sábado, 29 de dezembro de 2012

Cigarrinhos de enrolar e gestores que ganham mais de um milhão de €uros por ano.

Podia começar por dizer que a tocar o final de 2012 decidi fazer as contas do ano. Não é verdade. Confesso que já não faço contas. Simplesmente não gasto. Isto é, tenho que comer, mais algumas coisas básicas, pagar água, renda de casa, luz e electricidade, e faço uns cigarrinhos de enrolar. Ponto final.
 
Mas, chegado a casa, li nos jornais o que não tive tempo de ler durante o dia. A manchete do DN tinha ficado à espera: “30 gestores tiveram ganhos anuais acima de um milhão em 2011”. O DN acrescenta, não dizendo quem é, que um desses 30 gestores recebeu 2,7 milhões de Euros em 2011. Os números parecem insuspeitos porque fazem parte de um relatório anual produzido pela CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários). No caso são gestores executivos de empresas cotadas.
 
Leio o artigo enquanto vejo num canal de notícias os aumentos de preços agendados para entrar em vigor a partir de 1 de Janeiro. Preços de serviços prestados por empresas, algumas delas que já foram do Estado – nossas – e pergunto-me, porque o DN não diz, se alguns destes gestores não serão destas empresas que agora vão aumentar os preços; e pergunto-me ainda qual a percentagem destes aumentos – que nós vamos pagar – que vai engordar estas e outras suculentas remunerações dos ditos gestores.
 
Com estas perguntas para as quais certamente conhecerão a resposta, dou comigo a pensar naqueles doutos economistas e políticos que, sempre que falam das empresas que são do Estado quando estas apresentam contas deficitárias – em regra os mesmos tendem a ignorar os benefícios sociais que esse défice significa – fazem logo a seguir a pergunta que o povo gosta de ouvir: quem é que paga isto? “Quem é que paga isto?”, é a frase a que aqueles que estão a receber a mensagem (provavelmente desempregados, reformados, trabalhadores a salário mínimo ou nem isso…) respondem de forma automática: somos nós! Muito provavelmente acrescentarão, dirigindo-se aos que trabalham nessas empresas públicas, uns quantos palavrões cuja intensidade dependerá de quem mais tiverem ao seu redor.
 
Esta demagogia de perguntar “quem paga?” quando se fala de empresas públicas é feita com a sugestão implícita de que nas empresas privadas não são os mesmos a pagar. Pura mentira. Quem paga os lucros dos bancos? Quem paga os lucros das seguradoras, das empresas que gerem as Auto-estradas, dos hospitais e das escolas privadas? Quem paga o gás, a electricidade, a água, os cigarros? Quem paga tudo ao fim e ao cabo? Somos nós, sempre nós. Isto é, somos nós que pagámos o tal milhão de Euros que cada um daqueles 30 gestores da manchete do DN levou para casa em 2011.
 
É um bocadinho como a história de saber quem paga a televisão e rádio públicas e as televisões e as rádios privadas. Somos sempre nós, pois quem havia de ser? Mas uma coisa é pagarmos algo que é nosso – do Estado, e assim sendo temos uma palavra a dizer – outra bem diferente é pagarmos aquilo que não é nosso e em relação ao qual não temos qualquer tipo poder.
 
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 28 de Dezembro de 2012

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

“Tony Blair não conseguiu nada”


O Presidente da Autoridade Palestiniana não disse uma palavra em público nos dois primeiros dias que esteve em Portugal. A tarefa ficou a cargo de Riyad al-Malki, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Autoridade Palestiniana. Na entrevista que deu a três órgãos de informação nacionais, o governante palestiniano mostrou clara insatisfação relativamente ao desempenho de Tony Blair nos cinco anos em que foi o enviado especial do Quarteto (ONU, UE, EUA e Rússia) e por isso pretende reformular o Quarteto. Espera também uma União Europeia mais interventiva que lidere a apresentação de sanções contra a política de Israel de expandir colonatos. Por fim, a reconciliação entre Hamas e Fatah, apesar do acordo do Cairo, parece algo distante. O Ministro palestiniano espera que o líder político do Hamas clarifique opções e diga se ainda subscreve os pontos do acordo que assinou na capital egípcia. Ficam muitas dúvidas quanto à possibilidade de haver eleições nos territórios palestinianos já em 2013.

