A surpresa – ou talvez
não – da noite de segunda-feira, chegou de Nova Iorque: o Conselho de Segurança
das Nações Unidas, reunido a pedido da França por causa da ofensiva militar
turca no Curdistão sírio, terminou a reunião e ficou em silêncio. Não houve
condenação da invasão turca, nem comunicado final. As únicas declarações conhecidas
são as do embaixador francês: “há uma viva preocupação face à situação no norte
da Síria com a escalada em curso”. Ainda acrescentou que a prioridade é a “unidade
dos aliados na luta contra o Estado Islâmico” e que a situação em Afrin é
apenas “um dos elementos da situação na Síria”. E por aqui se ficou.
Dos outros 14
países do Conselho de Segurança não são conhecidas quaisquer declarações e
porque a reunião foi à porta fechada – não sendo possível ter a certeza – corre
a notícia de que a embaixadora norte-americana Nikki Haley, não esteve
presente.
A confirmar-se
esta ausência, fica claro que os Estados Unidos, mais uma vez, “olharam para o
lado” quando se trata de proteger aliados e quando se sabe que um dos argumentos
para a actual invasão turca foi os Estados Unidos terem dito que estavam a
formar as milícias curdas da Síria com o objectivo de evitar o regresso do
Estado Islâmico a territórios que já ocupou. Apesar dos desmentidos
norte-americanos, a Turquia encarou esta acção como sendo a base da formação de
um força militar curda para vigiar e proteger a fronteira turco-síria (que é a
zona curda). Os Estados Unidos lavaram as mãos, qual Pilatos, e todos aqueles
que se dizem amigos dos curdos, fizeram o mesmo. Ao apelo curdo para que
Washington “assuma as suas responsabilidades”, a Casa Branca fez ouvidos
moucos.
Longe vão os tempos
em que muitos teciam loas aos curdos por enfrentarem o Estado Islâmico. Fizeram-no
no Iraque e na Síria. Depois disso, no Iraque sabemos que fizeram um referendo
e votaram pela Independência; o governo de Bagdad tratou de fazer gorar essas
intenções, tomando Kirkuk à força e encerrando o espaço aéreo; os interesses
económicos das elites curdas iraquianas fizeram o resto – há petróleo para
vender.
Na Síria, os
curdos dispensaram o referendo e declararam a Autonomia administrativa em
Rojava (assim designado o Curdistão Ocidental) que inclui os cantões de Jazira,
Kobani e Afrin. Este último, fica separado dos outros dois que são contíguos. Entre
eles fica uma zona onde a influência curda é reduzida e por onde entraram as
forças militares turcas desde que intervieram directamente na guerra na Síria
em Novembro de 2016. Agora o ataque é ao cantão de Afrin, o mais exposto e difícil
de defender por ser um enclave.
Não surpreende o
ataque turco. As ameaças vinham sendo feitas e a vontade turca de neutralizar as
pretensões curdas era mais do que evidente. A Turquia vê nas milícias YPG
(Unidades de Protecção Popular) a versão síria do PKK (Partido dos
Trabalhadores do Curdistão) que desde 1984 declarou a revolta dos curdos e tem
assumido um confronto militar com a Turquia. A Turquia considera as YPG um
grupo terrorista.
Mais uma vez, o
interesse particular dos Estados evita que os curdos recebam o apoio que
fizeram por merecer. Mais uma vez vão sentir-se usados e mais uma vez vão pagar
cara a “ousadia” de quererem ser donos do seu próprio destino.
Dos vizinhos
próximos dos curdos já se sabia que não querem nem ouvir falar de Autonomia ou
Independência, mas de outros “amigos” esperava-se mais. Uns porque também têm
minorias nos seus territórios e não querem “maus exemplos”, outros porque têm
outros interesses no Médio Oriente, todos deixam os curdos à sua sorte porque
nunca são uma prioridade no xadrez internacional.
Ainda não há
muito tempo, Tony Blair – depois de muitos anos como líder do “Quarteto para o
Médio Oriente” – reconheceu que a comunidade internacional errou na atitude em
relação ao Hamas depois do Movimento Islâmico ter vencido as eleições
palestinianas em 2006; todos temos assistido ao desfile de personalidades que
vieram dizer que a invasão do Iraque foi um erro; todos assistimos a um
Conselho de Segurança cada vez mais incapaz de tomar decisões que tenham algum
contorno de justiça e não apenas de submissão aos interesses dos membros com
assento permanente. Acumulam-se os erros e somam-se conflitos que ganham contornos
de guerras prolongadas com um alto preço de vidas humanas.
O recente ataque
turco começou a 19 de Janeiro com bombardeamentos a partir da Turquia e teve
seguimento no dia seguinte com as forças militares a penetrarem em território
sírio.
O Presidente
turco já disse que não vai recuar e, paralelamente, a Rússia convida os curdos
da Síria a participarem em negociações de paz (com toda a oposição síria) em Sochi,
no final de Janeiro, negociações que também têm o patrocínio turco. Ao mesmo
tempo a Rússia acusa os Estados Unidos de provocarem a Turquia – por treinarem
as milícias curdas – e incentivarem o separatismo curdo.
Na troca de
declarações os Estados Unidos pedem “contenção” à Turquia, mas também
reconhecem aos turcos “o direito legítimo de se protegerem”, sendo que já
reconheceram terem sido avisados antecipadamente da ofensiva turca.
O Reino Unido
não foge à regra: o Ministério dos Negócios Estrangeiros fez saber que “reconhece
à Turquia um interesse legítimo de assegurar a segurança das suas fronteiras”.
Até agora o
único país a protestar contra a invasão turca foi a própria Síria. A Turquia
diz que avisou o presidente sírio, mas Bashar al Assad nega e classificou a
invasão como “uma agressão brutal”, acusando o regime turco de “apoio ao
terrorismo e às organizações terroristas, quaisquer que elas sejam”. Perante
tudo isto o que podem pensar os curdos da comunidade internacional?
Pinhal Novo, 23
de Janeiro de 2018
josé manuel rosendo