quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Onde tem andado Durão Barroso?

Antes de meter as mãos nas notícias, leio as notícias do tempo em que estive sem saber do mundo. É um hábito. Nas páginas centrais do jornal Público de hoje (10.10.2013) vejo uma foto de Durão Barroso, com ar pesaroso, frente a várias urnas com corpos da mais recente tragédia ao largo de Lampedusa. Basta ler o “destaque” da notícia e a legenda da foto para sentir vómitos. Na primeira, diz Barroso que “uma coisa é ler os relatórios, outra é ver na televisão e outra coisa é estar aqui (Lampedusa), a sentir o sofrimento e a indignação das pessoas”; na segunda, diz Barroso que “A imagem de centenas de caixões nunca mais me sairá da cabeça”.


Que dizer destas frases, vindas de um homem que já foi Primeiro-Ministro de Portugal, é Presidente da Comissão Europeia já no segundo mandato e esteve na Cimeira das Lajes que marcou a guerra que começou em 2003 no Iraque? Que dizer de um homem que diz este tipo de coisas sendo ele um dos principais responsáveis políticos do nosso tempo? Onde tem andado Barroso? Um homem que ajuda a declarar guerras e que se mostra embevecido apenas por poder falar com um presidente norte-americano (no caso George W. Bush) tem depois a coragem de assumir publicamente que nunca viu centenas de urnas assim juntinhas; que nunca sentiu o cheiro da morte por grosso a não ser pela televisão ou que tem imagens (que só agora viu) e que não lhe vão sair da cabeça. Barroso parece querer dizer que não sabe o que se passou (e passa) no Iraque; que não sabe o que se passa na Síria; que não sabe o que se passa no Egipto ou na Líbia… Ou Barroso está ser hipócrita ou mostrou ser um homem do mundo mas sem mundo real; conhece o mundo dos palácios, mas não conhece o povo e as ruas; Barroso nunca viu terra queimada com gente a viver em ruínas, crianças semi-nuas a brincar em lixeiras; gente à espera de um qualquer apoio alimentar chegado do chamado “mundo ocidental”.

No mundo de Barroso tudo se resume a uma solução simples: quando a consciência pesa demais arranja um pacote de promessas e convence a União a passar um cheque! E vai para casa descansado, sem imagens que o atormentem.

Que raio de gente nos havia de calhar em sorte.

José Manuel Rosendo

Pinhal Novo, 10 de Outubro de 2013

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Abstenção mostra falta de credibilidade do sistema político

 
Não estamos no Afeganistão (na foto), mas o que dizer de umas eleições em que a abstenção nacional foi 47,4%, os votos brancos 3,87% e os votos nulos 2,95%? Por grosso, meio país demitiu-se, recusou, protestou, não quis saber, simplesmente não escolheu os autarcas que vão governar as câmaras e juntas de freguesia do país. Saber por que é que isto aconteceu terá sempre um resultado subjectivo. Mas reduzindo a questão à escala que melhor conheço, e que por si só não explica o todo do país, pode dar uma ajuda.
 
 
Na minha Freguesia (Pinhal Novo, concelho de Palmela) a abstenção atingiu o número assustador de 62,50% e a soma dos votos brancos e nulos é superior a 8%. Os que escolheram representantes, na minha Freguesia, são menos de um terço dos eleitores inscritos. Se eu fosse um dos eleitos sentiria a minha legitimidade ferida e sentiria que estava a fazer parte de um sistema que as pessoas não reconhecem.
 
Pode ser apontado um número quase ilimitado de motivos para este alheamento das pessoas na escolha dos representantes autárquicos. Desde logo o facto de o próprio poder não incentivar a cidadania; o afastamento generalizado da vida partidária; também a ausência de alternativas credíveis aos poderes instituídos; a teia de interesses que se estabelece na maioria dos municípios, e por aí fora.
Há outro aspecto que me parece interessante e que tem a ver com a escassez de informação. Vivemos na era das redes sociais mas isso apenas significa que há mais comunicação, não significa que exista mais e melhor informação. Por vezes há quem não entenda a diferença, mas ela é importante. Mais importante ainda quando rádios e jornais locais têm uma penetração limitadíssima.
 
Regressando à escala que conheço melhor – a minha Freguesia – devo dizer que nem um papelinho com a cara ou o programa de um candidato chegou à minha mão. Ao votar, sabia quem eram os candidatos e o que propunham porque, num misto de deformação profissional e simples necessidade de estar informado, tinha feito uma pesquisa para encontrar essa informação. Poderão dizer-me que qualquer cidadão devia fazer o mesmo, mas sabem que não é assim que funciona.
 
Também não deixa de ser curioso que Álvaro Amaro (CDU), o presidente agora eleito da Câmara (de Palmela – que inclui a minha Freguesia) tenha dito, numa entrevista em Maio de 2000, que “nunca serei candidato à presidência da Câmara de Palmela. Se alguma vez discutir com o meu partido a candidatura a uma Câmara Municipal será à de Pinhal Novo” (convém dizer que foi num momento em que se reivindicava a elevação de Pinhal Novo a concelho). Talvez isso explique que a CDU (que sempre governou Palmela) tinha 5 vereadores contra 2 da oposição – Palmela passou de 7 (em 2009) para 9 vereadores (em 2013) – tenha agora os mesmo 5 vereadores para 4 da oposição.
 
Sendo personalidades diferentes e não querendo fazer uma comparação abusiva, se juntarmos esta declaração de Álvaro Amaro (agora atirada às urtigas) à recente demissão do então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, que era irrevogável e deixou de ser, ou às manifestações populares de apoio a Isaltino Morais (preso na Carregueira), encontramos exemplos que levam as pessoas a não votar ou a encararem a política apenas como um jogo de interesses que nada tem a ver com o essencial do que devia ser a nobre arte da política. Portas terá razões para ter voltado atrás; Álvaro Amaro poderá ter razões para alterar a atitude em relação à candidatura à presidência da Câmara de Palmela; Isaltino pode reclamar inocência; mas o povo regista.
 
Outro aspecto que merece um sublinhado destas eleições foi o de ver Paulo Portas  a celebrar o que designou por “penta” (conquistou cinco câmaras municipais) do CDS ao mesmo tempo que um solitário Pedro Passos Coelho assumia a derrota do PSD. Dois parceiros de coligação de Governo – um faz a festa, o outro limpa as lágrimas. O sistema está podre, cheira mal, mas insiste em tapar o nariz com os dedos para não sentir o próprio cheiro.
 
A nível nacional a frieza dos números é reveladora: cerca de 340 mil pessoas foram às urnas escrever uma asneira no boletim de voto, simplesmente riscá-lo de alto a baixo ou então deixá-lo em branco; cerca de 4 milhões e 500 mil portugueses simplesmente não foram votar. A abstenção tem vindo a subir e ninguém arrepia caminho. Estes portugueses desiludidos (digo eu…) são terreno fértil para propostas populistas que podem ter um resultado perigoso e de que temos exemplos tenebrosos. Os que andam agora a fazer asneira que não venham depois carpir mágoas. Quem não está na política com ética e sentido de dever devia sentir vergonha porque está a hipotecar a Democracia e a Liberdade.
 

josé manuel rosendo

Pinhal Novo, 30 de Setembro de 2013