 

Que importância teve o voto português na Assembleia Geral das Nações Unidas (em que a Palestina passou de Entidade a Estado Observador) sendo que não precisava desse voto porque já tinha a maioria dos votos?

Há muito tempo que temos um apoio clássico e tradicional na Assembleia Geral. Nunca tivemos a necessidade de esperar que a União Europeia estivesse connosco. Mas agora há diferenças qualitativas. A União Europeia está connosco e isso é extremamente importante. Israel tem tentado insinuar, de várias maneiras, que é habitual os palestinianos dependerem do movimento dos não-alinhados, dos países africanos, países árabes, da América do Sul, mas não dos europeus. Chamam-lhe uma minoria moral. Provámos que essa minoria moral também está connosco. Estes países, como Portugal, entre outros, são países que querem ser parte desta maioria moral. Não uma minoria, mas uma maioria moral. Foi por isso que decidiram votar a favor da Palestina. Dizer que 138 países votaram a nosso favor é mais importante do que se fossem 137 e gostaríamos muito de ir além dos 140. É evidente que a pressão colocada sobre alguns países levou-os a absterem-se e é uma ironia que alguns dos que se abstiveram reconheçam o Estado da Palestina mas também reflecte que a pressão foi extremamente grande e muitos países preferiram abster-se em vez de se confrontarem com sanções vindas dos poderes maiores.

O jornal israelita Haaretz disse que em Israel há quem pense que Israel perdeu a Europa. Os palestinianos ganharam a Europa?

Penso que ganhámos a Europa há muito tempo e a cada dia que passa a Europa mostra não apenas maturidade mas também compromisso e liderança. Havia uma lacuna entre os povos e as lideranças europeias, mas agora estão ambos na mesma linha de apoio à Palestina e isso é extremamente importante. Penso que o tempo que investimos, a liderança que mostrámos, a maturidade de que demos prova e o nosso compromisso com a paz, a nossa sinceridade e a nossa aproximação transparente, são bem entendidos nos países europeus e fizeram perceber que vale a pena apoiar os palestinianos.

E sobre as negociações (com Israel) …?

Esperemos que Israel mostre prontidão a sentar-se e a negociar connosco. O Presidente (Mahmmod Abbas) disse na Assembleia Geral das Nações Unidas que estamos prontos, imediatamente, para negociar com Israel quando os israelitas estiverem prontos. Mas agora temos dois problemas: temos de esperar até os Estados Unidos terem um novo governo para poderem liderar negociações e também temos de esperar pelas eleições em Israel (a 22 de Janeiro de 2013) para saber quem é o novo governo. Infelizmente vamos ter dois meses perdidos porque israelitas e norte-americanos não estão prontos. Nós estamos e ficamos à espera até termos sinais correctos de Washington e Telavive.

Espera-se que Netanyahu (Likud) vença as eleições. O modelo de negociações que a Palestina apresentou é visto por Israel como tendo mais pré-condições…

Israel pode chamar outra coisa qualquer ao Sol, não faz diferença nenhuma. O Sol continuará a ser o Sol, a Lua continuará a ser a Lua e a Terra continuará a ser a Terra, mesmo que os israelitas lhes mudem o nome. Se Israel diz que estamos a pôr pré-condições, é muito claro para a comunidade internacional que não o estamos a fazer. Israel ter que congelar colonatos não é uma pré-condição mas sim uma obrigação de Israel referida no Road Map e nas resoluções do Conselho de Segurança da ONU. A libertação de prisioneiros políticos palestinianos anteriores aos Acordos de Oslo é um acordo assinado em 1995. Desde então até agora Israel recusou libertar estes prisioneiros. Por isso não são pré-condições, são de facto obrigações de Israel. Se reparar são apenas obrigações de Israel das quais vai fugindo. Se Israel quer mostrar que está pronto e que se quer comprometer seriamente tem que cumprir todas as suas obrigações. Isto é muito importante. De outra maneira, porquê acreditar neles? Porquê acreditar neles após 20 anos de negociações em que Israel não mudou? Como poderemos acreditar que vão cumprir os acordos que venhamos a assinar no futuro?
Têm que mostrar que são sérios, comprometidos por inteiro com os acordos assinados há 20 anos. É realmente isto que temos vindo a dizer. Não estamos a pôr pré-condições. Quem somos nós para pretender qualquer tipo de pré-condições para negociar?

