O que é que a Síria tem a ver com a Líbia? Sim, são realidades
diferentes, mas têm um ponto em comum: um ditador que não consegue perceber que
o país não lhe pertence e que tudo faz/fez para manter o poder. E como um
ditador nunca sobrevive isolado, (Kadhafi na Líbia e agora) Assad na Síria, tem
a sua corte, alarmada com a prevísivel perda de regalias e disposta a tudo para
manter o status quo.
Recordo-me de ter entrado na Líbia, pela fronteira de Al Salloum
e encontrar os postos militares abandonados. Rebeldes controlavam quem entrava
no país. Umas centenas de quilómetros para o interior e percebi o que estava a
acontecer na Líbia: em Tobruk, o quartel estava vazio, os militares tinham
fugido ou passado para o lado rebelde e os tanques de guerra estavam todos na
rua. Havia munições para todos os gostos. Chegado a Benghazi, a leitura dos
acontecimentos tornava-se mais fácil: o povo só queria ver Kadhafi desaparecer.
Percorrendo mais umas centenas de quilómetros até Ajdabyia ou Brega, passando
por carrinhas com armas montadas na caixa de carga e percebendo os milhares de
sírios mal armados e desorganizados, percebi que Kadhafi não tinha saída. Uns dias
depois, as brigadas de Kadhafi recuperaram terreno e estiveram às portas de
Benghazi. Tinham maior poder de fogo, aartilharia pesada. Foi nesse momento que
os países da NATO entraram no conflito. Conhecemos as opiniões contra e a favor
desta intervenção. Tenho a forte convicção que se tal não tivesse acontecido
teria havido um banho de sangue em Benghazi. Kadhafi tinha prometido uma
perseguição “zenga-zenga” (casa-a-casa). Se não tivesse havido a intervenção
externa Kadhafi poderia ter ganho aquela guerra, naquele momento, mas já tinha
perdido o povo.
Na Síria, sem intervenção directa de outros países, a lista
de mortos todos os dias aumenta muitas dezenas. As imagens que chegam de há
muito que são de uma guerra civil sangrenta. Os massacres, apesar da troca de
acusações, são evidentes. Não estando no terreno a avaliação mais rigorosa é
dificil, mas Bashar al-Assad, que até pode vencer esta batalha, vai claramente
perder o povo, porque não há povo que tenha memória e ao mesmo tempo possa perdoar
um presidente que não hesita em matar o seu próprio povo.
O massacre de Tremseh, sexta-feira 13 de Julho, é apenas um
sinal inequívoco daquilo que o regime está disposto a fazer para não ser
afastado.
No campo diplomático, Kofi Annan tenta soluções que só
provam a incapacidade da ONU neste conflito. A Rússia e o Irão muito
dificilmente deixarão cair o regime sírio; os países ocidentais apoiam a oposição,
mas até agora não falaram em fornecer armamento. Uma situação típica da guerra
fria com as grandes potências a fazerem a guerra por procuração. E como se não
fosse suficiente, basta pensar o que será uma Síria em guerra total, envolvendo
os interesses estrangeiros e as divisões religiosas e étnicas. Quanto à oposição
síria ainda não deu um sinal claro de unidade, muito menos de ter preparada uma
solução de governo perante uma eventual queda do actual regime. Mas há uma
coisa que é certa: o poder de Bashar al-Assad é uma questão de tempo. E de
mortos…
José Manuel Rosendo
16 de Julho de 2012