"E a resposta do mundo? Palavras vazias, condenações
fracas e um Conselho de Segurança paralisado pelo uso do veto." Foi assim
que Zeid Ra'ad al-Hussein, Alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos
Humanos, comentou a situação na Síria.
Desde logo, uma coisa é certa: não há jornalistas no
terreno, a não ser os sírios que trabalham nos órgãos de informação de Damasco.
Do lado dos rebeldes a informação que nos chega é a dos próprios rebeldes.
Damasco terá muita dificuldade em fazer com que acreditemos na informação que
nos chega por essa via. Tal como os rebeldes. Uns e outros acabam por ser
vítimas da ausência de jornalistas.
É verdade que as imagens são dramáticas. Os efeitos de gás
de cloro ou seja o que for, principalmente em crianças, deixam-nos de coração
apertado. Não se sabe ao certo se foram utilizadas bombas de cloro ou que tipo
de gás foi utilizado. Não se sabe ao certo quem as utilizou. E, não
relativizando ou desvalorizando o sofrimento daqueles que tais imagens mostram,
é bom não esquecer que a guerra na Síria está a matar desde 2011. Repito: não
desvalorizando a alegada utilização de armas químicas, por parte do regime de
Assad ou de quaisquer outras forças, a chamada comunidade internacional não
deve, não pode, olhar para este momento específico e esquecer todos os anos que
passaram e em que… nada fez. No caso da
Síria e em muitos outros.
Lembram-se do menino curdo que apareceu morto numa praia
turca? Aylan Kurdi (o curdo), o irmão Galip, e os pais, saíram de Kobani com o
objectivo de chegar ao Canadá. O sonho morreu nas águas do Mediterrâneo. Aylan,
Galip e a mãe, regressaram a Kobani para aí serem sepultados. O mundo
indignou-se, as redes sociais encheram-se de partilhas e faixas negras.
Entretanto, o drama dos refugiados continua. Muitos acantonados na Turquia, com
a União Europeia a pagar para os manter à distância. A indignação desapareceu…
Lembram-se da campanha por causa da adolescente palestiniana
Ahed Tamimi que acabou condenada a oito meses de prisão? Pois, mas quase todos
os dias morrem palestinianos, seja em Gaza seja na Cisjordânia. E as resoluções
das Nações Unidas continuam por cumprir. A indignação… tem dias.
Estas ondas de indignação são apenas um lavar de alma de uma
comunidade internacional (nós) demasiado acomodada, demasiado focada em
interesses menores, e que se serve destes momentos para uma espécie de catarse
com a qual pretende autojustificar-se.
Gostaria de não ser mal entendido Não estou a dizer que os casos como os do menino curdo ou da adolescente palestiniana, não
mereçam ser condenados e que não deva haver indignação O que estou a tentar dizer é que isso não é suficiente
e até pode ajudar a fazer esquecer as grandes questões de que esses exemplos
são apenas uma pequeníssima amostra.
Na Síria, sejam quais forem os verdadeiros números da
desgraça (entre 350.000 e 500.000 mortos) em sete anos de guerra, para além dos
milhões de refugiados e deslocados, são esses números que nos devem
envergonhar.
Douma, cerca de 10 km a nordeste de Damasco, faz parte da
região de Ghouta Oriental e é o último reduto da oposição a Bashar al Assad nas
proximidades da capital. Aparentemente, há um acordo para que os combatentes da
Jaish al Islam e respectivas famílias sejam retirados e levados para Idlib.
Chegados à província de Idlib, a única que é controlada pela
oposição síria, dividida em diferentes grupos rebeldes, é porventura tempo para
esperarmos uma de duas possibilidades: a “última batalha” ou um acordo entre Governo
sírio e grupos da oposição (em moldes que não fáceis de prever…). E se essa
última batalha tiver lugar, a única certeza é de que será muito pior do que foi
em Ghouta Oriental. António Guterres disse de Ghouta Oriental que era o “inferno
na Terra”, mas no caso de Idlib essa será porventura uma expressão
insuficiente.
A possibilidade de Idlib ser palco de uma “última batalha”
não deve ser excluído: é a região que falta para que Bashar al Assad controle
todo o país, ou quase, e tratar então de fazer sair as tropas turcas de Afrin (cantão
curdo).
Jan Egeland, conselheiro especial do enviado da ONU para a Síria
(Staffan de Mistura) deixou bem claro o perigo que espreita em Idlib: "Precisamos
aprender com as batalhas de Homs, Aleppo, Raqqa, Deir al-Zor e Ghouta Oriental.
Idlib não se pode transformar em uma zona de batalha, está cheia de civis que
são deslocados vulneráveis".
Jan Egeland lembra que Idlib é “o maior aglomerado de campos
de deslocados no mundo” com cerca de 1,5 milhões de pessoas. Juntemos a estas
pessoas as dezenas de milhares de combatentes que se têm aglomerado em Idlib
depois de derrotados em outras regiões da Síria. Juntemos ainda a panóplia de forças
de vários países e temos, na região de Idlib, o caldo perfeito para promover
mais uma tragédia. Seria muito bom que assim não fosse.
Pinhal Novo 10 de Abril de 2018
josé manuel rosendo