Como é que a Autoridade Palestiniana vai responder à decisão de Israel expandir os colonatos em Jerusalém Oriental? O Presidente Abbas disse na Turquia que o recurso ao tribunal penal Internacional pode ser uma opção…

Sim. Durante muito tempo estivemos sozinhos a enfrentar a política israelita dos colonatos e as acções dos colonos. O discurso da Comunidade Internacional era o de condenar essa política nos territórios palestinianos, mas apenas isso. Sentimos que estávamos sozinhos. Agora, pela primeira vez, quando Israel anunciou que vai expandir colonatos na área E1 (designação de uma área em Jerusalém Oriental) a União Europeia teve uma reacção diferente e forte, chamando os embaixadores israelitas. É um novo desenvolvimento, que saudamos. Mas dizemos que não é suficiente. A Chanceler Ângela Merkel disse, na conferência de imprensa com Netanyahu, que havia diferenças entre eles no que diz respeito aos colonatos. Foi muito claro. Quando muitos governos europeus chamam os embaixadores de Israel também fica muito claro. Estamos encorajados com isso mas queremos ver mais. Queremos ver a União Europeia decidir acções tendo em vista os produtos feitos nos colonatos. Queremos ver mais acção em relação aos colonos que exercem violência contra os palestinianos e que devem ser proibidos de entrar no Espaço Schengen. Isto é muito importante. Por que não sanções contra Israel se persistir nesta política de colonatos? Nesse aspecto a União Europeia não está a liderar o mundo tendo em vista esta política de colonatos de Israel. O que dizemos é que se Israel congelar esta política nada disto será necessário. Mas se Israel decidir continuar a construir colonatos, inviabilizando a criação de um Estado palestiniano com continuidade territorial, temos que defender os nossos direitos para termos um Estado independente. Se Israel decidir construir na área E1, toda a gente sabe, incluindo a União Europeia, que isso destruirá a Solução dois Estados. Que tipo de reacção esperam que tenhamos? Se Israel ultrapassar esta linha vermelha temos que ter uma reacção forte e o que é que temos nas nossas mãos? Temos o Tribunal Penal Internacional. Nós ponderamos essa possibilidade mas vamos pensar nisso sem precipitações, vamos consultar os nossos amigos e apenas tomaremos essa opção se for essa a última solução. Não iremos recorrer ao TPI hoje ou amanhã. Vamos esperar e ver se os Estados Unidos e a União Europeia convencem Israel a recuar nessas construções em E1.

O Líder da Liga Árabe disse recentemente que o tempo do Quarteto (ONU, EU, EUA e Rússia) terminou, que é tempo de virar a página e seguir em frente. O que pensa em relação a isto?

É verdade. O Primeiro-Ministro do Qatar disse que talvez o tempo do Quarteto tenha terminado mas devia também perguntar em relação a outro aspecto porque o meu presidente também disse no Qatar que não é assim. Temos que tentar negociar e o Quarteto é uma oportunidade para continuar tal como a Iniciativa da Liga Árabe pode ser uma oportunidade. O meu Presidente pretende manter todas as portas abertas. Depois do que conseguimos na Assembleia Geral das Nações Unidas não podemos fechar portas nem enviar mensagens erradas. Queremos transmitir mensagens positivas dizendo, sim, não podemos manter a Iniciativa da Liga Árabe por muito tempo em cima da mesa, 10 anos é mais do que suficiente, Israel, por favor, deve contemplar esta possibilidade e analisá-la em profundidade. Também em relação ao Quarteto dizemos que não estamos felizes com o seu trabalho, porque não conseguiu nada. O Quarteto é importante porque se perdemos o Quarteto não temos alternativa, mas o Quarteto deve ser reformulado. Por que não injectar sangue novo com a entrada de outros países? O Quarteto tem actualmente dois prémios Nobel (Barack Obama e União Europeia), esperemos pelo menos que mostrem a sua disponibilidade para fazerem um caminho para a paz entre israelitas e palestinianos e que nos mostrem que o Prémio Nobel valeu a pena. As pessoas perguntarão por que razão receberam o Prémio Nobel se não fazem esse caminho que desenvolva a paz entre israelitas e palestinianos.

