Não há paciência, embora não surpreenda. A mesma “escola”
que ignorou Leis e direitos, para cortar salários e pensões (depois da promessa
expressa de não o fazer…), e que fez uma interpretação tão abrangente da
Constituição que levou a várias medidas chumbadas pelo Tribunal Constitucional,
é agora a “escola” que consegue ler na Constituição que o Primeiro-Ministro só
pode ser o líder do partido/coligação mais votado. Não há nem uma linha da
Constituição que imponha esta solução. Temos assim uma espécie de “escola” que
faz pose de Estado e cara séria quando fala do “Estado de Direito” mas que
depois manda o Estado de Direito às urtigas. Que se lixe a Constituição se
atrapalhar os objectivos políticos.
Não surpreende que o Governo esteja agarrado ao poder. Não
surpreende que quem se tenha demitido irrevogavelmente e tenha voltado atrás,
esteja agarrado ao poder. Não surpreende que jovens jotas inesperadamente
atirados para cargos públicos estejam agarrados ao poder. Face à atitude dos
últimos anos, nada disto surpreende. Conhecemos os políticos de quem estamos a
falar. Não surpreende até que não consigam perceber que não têm apoio
parlamentar para serem de novo Governo, tal como não surpreende que não percebam
que há uma maioria de deputados eleitos pelo povo que apoia outra solução de
Governo. De facto, sinceramente, nada disto surpreende, porque compreender tudo
isto seria compreender a democracia.
Aqui chegados, aquele que tem a obrigação de acabar com este
impasse, recusa fazê-lo. Pelo menos demora, prolonga o tempo de jogo. Esta
segunda-feira, na Madeira disse que quer ouvir mais pessoas para “recolher o
máximo de informação junto daqueles que conhecem a realidade económica política
e financeira” para depois decidir; acrescentou que “sabe muito bem o que
aconteceu em Portugal quando as orientações adequadas não foram cumpridas”.
Quais orientações adequadas? De quem? Cavaco Silva pode ouvir toda a gente, mas
o que não pode ignorar é o que resulta das eleições de 4 de Outubro: há uma
maioria de deputados que viabiliza um Governo e que esse Governo tem toda a
legitimidade democrática.
O Presidente da República pode ouvir quem quiser, tem esse
direito e até obrigação, para melhor desempenhar as suas funções. A mais
importante dessas funções, no nosso regime democrático, é “cumprir e fazer
cumprir a Constituição”. Esse foi o juramento de Cavaco Silva.
O Presidente da República não pode exercer o livre arbítrio
em circunstâncias que a Constituição não o permite, isto é, não pode argumentar
que o acordo estabelecido entre os partidos à esquerda não vai funcionar. Os
deputados dos partidos de esquerda têm a mesmíssima legitimidade do que os
deputados dos partidos da direita. A Constituição não atribui ao Presidente da
República as funções de vidente relativamente aos acordos que resultam da
vontade dos deputados livremente escolhidos pelos portugueses. Ainda não há
bola de cristal em Belém. Mas parece…
Pinhal Novo, 17 de Novembro de 2015
josé manuel rosendo