segunda-feira, 28 de julho de 2014

Os Túneis da Faixa de Gaza…

Foto (Dezembro de 2006/jmr): Rafah (Faixa de Gaza), o pano esconde a entrada de um túnel com saída do lado egípcio

Esqueçamos por momentos que há um conflito entre israelitas e palestinianos.
Para aqueles que já atravessaram o Rio Tejo através da Ponte Vasco da Gama, a extensão da Faixa Gaza ao longo da costa do Mediterrâneo é o equivalente a uma viagem de ida e volta na Vasco da Gama: mais ou menos 36 quilómetros. Quanto à largura média do território são cerca de 10 quilómetros. A Faixa de Gaza tem 360 quilómetros quadrados e é nesse espaço que vivem (os números não são certos) entre 1 milhão e 800 mil a 2 milhões de pessoas. É o espaço com maior densidade populacional do mundo. A maioria são jovens.

Agora retomemos o conflito. 
Imaginemos um território assim do qual nenhum habitante pode sair a não ser com uma autorização de Israel em casos específicos (casos graves de saúde, por exemplo…) ou do Egipto (também em casos de necessidade de assistência médica ou quando o palestiniano em causa tem visto para um outro país); imaginemos um território assim em que todas as mercadorias – dos bens de primeira necessidade ao material de construção civil e aos combustíveis – apenas entram pelas fronteiras de Israel com a necessária autorização e controlo do Estado israelita; imaginemos um território assim em que os pescadores não podem afastar-se mais do que 5 ou 6 quilómetros da costa; imaginemos um território assim, pequeno, que até 2005 esteve ocupado com colonatos e ainda estava “partido” em três pedaços com barreiras que abriam e fechavam quando calhava e quando os militares israelitas assim decidiam; imaginemos um território assim em que, devido ao conflito e à ocupação, cerca de um milhão de pessoas têm estatuto de refugiados e sobrevivem graças ao apoio da UNRWA (Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos); imaginemos um território assim em que os antigos (e ainda chamados) campos de refugiados são na realidade zonas urbanas anárquicas e sem infraestruturas básicas; imaginemos um território assim em que a população jovem não tem uma pontinha de esperança de ter uma vida normal; imaginemos um território assim em que os pais não conseguem, por muito que queiram e tentem, dar essa esperança aos filhos; imaginemos um território assim e encontramos a terra fértil para o desespero, para o ódio, para a guerra.

Os túneis da Faixa de Gaza são uma espécie de tubo usado por mergulhadores como única forma de respirar. Não há outra possibilidade quando o espaço aéreo está vedado, quando o Mar não é caminho e quando as fronteiras terrestres têm um filtro por onde apenas os afortunados (paradoxalmente até a doença pode ser fortuna para os palestinianos…) conseguem passar. Perante um cenário destes que outra solução restava a não ser fazer um túnel, muitos túneis…?

É certo que os túneis que servem para “respirar” permitindo a entrada de bens, também servem para a entrada de armas e fazem igualmente parte da estratégia militar para atacar aquele que é considerado o opressor e ocupante. Isto pode ser considerado errado, mas antes do juízo de valor outras perguntas se colocam: o que fariam aqueles que acabaram de ler este texto se vivessem numa Faixa de Gaza que é um verdadeiro gueto, uma prisão ao ar livre? Limitavam-se a viver com a desesperança sujeitando-se ao controlo de um outro Estado ou tentavam furar o bloqueio e lutavam pela liberdade? 

Este texto não é uma tomada de posição em relação ao conflito, é apenas uma tentativa de escapar à espuma dos dias, à guerra da desinformação, e abordar aquela que é a verdadeira questão. O jornal Público de 28 de Julho de 2014, cita Martin van Creveld, historiador militar israelita num comentário feito na Economist: “Para neutralizar militarmente o Hamas, Israel teria de entrar em todas as casas de Gaza, e debaixo delas (…) e, mesmo assim, não iria resultar”. 