Há países como o Brasil, África do Sul, Índia que questionam por que razão o Quarteto há-de ser um monopólio dos actuais quatro membros. Por que não abrir a porta e injectar ideias novas e sangue novo. Por nós não há problema.

Mas há também outro aspecto muito importante em relação ao Quarteto: até agora o Quarteto não tem que prestar contas a ninguém. Ninguém pergunta nada ao Quarteto. É um problema porque o Quarteto tem que responder a alguém. Pode ser ao Conselho de Segurança ou à Assembleia Geral das Nações Unidas, tem que reportar a alguém porque senão não tem pressão e não sente obrigação de fazer progressos.

Com ou sem Tony Blair?

Com todo o respeito, mas se quisermos rever o trabalho do Quarteto temos também que rever os progressos feitos por Tony Blair e infelizmente não podemos falar de um único progresso que Tony Blair tenha conseguido desde que foi nomeado enviado especial do Quarteto.

Como será possível realizar eleições na Palestina durante o próximo ano sem haver reconciliação com o Hamas e depois das declarações de Khaled Meshaal que disse querer uma Palestina do Jordão ao Mediterrâneo?

Temos que entender a lógica e as condições em que Khaled Meshaal fez esse discurso. Foi a sua primeira visita a Gaza em 40 anos e foi durante a celebração do 25º aniversário do Hamas. Por outro lado ele também está em competição com os líderes do Hamas em Gaza. Teve que ser mais radical em relação aos líderes locais para poder ter o apoio popular. Mas isto não serve de explicação. Ele tem um acordo com o Presidente Abbas, assinado no Cairo, e depois fez fortes declarações à imprensa dizendo que o Hamas acredita na Solução dois Estados, que esta solução deve resultar de negociações directas (israelitas/palestinianos), que enquanto houver negociações o povo palestiniano tem o direito a uma resistência pacífica e que deverá haver eleições. São as quatro questões que ficaram acordadas entre todas as facções presentes no Cairo na presença do Presidente Mahmmod Abbas e depois Khaled Meshaal dirigiu-se aos jornalistas reiterando estes quatro pontos. Na nossa perspectiva negociámos com um Khaled Meshaal que concordou com estes quatro pontos, não com o Khaled Meshaal que falou há alguns dias em Gaza para a sua própria audiência. Isto é realmente muito importante e se Khaled Meshaal quer recuar nas suas próprias decisões não nos será possível comprometermo-nos com ele para qualquer tipo de reconciliação. Reconciliação entre o Hamas e a Fatah deve basear-se nas quatro questões que referi. Se não for assim não teremos um terreno comum nem forma de continuar o processo de reconciliação. Espero que este processo termine com a possibilidade de fazermos eleições legislativas e presidenciais e seja quem for o vencedor terá o direito de representar o povo palestiniano. Mas que fique muito claro que não nos comprometemos com o Hamas enquanto o Hamas não aderir aos quatro pontos que ficaram no acordo que fizemos no Cairo.

Mas reconhece que o Hamas está agora mais forte?

Pode estar, mas nós também estamos mais fortes depois de conseguirmos o estatuto de Estado Observador nas Nações Unidas. Se o Hamas se sente forte porque é que receia as eleições? Se se sente forte depois do que aconteceu em Gaza, vamos para eleições e se o povo em Gaza e na Cisjordânia optar por votar no Hamas o Hamas será eleito para representar o povo palestiniano. Nós não temos receio de eleições.

No próximo ano?

Espero que sim. Se o Hamas concordar com os quatro pontos que referi e se o Hamas permitir que a Comissão Eleitoral Independente trabalhe em Gaza para fazer o registo dos eleitores, então o presidente emitirá o decreto presidencial para a realização das eleições nos territórios palestinianos.

Ainda não é o momento certo para o presidente Abbas ir a Gaza?

