Conheci jornalistas que morreram por causa deste nosso amado
ofício. Doeu-me! Neste 7 de Janeiro morreram 8 jornalistas e mais 4 pessoas.
Doeu-me! Eu sei que uma vida é uma vida e a de jornalista não vale mais do que
qualquer outra, mas permitam-me esta dor particular.
Claro que todos somos Charlie (Hebdo). Nas redes sociais é
fácil ser tudo e mais alguma coisa. É condenável o que aconteceu em Paris?
Absolutamente: foi um acto criminoso e sem desculpa! E a solidariedade não deve
ser desvalorizada. É importante que num momento destes, aqueles que prezam a
Liberdade, não se encolham com medo e que manifestem essa vontade de não ter
medo. Mas todos sabemos como estas “ondas” passam rapidamente e vão ser
substituídas por outra “onda” que não tardará em aparecer. Defender a Liberdade
é, também, quando se afigura mais fácil ir na procissão da opinião óbvia, parar
por um momento e tentar aprofundar a questão. Gosto de dizer que “a Liberdade
pratica-se”! E o Charlie Hebdo praticava-a.
Na hora a que escrevo este texto o ataque ainda não foi reivindicado. Não há certezas, mas o ataque desta manhã em Paris traz de novo para debate a relação do Islão com o chamado mundo ocidental e também a questão da integração dos imigrantes na Europa.
Na hora a que escrevo este texto o ataque ainda não foi reivindicado. Não há certezas, mas o ataque desta manhã em Paris traz de novo para debate a relação do Islão com o chamado mundo ocidental e também a questão da integração dos imigrantes na Europa.
É bom que se diga que o ataque já foi condenado por muitos líderes
e instituições islâmicas, desde logo por responsáveis iranianos, pela
Universidade de Al Azar (Egipto) e desde cedo pelo próprio líder da comunidade
islâmica de Paris. Tariq Ramadan também condenou o ataque dizendo que “não foi
o Profeta que foi vingado, foi a nossa religião, os nossos valores e os nossos
princípios islâmicos que foram traídos e conspurcados”. Esse é o primeiro
aspecto a ter em conta. Todos unânimes na separação que deve ser feita entre um
acto criminoso praticado por alguém que soltou um “Allahu Akbar” e os valores
do Islão.
A memória dos tempos que se seguiram ao 11 de Setembro de
2001, faz recear que os muçulmanos que vivem nos países ocidentais voltem a
enfrentar algo semelhante. É chegado o tempo de percebermos que não é essa a
solução. O mundo ocidental não pode cair na tentação de erguer muros que, tarde
ou cedo, acabarão por cair, derrubados à força ou por se revelarem inúteis. Qualquer
muro é uma ilusão.
Por outro lado, esta relação do Islão com países ocidentais
não pode ser simplificada numa perspectiva de preto-e-branco colocando os “bons”
de um lado e os “maus” do outro. Falta-nos debate sobre esta matéria (como em
tantas outras) para que as reacções a casos como este não provoquem uma
imediata rejeição do “outro”.
Temos exemplos na história da Europa de tentações de
purificação da raça que todos sabemos como terminaram; existem forças políticas
que apenas espreitam uma oportunidade para ressuscitar essas teorias; temos
pessoas que apenas esperam uma oportunidade para, em nome da segurança, reduzirem
os nossos direitos e a nossa Liberdade. Se nos deixarmos arrastar, sem debate,
sem aprofundar a raiz dos problemas, cedendo ao medo, o futuro pode ser
perigoso.
Este tipo de acontecimentos, o ataque ao Charlie Hebdo,
assemelha-se à lava de um vulcão quando irrompe e arrasa tudo à volta. Da mesma
forma que precisamos de saber mais sobre os vulcões para podermos prever e
acautelar uma erupção, temos que saber mais sobre esta problemática que, não
sendo um problema provocado pelo Islão, pode levar a uma rejeição do Islão e,
então sim, dar origem a um problema mais grave e de maior dimensão.
O ataque ao Charlie Hebdo, sendo um ataque a um jornal, foi
um ataque ao bem (para além da vida) mais valioso deste nosso mundo: a
Liberdade de expressão. Não podemos prescindir desse nosso oxigénio que tantos
séculos demorou a conquistar.
Mas é preciso também reflectir sobre a utilização que temos
feito dessa nossa Liberdade. É necessário uma reflexão sobre as preferências
dos portugueses em termos de jornais, de revistas e de programas de televisão,
e talvez esteja encontrada uma explicação para a dificuldade em entender o que
se está a passar e para algumas reacções que é possível ler nas redes sociais e
nos comentários às notícias.
Neste aspecto, também os jornalistas que agora, e bem, condenam
o que aconteceu, devem fazer uma reflexão sobre as opções editoriais: vamos
fazer alinhamentos com temas que realmente são importantes ou vamos continuar
preocupados com “aquilo que o povo quer” e consome? Vamos descodificar os
acontecimentos ou vamos noticiá-los numa breve de jornal, em 30 segundos de rádio ou com um “off” na
televisão, com a tal preocupação de que as pessoas não estão disponíveis para “coisas”
muito complicadas e não têm tempo para ver ou ouvir falar de guerras, de
conflitos, de problemas religiosos e de geopolítica? As pessoas apenas querem
saber o preço da gasolina e estão-se “nas tintas” para perder tempo a perceber
os motivos da oscilação do preço do petróleo, é isso?
Pois, talvez seja isso, mas depois não me venham falar de
Liberdade.
Da mesma forma que muitos de nós não sabem merecer os que morreram
nas cadeias do fascismo na luta contra a ditadura e na defesa da Liberdade, há
jornalistas que não fazem um pequeno esforço por merecer os que hoje morreram
em Paris em nome da Liberdade. Lamento, mas é o que sinto.
josé manuel rosendo
7 de Janeiro de 2015