Não é fácil para um europeu/ocidental interpretar o que está a acontecer na Faixa de Gaza. Mais difícil ainda perante o caudal de desinformação e leituras apressadas de comentadores engajados. Mas Martin van Creveld tem uma noção muito concreta da realidade.

28 de Julho de 2014

josé manuel rosendo

terça-feira, 22 de julho de 2014

Gaza: vai haver um cheque para lavar a má consciência…



As fotos são da Faixa de Gaza em Janeiro de 2009.

Não sei quantos mortos e estropiados ainda faltam mas, mais tarde ou mais cedo, vai terminar o que está a acontecer – abstenho-me de adjectivar – na Faixa de Gaza. E vai terminar demasiado tarde. Mesmo assim, depois de terminar, tudo vai continuar na mesma.

A atitude politicamente correcta, que dá muitos likes nas redes sociais, é dizer que há maus e bons dos dois lados, que uma vida que se perde é sempre uma vida e nada há mais importante do que isso, que há culpados dos dois lados. Essa é uma atitude compreensível para quem é um pacifista genuíno e está disposto a morrer sem levantar um dedo se alguma vez na vida sofrer uma agressão violenta. Duvido que muitos dos que gostam de ser politicamente correctos tivessem essa atitude perante uma agressão. Essa é também a atitude que nos leva a enterrar a cabeça na areia para não enfrentarmos a realidade e para não fazermos sequer um esforço de modo a entender o conflito. Sublinho que escrevi ENTENDER, não escrevi tomar partido.

Para entender o conflito israelo-palestiniano é preciso entender a actual Ordem Internacional e a arquitectura de pilares em que ela assenta. O conflito israelo-palestiniano não vai terminar enquanto se mantiver esta Ordem Internacional e o actual Status Quo no relacionamento entre Estados. Existem os poderosos e … os outros. De entre os outros, os que têm um lugar na segunda fila e ainda os que tentam obter algumas das migalhas que vão caindo da grande mesa dos negócios. A alguns tudo é permitido e as retaliações não passam da retórica, ainda assim muito cuidadosa e sempre parcimoniosa; a outros nada é permitido e as sanções saltam da cartola à primeira “escorregadela”. Uns podem matar com recurso a altas tecnologias em que nem sujam as mãos; outros são apelidados de terroristas com toda a facilidade, só porque lutam por uma causa em que acreditam com meios rudimentares ou muito longe das altas tecnologias dos inimigos. É a realidade.

Quem, ainda, manda no Mundo, são os Estados Unidos da América. Depois, quem é seu aliado, beneficia da sua “protecção” embora também tenha que, por vezes, arcar com as consequências e, outras vezes, pagar tributo. Mas a Rússia espreita; a China também (e de que maneira…); a Índia promete e… a União Europeia não existe. Já agora: cabe na cabeça de alguém que defenda uma Europa unida entregar a pasta da representação externa a uma britânica (Catherine Ashton)? É que o Reino Unido nem sequer está com os dois pés na União Europeia…! Qual é a política externa que a senhora Ashton verdadeiramente serve? A da União Europeia ou a do Reino Unido? Já repararam como David Cameron se empertigou a pedir sanções contra a Rússia por causa do  caso do avião da Malásia Airlines? Era bom não era Senhor Cameron deixar a Alemanha à rasca (por causa do gás russo) com muitas e fortes sanções da União Europeia contra a Rússia?

Podemos também referir o Iraque como exemplo acabado de mais um parto manhoso da actual Ordem Internacional. Este seria o momento para que George W. Bush, José Maria Aznar, Tony Blair e Durão Barroso, e já agora Paul Bremer, fossem chamados para dizerem como se resolve o imbróglio
É assim que estamos. É esta a actual Ordem Internacional. E é por isso que a expressão “comunidade internacional” devia ser banida, se não do discurso político pelo menos da narrativa jornalística uma vez que de objectivo comuns este mundo não tem nada. E se não há objectivos comuns não é legítimo falar de comunidade.