Se o Hamas permitir que a Comissão Eleitoral Independente trabalhe em Gaza e complete o seu trabalho e depois das eleições serem convocadas por decreto presidencial, então não haverá razão para o Presidente não ir a Gaza. Mas não antes disso.
José Manuel Rosendo

Entrevista colectiva concedida por Riyad al-Malki, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Autoridade Palestiniana à Antena 1, Agência Lusa e Expresso.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Faixa de Gaza: mil argumentos para um conflito eterno

O conflito israelo-palestiniano foge, por vezes, muitas vezes, a uma lógica racional. A forma apaixonada como muitos intervenientes encaram o conflito conduzem habitualmente a uma contra-argumentação que visa a descredibilização do opositor através de acusações de ligação ou simpatia por uma das partes do conflito. Ou seja, quem tenta ser equidistante e faz um esforço de distanciamento, dificilmente consegue deixar de ouvir argumentos que visam a sua descredibilização. E assim se colocam “todos no mesmo saco”, fazendo com que argumentos e análises sérias sejam vistos como retórica de propaganda das partes em conflito. É errado, mas é o que acontece.

Para além da questão do território, esta é uma questão atravessada pela religião. Sem dúvida que a política se aproveita do factor religioso, mas colocada a questão no plano religioso a racionalidade fica ainda mais afastada.

Durante décadas têm sido esgrimidos argumentos que mais não permitiram do que criar uma situação insustentável no terreno. Não há paz que resista ao actual status quo. Invariavelmente, um lado acusa o outro. Isto não significa que tenham os dois a mesma responsabilidade. Quem observa este conflito pode formar uma opinião tanto mais consistente se não se deixar aprisionar por preconceitos ou clichés muitas vezes completamente desfasados da realidade.

Para ler a actual situação entre Israel e a Faixa de Gaza há uma enorme lista de factores a ter em conta:

Israel vai ter eleições legislativas em Janeiro de 2002 e não é certo que o Likud (de Benjamin Netanhyau) consiga ser o partido mais votado;
na terça-feira anterior a Israel ter morto Ahmed Al-Jabari (comandante militar do Hamas) as agências de notícias internacionais deram conta da intenção de Israel retomar a política de “assassínios selectivos”;
o Egipto deixou de ser uma ditadura e tem um presidente oriundo da Irmandade Muçulmana;
a Síria está numa situação indefinida mas Bashar Al Assad só por milagre continuará presidente;
na Jordânia – com o argumento do aumento do custo de vida e redução de apoios sociais – há agitação nas ruas;
o Irão não inverte a política de energia (e armas?) nuclear;
os palestinianos continuam divididos entre Hamas e Fatah;
a Autoridade Palestiniana pretende alterar estatuto nas Nações Unidas para Estado observador;
Barack Obama ainda não tomou posse para o segundo mandato;
em 2012, até 17 de Novembro, de acordo com a OLP, morreram 124 palestinianos na Faixa de Gaza, vítimas de 1582 ataques e 103 raids;
em 2012, morreram 3 israelitas (depois do início da actual escalada de violência);
desde 2001 a agência Reuters diz que morreram 30 israelitas; o blog das IDF (Força de Defesa Israelitas) refere 44 mortos em Israel, vítimas dos vários tipos de mísseis lançados a partir de Gaza entre 2006 e 2011;
o actual conflito mostra que em Gaza há maior capacidade militar – mísseis com maior alcance – que já atingiram os arredores de Telavive e Jerusalém;
o Hamas assume que tem mísseis FAJR 5 (iranianos) com alcance de 75km a juntar aos Grad Rocket que podem chegar aos 48km;
a Cisjordânia continua ocupada por colonatos; os palestinianos continuam sem ter um Estado;
as negociações estão paradas e mesmo quando fazem que estão a andar nunca se traduzem em nada de significativo;
Israel sabe que depois da ofensiva de final de 2008 e início de 2009 não conseguiu evitar que o Hamas aumentasse o seu poder militar;
Uma sondagem publicada no Haaretz dá conta de que 84% dos israelitas apoiam a operação em curso mas apenas 30% aprovam uma ofensiva terrestre;

A lista poderia continuar, mas avaliar todos estes dados já é tarefa suficientemente complexa. A operação Pilar de Defesa vai no sexto dia consecutivo…

Lisboa, 19 de Novembro de 2012
josé manuel rosendo

sábado, 10 de novembro de 2012

O que vem Angela Merkel fazer a Portugal e o que pretende a Alemanha?

