Não estamos no Afeganistão (na foto), mas o que dizer de umas eleições em que a abstenção nacional foi
47,4%, os votos brancos 3,87% e os votos nulos 2,95%? Por grosso, meio país
demitiu-se, recusou, protestou, não quis saber, simplesmente não escolheu os
autarcas que vão governar as câmaras e juntas de freguesia do país. Saber por que
é que isto aconteceu terá sempre um resultado subjectivo. Mas reduzindo a questão
à escala que melhor conheço, e que por si só não explica o todo do país, pode
dar uma ajuda.
Na minha Freguesia (Pinhal Novo, concelho de Palmela) a
abstenção atingiu o número assustador de 62,50% e a soma dos votos brancos e
nulos é superior a 8%. Os que escolheram representantes, na minha Freguesia, são
menos de um terço dos eleitores inscritos. Se eu fosse um dos eleitos sentiria
a minha legitimidade ferida e sentiria que estava a fazer parte de um sistema
que as pessoas não reconhecem.
Pode ser apontado um número quase ilimitado de motivos para
este alheamento das pessoas na escolha dos representantes autárquicos. Desde logo
o facto de o próprio poder não incentivar a cidadania; o afastamento
generalizado da vida partidária; também a ausência de alternativas credíveis
aos poderes instituídos; a teia de interesses que se estabelece na maioria dos
municípios, e por aí fora.
Há outro aspecto que me parece interessante e que tem a ver
com a escassez de informação. Vivemos na era das redes sociais mas isso apenas
significa que há mais comunicação, não significa que exista mais e melhor
informação. Por vezes há quem não entenda a diferença, mas ela é importante. Mais
importante ainda quando rádios e jornais locais têm uma penetração limitadíssima.
Regressando à escala que conheço melhor – a minha Freguesia –
devo dizer que nem um papelinho com a cara ou o programa de um candidato chegou
à minha mão. Ao votar, sabia quem eram os candidatos e o que propunham porque,
num misto de deformação profissional e simples necessidade de estar informado,
tinha feito uma pesquisa para encontrar essa informação. Poderão dizer-me que
qualquer cidadão devia fazer o mesmo, mas sabem que não é assim que funciona.
Também não deixa de ser curioso que Álvaro Amaro (CDU), o
presidente agora eleito da Câmara (de Palmela – que inclui a minha Freguesia) tenha
dito, numa entrevista em Maio de 2000, que “nunca serei candidato à presidência
da Câmara de Palmela. Se alguma vez discutir com o meu partido a candidatura a
uma Câmara Municipal será à de Pinhal Novo” (convém dizer que foi num momento
em que se reivindicava a elevação de Pinhal Novo a concelho). Talvez isso
explique que a CDU (que sempre governou Palmela) tinha 5 vereadores contra 2 da
oposição – Palmela passou de 7 (em 2009) para 9 vereadores (em 2013) – tenha agora
os mesmo 5 vereadores para 4 da oposição.
Sendo personalidades diferentes e não querendo fazer uma
comparação abusiva, se juntarmos esta declaração de Álvaro Amaro (agora atirada
às urtigas) à recente demissão do então Ministro dos Negócios Estrangeiros,
Paulo Portas, que era irrevogável e deixou de ser, ou às manifestações
populares de apoio a Isaltino Morais (preso na Carregueira), encontramos
exemplos que levam as pessoas a não votar ou a encararem a política apenas como
um jogo de interesses que nada tem a ver com o essencial do que devia ser a
nobre arte da política. Portas terá razões para ter voltado atrás; Álvaro Amaro
poderá ter razões para alterar a atitude em relação à candidatura à presidência
da Câmara de Palmela; Isaltino pode reclamar inocência; mas o povo regista.
Outro aspecto que merece um sublinhado destas eleições foi o
de ver Paulo Portas a celebrar o que
designou por “penta” (conquistou cinco câmaras municipais) do CDS ao mesmo
tempo que um solitário Pedro Passos Coelho assumia a derrota do PSD. Dois parceiros
de coligação de Governo – um faz a festa, o outro limpa as lágrimas. O sistema
está podre, cheira mal, mas insiste em tapar o nariz com os dedos para não
sentir o próprio cheiro.
A nível nacional a frieza dos números é reveladora: cerca de
340 mil pessoas foram às urnas escrever uma asneira no boletim de voto,
simplesmente riscá-lo de alto a baixo ou então deixá-lo em branco; cerca de 4
milhões e 500 mil portugueses simplesmente não foram votar. A abstenção tem
vindo a subir e ninguém arrepia caminho. Estes portugueses desiludidos (digo eu…)
são terreno fértil para propostas populistas que podem ter um resultado
perigoso e de que temos exemplos tenebrosos. Os que andam agora a fazer asneira
que não venham depois carpir mágoas. Quem não está na política com ética e
sentido de dever devia sentir vergonha porque está a hipotecar a Democracia e a
Liberdade.
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 30 de Setembro de 2013