O
título conduz inevitavelmente à pergunta a que convém desde já responder: e a
preocupação faz sentido? A resposta é óbvia: claro que sim! Quem tem a Liberdade
por azimute principal, preocupa-se com a Democracia. Escrevi Democracia, não
apenas eleições periódicas.
Por
regra, em circunstâncias semelhantes às da Venezuela, os Estados Unidos fazem
uma declaração, a União Europeia também, e logo alguns fazedores de opinião se
apressam a dizer que a “Comunidade Internacional” disse isto e mais aquilo.
Não, a “Comunidade Internacional” não é apenas Estados Unidos e União Europeia.
Aliás, António Guterres, Secretário-geral das Nações Unidas disse que está
disponível para ajudar a encontrar uma solução, mas lembrou a Juan Guaidó que o
reconhecimento de Governos é uma responsabilidade da Assembleia-Geral da ONU.
De
Washington veio a ameaça de atirar Nicolas Maduro para Guantánamo (!) e a
possibilidade de utilizar tropas norte-americanas na Venezuela. Coisa pouca. A
União Europeia, fez um ultimato a Maduro dando um prazo para a realização de
eleições. Em contraponto, Rússia, China, Irão, Turquia, são alguns dos países
que declararam solidariedade a Nicolas Maduro, recusando reconhecer Juan Guaidó
como Presidente interino da Venezuela. Foram estas algumas das reacções da “Comunidade
Internacional” e assim estão dispostas as peças no tabuleiro da Venezuela.
De
forma maniqueísta poderíamos apenas recorrer ao velho ditado: diz-me com quem
andas dir-te-ei quem és! Mas seria redutor.
Convém
ter presente que as ameaças de Donald Trump têm um potencial de concretização
sem equivalência na solidariedade que outros países declararam a Nicolas
Maduro. China, Rússia, Irão, Turquia, não vão certamente enviar tropas para a
Venezuela – a solidariedade que declaram é um formalismo resultante da política
de não ingerência que estes países defendem no âmbito das Relações Internacionais.
A
questão é outra e não adianta tentar escondê-la: o que os Estados Unidos estão
a fazer com a Venezuela e têm feito com toda a América abaixo da fronteira com
o México (ou já está esquecida a Doutrina Monroe?) é apenas a atitude do
fazendeiro que não quer ver os “quintais” dos Estados Unidos permeáveis a
regimes políticos que não lhe agradem. Ou não foi assim com o Chile e com Cuba, apenas para dar dois
exemplos? Se a América de Monroe devia ser apenas para os americanos (nesse
tempo contra os colonizadores europeus), agora deve estar tudo sob controlo de
Washington e de preferência sem qualquer tipo de simpatia por outra coisa que
não os grandes liberais da Escola de Chicago. Se o “quintal” em causa tiver
petróleo, bom e barato, então nem se fala mais nisso e se não for a bem é à
força.
Por
outro lado, quem quer falar de Democracia dificilmente poderá pensar que retira
algum benefício de receber o apoio de Rússia, China, Irão e Turquia. Aliás, estes
países não deixariam passar a oportunidade de afrontar Washington, com a
Venezuela ou com outro qualquer motivo. Maduro saberá disso, mas está acossado
e agarra-se a qualquer bóia que lhe seja atirada, até porque ali ao lado a
ameaça é bem real. Se sentir que não lhe foge o apoio dos militares, podemos
esperar o pior para a Venezuela.
Aquilo
a que estamos a assistir é muito simples: as grandes potências, todas, cuidam
da sua “zona de influência” - se não lhe quisermos chamar “espaço vital” apenas
porque foi desenvolvido pelo Partido Nazi de Adolf Hitler. É disso que se
trata. Se cada uma delas puder “picar” a zona de influência das outras, tanto
melhor.
Quem
se escandaliza com a acção da Rússia na Ucrânia e na Crimeia, deixa de lado o
que os Estados Unidos fazem com a Venezuela e têm feito um pouco por toda a
América, quando é afinal a mesma lógica. E a União Europeia que não lave as
mãos porque a ofensiva a alguns países da antiga União Soviética é também um
ataque ao espaço de influência da Rússia. Perguntarão se cada país não terá o
direito de escolher os seus alinhamentos. Claro que sim, mas recusar ver a realidade
é também um exercício de grande hipocrisia intelectual e política.
O
que é importante na análise da crise política na Venezuela é tentar o equilíbrio,
não “à Pilatos”, mas com a objectividade possível em função das acções de cada
um dos envolvidos.
Lembram-se
quando muitos se manifestavam, e bem, contra o Muro da Vergonha (em Berlim)?
Muitos desses parecem estar agora muito confortáveis com outros muros. Da
fronteira dos Estados Unidos com o México, passando pelos países europeus que
travaram o fluxo de refugiados, até à Cisjordânia e à Faixa de Gaza, e seguindo
por aí fora... aqueles que contestaram o Muro de Berlim parecem agora
resignados. Ou confortáveis? Há muros e muros. Há a vergonha e a falta dela.
Voltando
à questão da Democracia na Venezuela, trata-se apenas do pretexto para esse
jogo muito mais abrangente que constitui as Relações Internacionais. Se a
preocupação dos Estados Unidos fosse realmente a Democracia que cada país tem
ou deixa de ter, Donald Trump não manteria relações diplomáticas tão intensas com
países como a Arábia Saudita ou a China, não falaria ao telefone com Vladimir Putin nem
teria tido um comportamento – e palavras – tão afectuosas para com Kim Jong-un.
Parece-me
que podemos interpretar melhor o que está a acontecer na Venezuela, e no Mundo, se tivermos
em conta todas estas questões.
Pinhal
Novo, 4 de Fevereiro de 2019
josé
manuel rosendo