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domingo, 4 de novembro de 2012

Para que quero eu um governo assim?


 
Tentar perceber o que se passa à nossa volta é cada vez mais difícil. Depois de cortes e mais cortes e com um Orçamento do Estado já aprovado na generalidade, mas ainda no Parlamento, o governo vem falar num corte de mais 4 mil milhões de Euros; para que se saiba onde e como, manda recado por um antigo líder do PSD – Marques Mendes na TVI24 disse em que Ministérios e em que áreas é possível o Estado não gastar os tais 4 mil milhões. De facto, Marques Mendes não disse bem isso: disse alguns Ministérios onde apresentou o corte como um corte puro – menos serviços na Defesa, Justiça e Segurança – mas depois referiu as áreas onde o Estado deve reduzir a presença (segurança social, saúde, educação…) mas onde, mesmo que passe a haver gestão privada, será o Estado a pagar. Isso Marques Mendes não disse.
 
Até aqui nada de novo: estar atento implica já saber que os cortes não irão parar até o povo aceitar trabalhar por uma malga de sopa aguada e até o Estado estar estraçalhado e servido numa bandeja aos grandes interesses privados. Em saldo, porque os tempos são de sacrificio para a generalidade das pessoas, mas também são tempos de excelentes negócios para os grandes grupos económicos.
 
Paralelamente a esta revelação, Marques Mendes anunciou que os técnicos da troika já estão em Portugal para assessorar o governo nos cortes a fazer para se conseguir os tais 4 mil milhões de Euros. E foi aqui que os meus neurónios se baralharam. Então, o governo do meu país precisa, alegadamente, de fazer um corte de 4 mil milhões de Euros e não sabe como nem onde? Então, quem está a governar o quê? Então, precisamos de uns tecnocratas vindos não sei de onde para dizerem ao governo do meu país onde é que deve reduzir serviços e funcionários para atingir os objectivos do corte? Longe vão os tempos em que um jovem líder partidário tinha um projecto e uma ideia para o país; longe vão os tempos das promessas de não aumentar impostos, de não retirar subsídios de férias e de natal. Ou será que a presença dos tecnocratas serve para o governo lavar as mãos e dizer que os cortes foram impostos pela troika ou que foi a troika que disse as áreas onde se devia cortar? Confusão. Kafka puro. Somos condenados sem saber porquê nem por quem.
 
Depois da balbúrdia cerebral eu só precisava de uma resposta: para que quero eu um governo assim? E gostava também de saber se todos os 2.813.729 portugueses que votaram nos partidos deste governo estão de acordo com tudo isto e se ainda acreditam nesta trapalhada que estamos a viver e nos principezinhos que nos governam. É que este governo fez promessas que não cumpriu, fazendo precisamente o oposto – logo, mentiu.
 
Ao mesmo tempo que faz aprovar um Orçamento do Estado e convida o PS para um consenso que, então sim, seria idílico, o governo já estava sentado à mesa com os tais tecnocratas da troika para saber que Estado vai ficar desenhado depois de mais um corte de 4 mil milhões de Euros. Coelho e Seguro trocam cartas. Há arrufos em público, mas o povo não tem acesso às tais cartas (serão de escárnio e mal-dizer ou serão cartas de amor?).
 
Quando entramos no reino do absurdo qualquer cidadão inteligente – entenda-se inteligência a capacidade de fazer um raciocínio lógico com a informação disponível – que não tenha lido Kafka sente-se perdido. E ler Kafka não é leitura obrigatória para que alguém seja inteligente. O problema para nós, portugueses que ficam em Portugal, é que este absurdo trata do nosso quotidiano e do nosso futuro. Olhando para o Processo político ficamos com a certeza de que quem nos lidera tem Kafka à cabeceira. Kafka e, já agora, Maquiavel, porque aspirantes a Príncipe não faltam, devendo no entanto reler a obra porque Maquiavel aconselhou o príncipe a ter exércitos próprios para atingir os objectivos a que se propunha. Os “nossos” príncipes não têm exército e só mantêm o poder porque esta plebe ainda não se apercebeu disso.
 
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 4 de Novembro de 2012

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