A Alemanha é, por definição, uma potência continental. Isto significa que o seu espaço natural de expansão é a Europa. As duas guerras mundiais do século passado não aconteceram por acaso. Mas do final da primeira para o final da segunda, houve uma mudança de atitude dos vencedores face à derrotada Alemanha. Se no final da I Guerra a Alemanha foi humilhada e submetida a medidas e pagamentos que a deixavam de rastos, no final da II Guerra beneficiou de um Plano Marshall e apesar de responsabilizada com o pagamento de indemnizações de guerra deixou muitas por pagar – a Grécia que o diga. Aliás, após a I Guerra, uma das razões apontadas para a ascensão de Hitler ao poder foi precisamente ter sido ele que prometeu ao povo alemão que a Alemanha não podia continuar a pagar a dívida sob pena de não sair da miséria. E deixou de pagar, investindo numa máquina de guerra. Isto é: indiferente à atitude daqueles que a tinham vencido no campo de batalha, humilhada após a I Guerra e ajudada após a II Guerra, a Alemanha retomou sempre a sua estratégia e ambição mais profundas: ser a grande potência Europeia.


Não estarei muito enganado se disser que, desde a primeira hora a seguir à morte (?) de Hitler – e sem falar em operações Odisseia – a Alemanha, outros alemães, começaram a pensar no percurso a fazer para devolver ao país o lugar de locomotiva da Europa.
 
Perante uma URSS que ameaçava a Europa Ocidental e uns Estados Unidos que queriram travar qualquer avanço a partir de Leste, a Alemanha do pós II Guerra apresentou-se como elemento fulcral e beneficiou disso. Durante a Guerra Fria o microcosmos das duas Alemanhas foi palco priveligiado. Staline opunha-se à unificação da Alemanha tendo deixado escrito nas suas notas pessoais que só aceitaria essa unificação se a Alemanha fosse neutral. Os Estados Unidos queriam a Alemanha Ocidental integrada nas insituições ocidentais. Uma delas era a NATO à qual a Alemanha aderiu a 6 de Maio de 1955, logo após o fim do regime de ocupação a que ficou submetida após a II Guerra Mundial. Também a 14 de Maio de 1955 era criado o Pacto de Varsóvia. Muitos historiadores defendem que o Pacto de Varsóvia foi criado quando a URSS percebeu que não ia conseguir a neutralidade alemã e não para responder à criação da NATO. É uma primeira prova da importância da Alemanha.
 
Não vem ao caso traçar toda a evolução da história da Alemanha, mas a queda do Muro de Berlim e o desmembramento da URSS foi uma alteração estrutural que acabou com a bipolaridade e afastou o receio que os Estados Unidos sentiam quanto à possibilidade da Europa ser invadida a partir de Leste e transformou a Alemanha numa potência fundamental. Por isso os Estados Unidos começaram a pensar no seu retraímento e na necessidade de deixar a defesa da Europa aos europeus.
 
Em 2003, a Alemanha dá o primeiro “grande murro” na mesa. Sentia-se livre para enfrentar os Estados Unidos: contesta abertamente a invasão do Iraque. É o primeiro acto de emancipação política proporcionada pela pujança económica (que beneficiou dos importantes apoios do pós-guerra e do perdão ou esquecimento de muitas dívidas) e pela centralidade no espaço europeu.
 
O caminho começara a ser traçado com o Chanceler Konrad Adenauer, depois com Willy Brant e Helmut Kohl. Foi Gerard Schroeder quem deu o “murro na mesa”. Agora com Angela Merkel é a expansão.
Não embarco em nacionalismos. Cada povo tem coisas boas e coisas más, se é que podemos atribuir esse tipo de características assim, por grosso, a um conjunto tão vasto de pessoas. Mas aprendemos a amar uma bandeira, uma língua, uma cultura e a isso chama-se patriotismo. A nossa bandeira, língua e cultura, não são melhores nem piores do que quaisquer outros, mas são os nossos, aqueles que nos dão uma marca.

