Foto (Dezembro de 2006/jmr): Rafah (Faixa de Gaza), o pano esconde a entrada de um túnel com saída do lado egípcio
Esqueçamos por momentos que há um conflito entre israelitas
e palestinianos.
Para aqueles que já atravessaram o Rio Tejo através da Ponte
Vasco da Gama, a extensão da Faixa Gaza ao longo da costa do Mediterrâneo é o
equivalente a uma viagem de ida e volta na Vasco da Gama: mais ou menos 36
quilómetros. Quanto à largura média do território são cerca de 10 quilómetros.
A Faixa de Gaza tem 360 quilómetros quadrados e é nesse espaço que vivem (os
números não são certos) entre 1 milhão e 800 mil a 2 milhões de pessoas. É o
espaço com maior densidade populacional do mundo. A maioria são jovens.
Agora retomemos o conflito.
Imaginemos um território assim do
qual nenhum habitante pode sair a não ser com uma autorização de Israel em
casos específicos (casos graves de saúde, por exemplo…) ou do Egipto (também em
casos de necessidade de assistência médica ou quando o palestiniano em causa
tem visto para um outro país); imaginemos um território assim em que todas as
mercadorias – dos bens de primeira necessidade ao material de construção civil e
aos combustíveis – apenas entram pelas fronteiras de Israel com a necessária
autorização e controlo do Estado israelita; imaginemos um território assim em
que os pescadores não podem afastar-se mais do que 5 ou 6 quilómetros da costa;
imaginemos um território assim, pequeno, que até 2005 esteve ocupado com
colonatos e ainda estava “partido” em três pedaços com barreiras que abriam e
fechavam quando calhava e quando os militares israelitas assim decidiam; imaginemos
um território assim em que, devido ao conflito e à ocupação, cerca de um milhão
de pessoas têm estatuto de refugiados e sobrevivem graças ao apoio da UNRWA
(Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos); imaginemos um
território assim em que os antigos (e ainda chamados) campos de refugiados são
na realidade zonas urbanas anárquicas e sem infraestruturas básicas; imaginemos
um território assim em que a população jovem não tem uma pontinha de esperança
de ter uma vida normal; imaginemos um território assim em que os pais não
conseguem, por muito que queiram e tentem, dar essa esperança aos filhos;
imaginemos um território assim e encontramos a terra fértil para o desespero,
para o ódio, para a guerra.
Os túneis da Faixa de Gaza são uma espécie de tubo usado por
mergulhadores como única forma de respirar. Não há outra possibilidade quando o
espaço aéreo está vedado, quando o Mar não é caminho e quando as fronteiras
terrestres têm um filtro por onde apenas os afortunados (paradoxalmente até a
doença pode ser fortuna para os palestinianos…) conseguem passar. Perante um
cenário destes que outra solução restava a não ser fazer um túnel, muitos
túneis…?
É certo que os túneis que servem para “respirar” permitindo
a entrada de bens, também servem para a entrada de armas e fazem igualmente
parte da estratégia militar para atacar aquele que é considerado o opressor e
ocupante. Isto pode ser considerado errado, mas antes do juízo de valor outras
perguntas se colocam: o que fariam aqueles que acabaram de ler este texto se
vivessem numa Faixa de Gaza que é um verdadeiro gueto, uma prisão ao ar livre?
Limitavam-se a viver com a desesperança sujeitando-se ao controlo de um outro
Estado ou tentavam furar o bloqueio e lutavam pela liberdade?
Este texto não é
uma tomada de posição em relação ao conflito, é apenas uma tentativa de escapar
à espuma dos dias, à guerra da desinformação, e abordar aquela que é a
verdadeira questão. O jornal Público de 28 de Julho de 2014, cita Martin
van Creveld, historiador militar israelita num comentário feito na Economist:
“Para neutralizar militarmente o Hamas, Israel teria de entrar em todas as
casas de Gaza, e debaixo delas (…) e, mesmo assim, não iria resultar”.
Não é
fácil para um europeu/ocidental interpretar o que está a acontecer na Faixa de
Gaza. Mais difícil ainda perante o caudal de desinformação e leituras
apressadas de comentadores engajados. Mas Martin van Creveld tem uma noção
muito concreta da realidade.
28 de Julho de 2014
josé manuel rosendo