Esta parte do mundo em que vivemos ameaçava algum progresso e evolução até ao dia em que a dupla Teatcher/Reagan tomaram chá e trocaram olhares. É essa a origem do mal dos nossos tempos, nesta nossa parte do mundo, sendo certo que outro mal existiria se alguém tivesse envenenado o chá destes dois.

O que está a acontecer na Faixa de Gaza não devia poder acontecer se existisse, de facto, uma comunidade internacional. Tudo vai terminar com apoios e cheques aos mais atingidos. Cheques que tentam lavar a má consciência.

josé manuel rosendo

22 de Julho de 2014

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Sim, Camaradas, tenho que vos dizer isto

Não sou daqueles que não leva desaforo para casa. Às vezes levo. Mas sei que, mastigado o assunto, a ele terei de voltar. Acabei de assinar a petição pública “Pela liberdade e pela democracia” por causa dos despedimentos na Controlinveste. Assinei porque concordo com o que lá está escrito, porque sei que o jornalismo, a liberdade e a democracia, ficam mais fracos com o emagrecimento das redacções. Todas as redacções. Assinei por solidariedade. Mas sendo eu um jornalista do chamado “Serviço Público”, achei por bem dizer-vos isto.

A coberto da defesa da liberdade de imprensa e de informação, em defesa da iniciativa privada, estigmatizou-se o serviço público. Feito o caminho, chegamos ao momento em que essa tese pariu uma “liberdade de imprensa” refém dos grupos económicos proprietários das empresas jornalísticas (ou de comunicação social – convinha por vezes definir fronteiras) com interesses tantas vezes opostos à Liberdade, à Informação e ao Serviço Público (porque todo o jornalismo íntegro é serviço público).

Aqueles que diziam que o serviço público era o serviço oficial dos governo, acrescentando que o jornalismo não era isso, esquecem-se hoje de olhar para dentro, para alguns espaços de antena (peças/reportagens/…) e páginas de jornais que mais parecem novelas ou promoções de supermercado. Não conseguem olhar para dentro e dizer: isto não é jornalismo. Ou se e quando olham, lá esgrimem aquele argumento, muito a custo mas ainda assim tão demagógico do “ou é assim e temos audiências (publicidade/dinheiro) ou perdes o emprego. O que é que preferes?”.

As redacções do Serviço Público têm vindo a “emagrecer”. Gostava de ver esta questão abordada com outra frequência na chamada comunicação social livre. Gostava que fosse possível aos leitores/ouvintes/telespectadores da chamada comunicação social livre terem a noção da importância do problema de um Serviço Público enfraquecido. Mas não vejo.

Conheço jornalistas que chegaram a pedir-me o telefone (do serviço público...) dizendo que o telefone “é nosso… não é o Estado que paga?”. Assim mesmo. Eu sei que os jornalistas, entre eles, muitas vezes, resolvem os problemas e esquecem as rivalidades das empresas – e os patrões não precisam de saber e em muitos casos nem sonham. Emprestei sempre o telefone, até o particular, porque é assim que deve ser. Tal como hoje assino esta petição. Porque é assim que deve ser.

Conheço jornalistas que “ganhavam vida” a cada pedaço de serviço público que era destruído, pensando que era mais um pedaço que lhes podia ser útil (fosse audiências, fosse fatia de publicidade).

Conheço jornalistas que disseram cobras e lagartos do serviço público, mas só até ao momento em que nele foram acolhidos para trabalhar…

Não me peçam nomes. Recorram à memória e provavelmente encontrarão alguns.

Eu sei que esta carapuça não entra na cabeça de toda a gente e sei que alguns, muitos, não vão sentir-se minimamente atingidos, e ainda bem, mas se não vos dissesse isto não havia rennie que me valesse.


josé manuel rosendo