A maior fonte de receita do “Estado Islâmico” (EI) é o petróleo
dos poços situados na zona do proclamado Califado. Depois de acabar o dinheiro que
estava nos cofres dos bancos e governos regionais, o Estado Islâmico vende petróleo.
E se o EI vende, alguém compra e para ser vendido tem que chegar/passar por outros
países. Mas já lá vamos.
Para já um aspecto que está a ser ignorado em debates feitos
à pressa e perguntas/questões “coladas com cuspo”. Aspecto essencial da força do
EI e do avanço fulgurante que, em Junho, surpreendeu quase toda a gente: o EI conta
nas suas fileiras com um grande número de antigos militares de Saddam Husseín –
sunitas – e é isso que lhe dá a capacidade militar estratégica para fazer o que
fez. Isto acontece porque os sunitas foram excluídos do processo político pós-guerra
(ou pelo menos dos benefícios que o poder proporciona…). Depois, razão
maior, caminhando o Iraque para uma federação ou, quiçá, separação em
estado independentes, as áreas sunitas são as únicas que não têm petróleo ou
onde existe em pouca quantidade. E é precisamente por isso que algumas tribos
sunitas apoiam o EI ou pelo menos não se opõem. Depois, então sim, entrará a
questão de carácter religioso, que perderá força logo que os objectivos dos
sunitas iraquianos sejam atingidos. E mesmo que não perca, mesmo que o Califado
resista, é o poder dos sunitas que será determinante.
Quanto ao petróleo que está a alimentar o EI levanta muitas
questões. Está a ser vendido a preços que variam entre 30/40 e 60 dólares o
barril. No mercado oficial ronda os 100 dólares o barril. Os intermediários estão
a ganhar muito dinheiro e os compradores também. E não é difícil adivinhar os
percursos: só pode sair pela Síria, Jordânia ou Curdistão directamente para a
Turquia. Dificilmente sairá pela Arábia Saudita ou pelo Irão. Esta sexta-feira à
noite na RTP Informação, Michael Gulbenkian, apresentado como consultor em energia – e que surgiu numa reportagem da RTP no Iraque, por estes dias –
disse que alguns países europeus e até Israel compraram petróleo do EI. Não sei
se é mesmo assim, mas foi dito por alguém que está por dentro do negócio.
Também
foi dito no mesmo debate, por outro protagonista, que as fronteiras naquela
zona do mundo são muito porosas, dando a entender que é difícil exercer controlo
sobre esse tráfico. Discordo, sobretudo em relação à Turquia. Aliás, é das
fronteiras mais controladas devido à questão curda. Do que me recordo bem é
dessa mesma região de fronteira, do lado turco, que mais parecia um gigante
cemitério de camiões cisterna aquando da invasão do Iraque em 2003. Eram camiões
que faziam precisamente, já nessa altura, contrabando de petróleo, contornando
assim as sanções internacionais que pouco mais permitiam ao Iraque do que a
troca de “petróleo por alimentos”. E o governo turco sabia, ai não que não
sabia. Tal como sabe agora, se é que o petróleo do EI passa por lá, e tal como
sabem os governos dos países por onde passa esse petróleo porque tem que passar por algum
lado.
Portanto, tenho para mim que para resolver o problema que o
EI representa, é preciso – urgente – começar por resolver o problema dos
sunitas no Iraque. Foi assim em 2006/2007 para estancar a guerra civil e é de
novo a “chave” sunita que pode abrir a porta do sossego. Duvido que os
bombardeamentos ao EI resolvam a situação. Se os habituais “danos colaterais”
começarem a surgir, então ainda pior, será mais um elemento a favor do EI. Não adianta o “ocidente”
ter razão ao qualificar os actos do EI como gestos de tempos medievais. Mais ataques
“ocidentais” apenas poderão contribuir para aumentar a lista de acontecimentos
de que os muçulmanos, e em particular os árabes, se consideram vítimas nas décadas mais recentes.
josé manuel rosendo
6 de Setembro de 2014