescidas com mais regras produzidas pelas mesmas políticas e ideologias, ou dizemos não! Esse dizer NÃO passava inevitavelmente por esta Greve Geral. Foi um grito de indignação, de revolta, de solidariedade, de dizer basta! A situação é de tal forma urgente que exigia de nós uma atitude que não era contra o governo ou contra o partido político A, B ou C. Era uma exigência de cidadania.
Perante a redução de salários, o aumento de impostos, o corte de abonos de família, os despedimentos, os sacrifícios continuamente exigidos aos mesmos, e o contínuo rol de lucros obscenos quase sempre para os mesmos bolsos, era importante dizer alguma coisa, dar um sinal. Não é mais possível pactuar com uma situação em que os Mercados ficam nervosos se os políticos falam e continuam nervosos se os políticos não falam; não é mais possível pactuar com Mercados que ficam nervosos se não houver acordo para aprovar a proposta de Orçamento do Estado e continuam nervosos depois de haver acordo para aprovar o dito Orçamento. A própria atitude dos Mercados, ao ficarem num “estado nervoso” irreversível, é esclarecedora. Nada os acalma. Aliás, este eufemismo (Mercados) não deixa de ser curioso. É assim uma entidade difusa, omnipresente, e conveniente.
Mas a actual situação tem uma vantagem: é de tal forma clara, que não deixa margem às meias-tintas. Não é mais possível estar com um pé em cada lado e é impossível argumentar (tão ao gosto dos indecisos) que o mundo não é a preto e branco. Neste caso há apenas duas possibilidades: ou se está contra ou a favor de um sistema que já mostrou todas as suas facetas.
Em Democracia, mal de quem não respeita a opinião alheia. Mas para se merecer esse respeito que uma opinião livre merece, seja qual for a opinião assumida, é preciso dar a cara e não arranjar subterfúgios ou argumentos esfarrapados para justificar o que quer que seja. Eu fiz greve. Respeito quem fez greve porque assim decidiu em função de um conjunto de valores e ideais; respeito igualmente quem não fez greve, por convicção, por considerar que o caminho que temos vindo a fazer é o mais correcto e que não há alternativa às medidas que agravam a vida de quem trabalha; respeito quem perante uma situação de recibos verdes ou contrato a prazo temeu pela perda do emprego. Mas confesso que não me merecem grande consideração nem respeito os que procuram desculpas mal amanhadas para as posições dúbias em que se refugiam. Eu até fazia greve se… eu fazia mas… eu fazia mas tenho tantas dúvidas… parecem crianças quando não sabem justificar os rebuçados que esconderam no bolso. Apesar de tudo isto, não é motivo suficiente para ódios nem para apontar o dedo a ninguém. Simplesmente, tenho pena.
Este é o pior indicador para o futuro de Portugal: gente sem coragem!
José Manuel Rosendo