Posto de controlo de Kalandya (entre Jerusalém e Ramallah)
foto: jmr, Maio de 2018
Mais
uma vez, choveram manifestações de indignação perante a aprovação no Knesset
(Parlamento de Israel) de uma Lei (Lei Básica: Israel – Estado Nação do Povo
Judeu, ver https://www.jpost.com/Israel-News/Read-the-full-Jewish-Nation-State-Law-562923
) que estabelece que “Israel é a pátria histórica do povo judaico e,
nele, ele tem um direito exclusivo à autodeterminação”. O hebraico passa a
ser a única língua oficial enquanto a língua árabe é despromovida; os colonatos
passam a ser de interesse nacional e a expansão é incentivada; Jerusalém é a
capital. A Lei passou com 62 votos a favor e 55 contra. Mas passou. Israel é
agora um Estado judaico, sendo que 20% da população não o é e sendo os árabes a
grande fatia desta minoria.
O objectivo e a marca anti-democrática ficaram
explícitos durante o debate parlamentar: “Aprovámos esta lei fundamental para
impedir a menor veleidade de transformar o Estado de Israel numa nação de todos
os seus cidadãos” (ver https://elpais.com/internacional/2018/07/19/actualidad/1532026233_632259.html
) disse Avi Dichter, deputado do Likud (o partido do Primeiro-Ministro Benjamin
Netanyahu).
Um
dia antes desta Lei ser aprovada em Israel, nas cerimónias do 100.º aniversário
do nascimento de Nelson Mandela, Barack Obama referiu-se aos homens que chegam
ao poder através da democracia e depois minam as instituições que dão sentido à
própria democracia. Referiu-se também aos países que assentam a sua existência
em nacionalismo, xenofobia e doutrinas de superioridade tribal, racial ou
religiosa. Olhem a história e vejam como acabaram, alertou Obama (ver discurso
completo em https://edition.cnn.com/2018/07/17/politics/barack-obama-mandela-speech-transcript/index.html
). Israel deu um exemplo claro disso: um Parlamento eleito que destrói a
essência que representa a sua própria existência.
Nas
reacções que se seguiram à aprovação da Lei, falando apenas de Portugal, o
Governo seguiu a linha de condenação da União Europeia e o MNE Augusto Santos
Silva, em “português suave” disse que “não podemos aprovar, concordar, com a
Lei que foi aprovada e esperamos que venha a ser corrigida”.
Pacheco
Pereira, no jornal Público, amigo assumido de Israel (ver https://www.publico.pt/2018/07/21/mundo/opiniao/israel-um-novo-estado-racista-1838609
) escreveu que “agora não foi sequer a gota de água, foi uma torrente
que se abriu com a nova lei da nacionalidade que institui na prática uma
situação de apartheid e de racismo”.
Com
este governo ou com outro assim tão à direita, Israel terá inevitáveis
problemas, e Trump não é eterno na Casa Branca. Problemas desde logo com a
União Europeia (UE). Apesar de Israel manter boas relações com o que de pior
tem a União Europeia, como é o caso do actual governo húngaro, Federica
Mogherini tem mostrado alguma firmeza. Em Junho, o Primeiro-Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, recusou recebê-la
(claro que foram questões de agenda...) e recentemente, a Alta Representante da
UE para a Política Externa escreveu a Gilad Erdan, Ministro israelita, (ver https://www.haaretz.com/israel-news/.premium-eu-s-mogherini-to-israeli-minister-you-feed-disinformation-1.6280308
) lembrando-lhe que estava a alimentar a desinformação ao misturar a campanha BDS
(Boicote, Desenvolvimento e Sanções a Israel) com terrorismo. Para além disso, Mogherini
desafiou o ministro israelita a provar que a UE financia ONG’s com ligações ao
terrorismo – foi essa a acusação. O que Mogherini fez foi dizer a este governo
de Israel que o discurso maniqueísta de que, quem critica um Governo de Israel, é
terrorista ou, no mínimo, anti-semita, esse discurso já não colhe.
Aliás,
aquilo que agora foi consumado no Knesset, apenas dá forma de Lei à ambição de
sempre dos principais líderes israelitas. Com maior ou menor visibilidade, as
acções dos sucessivos governos, foram sempre no mesmo sentido. Exemplo disso é
o livro de Uri Dan, “Conversas Íntimas com Ariel Sharon”. Em resposta a Uri
Dan, no capítulo “Repovoar a Terra Prometida”, o ex-Primeiro-Ministro de Israel
assume ter cometido um “erro”. As quatro páginas deste capítulo são
constituídas por uma entrevista onde Sharon começa por defender que “(...) é o
povoamento judaico na terra de Israel que determinará o nosso destino a muito
longo prazo”, e mais à frente apresenta argumentos: “A Judeia-Samaria é o berço
do povo judaico, e o sentimento e ter o direito do seu lado – um elemento
crucial da segurança – depende, antes de tudo, do facto de viver no local a que
se pertence”. Finalmente, Ariel Sharon explica o erro: “A questão da segurança
tem uma dimensão temporária e é fácil debatê-la, ao passo que o aspecto
histórico, capital, é mais forte que tudo. A força da atracção do Grande Israel
está nas histórias bíblicas, nas festas, nas estações e nas paisagens. No nosso
caso, tudo é história”. Sharon assume que foi o grande impulsionador dos colonatos
e foi também ele que iniciou a construção do Muro de Separação.
Somando
factos ao longo dos anos, a causa Palestiniana tem vindo sempre em perda; Israel
tem vindo sempre a ganhar, através dos colonatos e da anexação de território,
na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. A comunidade internacional bem pode indignar-se
após cada decisão, porque a indignação cai no esquecimento e a decisão há-de
passar a facto consumado. A solução dois Estados é menos solução a cada dia que
passa e não é de todo irresponsável considerá-la impossível de concretizar,
porque a sua concretização implicaria um recuo nas ambições de Israel que,
neste momento, é altamente improvável.
Pinhal
Novo, 21 de Julho de 2018
josé
manuel rosendo