Faixa de Gaza, 2018. Foto: jmr |
O Médio Oriente já tem sofrimento e guerras quanto baste, mas parece que há sempre uma forma de acrescentar problemas. Iémen, Síria e Líbia, são palco de conflitos sangrentos sem fim à vista e com grande potencial para ficarem ainda mais violentos. O cessar-fogo - para concentrar esforços no combate à pandemia - pedido por António Guterres, Secretário-Geral da ONU, foi ignorado. Agora, para além destes três palcos de guerra, corremos o risco de ver “incendiar” a Palestina.
Quando faltam menos de duas semanas – 1 de Julho, a data referida por Benjamin Netanyahu – para que avance a anexação dos colonatos israelitas na Cisjordânia ocupada e do Vale do Jordão, não há qualquer sinal de pressão da comunidade internacional para que Israel recue numa acção unilateral ao arrepio de tudo o que está determinado nos Acordos e Resoluções das Nações Unidas. Será o “plano Trump” a dar os primeiros passos.
Com receio do que pode estar para vir, várias fontes dizem que a Autoridade Palestiniana (AP) já destruiu documentos secretos dos serviços de segurança palestinianos, depois de os digitalizar. A AP receia a repetição do que aconteceu durante a segunda Intifada (2000-2005), quando o Exército israelita entrou nos mesmos serviços de segurança palestinianos e ficou na posse de documentação secreta. Aliás, a AP acusa o Exército israelita de ter entrado em Ramallah (o que Israel nega), sede da AP, durante a semana passada, o que apenas poderia acontecer – segundo os Acordos de Oslo, 1993 – em coordenação com a AP.
O Primeiro-ministro da AP, Mohammed Shtayyeh, avisou que o Verão poderá ser “quente” se Israel avançar com o “plano Trump”. É um teste demasiado importante para que a AP nada faça, sob pena de perder de vez a voz que ainda tem a nível internacional e, mais importante, deixar de contar para os palestinianos que ainda acreditam na resistência e em um Estado palestiniano. A grande questão é a de saber o que poderá a AP fazer, de facto, que possa mudar o rumo que parece estar traçado.
O Hamas apelou à unidade e à resistência. O Movimento Islâmico que controla a Faixa de Gaza, considera que é “dever de cada palestiniano livre combater a agressão” israelita e pediu a união da classe política palestiniana. Os palestinianos - Fatah e Hamas - continuam divididos.
Até agora, o aliado que mais se chegou à AP foi a Jordânia, um dos dois Estados árabes que assinaram Acordos de Paz com Israel. O Rei Abdullah II reiterou oposição ao projecto de anexação e enviou o chefe da diplomacia jordana à AP, em Ramallah. O helicóptero jordano aterrou na Mukata e Ayman Safadi, foi claro: o plano de anexação é uma ameaça sem precedentes para o processo de paz e o Médio Oriente entrará num longo e doloroso conflito.
Ainda não se conhecem pormenores do processo de concretização do “plano Trump”, aceite por Israel e recusado em absoluto pela AP, mas para os que defendem o “grande Israel” este é o momento: uma "oportunidade histórica" para expandir o território e a soberania de Israel, reconheceu Benjamin Netanyahu.
O jornal Israel Hayom (Israel Hoje), considerado um jornal que reflecte a opinião de Netanyahu, admite que o processo possa avançar por fases. Primeiro, a anexação de alguns colonatos, depois o Vale do Jordão. O objectivo será, entre as duas fases, chamar os palestinianos para “negociações de paz”, o que dificilmente acontecerá, e dará argumentos para concretizar a segunda fase e consumar o “plano Trump”. Facto consumado, com a ilusão de que Israel demonstrou vontade para negociar.
O jornal acrescenta ainda que o Primeiro-Ministro israelita não espera que a anexação provoque, da Europa, qualquer resposta punitiva, para além das habituais e indignadas declarações de protesto. Quanto aos países árabes, têm mais em que pensar: Sissi (Egipto) atento à guerra na Líbia; a Arábia Saudita atenta ao Irão e envolvida na guerra no Iémen; Bashar al Assad, ainda envolvido no caos da guerra na Síria; o Líbano em profunda crise política e financeira. Neste contexto, a “causa palestiniana” é também pouco mais do que retórica para os países árabes e Netanyahu não espera danos substanciais nas relações actualmente existentes.
É este o quadro geral de uma situação que ninguém parece ter vontade e/ou capacidade para contrariar. No que diz respeito ao conflito com os palestinianos, Israel atira tudo o que é Direito Internacional para o caixote do lixo e não há uma sanção, um aviso, uma resposta com efeitos concretos, que obrigue Israel a respeitar os Acordos e Resoluções que a comunidade internacional aceita e apoia – e que estiveram na base da criação do próprio Estado de Israel – para que os palestinianos também tenham um Estado, digno e soberano, e não apenas umas bolsas de terreno a que querem chamar Estado.
Esta é uma prova de fogo para a chamada “comunidade internacional”, para as Nações Unidas e também para a Liga Árabe. A ver vamos se, de facto, significam algo em que ainda podemos acreditar, enquanto instituições para o entendimento entre as nações e protecção dos mais fracos face aos mais poderosos, ou se tudo não passa de uma encenação em que os poderosos “podem e mandam” e tudo o resto é faz-de-conta.
A ver vamos como vai ser o Verão na Palestina.
Pinhal Novo, 22 de Junho de 2020