A guerra deste início de século na Europa é a da economia numa teia de agentes financeiros e respectivos servidores sem escrúpulos. E é dos livros que a potência vencedora é aquela que consegue definir as regras de convivência entre vencedores e vencidos. E é disso que se trata, as regras que nos querem impor roubam-nos soberania - foi Angela Merkel quem disse que é esse o preço a pagar. É bom que não se esqueça que a forma como se lida com o sentimento de humilhação de um Estado vencido é determinante na estabilidade do pós guerra.
 
É isso que Angela Merkel vem fazer a Portugal: um Imperador por mais receio que possa sentir tem que se mostrar em todos os cantos do Império. Hoje em dia, os imperadores não enviam exércitos (às vezes ainda o fazem…), preferindo os regentes locais, mas gostam de receber vassalagem. Não acho que devamos tratar mal quem é democraticamente eleito. No entanto, quem subverte o sentido do voto que lhe deram, não pode excluir a possibilidade de ver subvertido este princípio de respeito democrático. Admito que Angela Merkel com esta atitude imperial corresponda ao que uma larga fatia dos alemães (admito apenas…) espera dela, mas não pode estar à espera que num momento como este os portugueses gostem de a ver em Portugal. A Alemanha venceu a guerra da economia e está a querer humilhar os vencidos.
 
Vamos saber quem traiu Portugal e vamos saber quem defendeu o país e o povo. Já aconteceu no passado: perante as dificuldades alguns não hesitaram em colocar-se ao lado dos invasores. Quase sempre tiveram breve gozo das mordomias proporcionadas pela traição e muitos deles acabaram enforcados ou atirados pela janela. Sei que os tempos são outros mas tenho esperança de os ver a prestar contas, num tribunal, como deve ser feito num mundo de gente civilizada que dispensa a selva dos agiotas e dos trafulhas. Vamos ter que dar a volta a isto. O povo tem a obrigação de se defender e defender o país.


josé manuel rosendo

Pinhal Novo, 10 de Novembro de 2012

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A mesa das migalhas

Nunca testei o meu QI por métodos científicos, mas tento sempre aprender em todas as circunstâncias e contextos. O esforço não significa obrigatoriamente que o objectivo seja atingido. Aliás, aprender, aprender sempre, é algo que pouco vale quando o conhecimento é cada vez menos valorizado. Este é o tempo em que toda a gente fala de tudo e mais alguma coisa com ares de grande conhecimento. Esquecem que a dúvida é o princípio da sabedoria? Não, eles sabem tudo e, simplesmente, não têm dúvidas. E entre as opiniões que estes últimos apresentam e as que possam fazer o contraponto, optar pelas segundas será, dizem, o caos.

Tudo isto a propósito de lições aprendidas em sítios por onde tenho passado e onde o sofrimento das pessoas tem características diferentes porque tem origem num contexto social de contornos substancialmente diversos daquele que actualmente enfrentamos nesta crise que nos bate à porta.

Não há muito tempo, num momento de desenvolvimento económico, em Ramallah, uma espécie de capital da Cisjordânia, dizia-me um palestiniano: não queremos apenas ter comer na mesa e dormir à noite sem rusgas israelitas que nos interrompam o sono; não, somos seres humanos e queremos todos os nossos direitos. Isto é: querem a liberdade de existir enquanto Estado soberano e a capacidade de decidir o seu próprio futuro. O mesmo palestiniano ainda dizia: não somos animais, não nos basta ter comer e um sítio para dormir. Resumindo: querem ser gente, por inteiro.

Esta síntese, tão simples quanto elucidativa, transportada para os nossos dias e para o nosso sítio coloca-nos uma questão fundamental: queremos ser gente ou apenas queremos ter comer na mesa e um sono tranquilo? Estou certo que há uma fatia grande de nós que quer mesmo ser gente; estou certo que muitos de nós são inteligentes; mas também estou certo que o superficialismo alegadamente pragmático de alguns nos empurra para uma mesa de migalhas e para um sono que não será o dos justos mas o dos submissos, sem bandeira nem valores. Cada um escolhe a sua mesa e a sua cama.

josé manuel rosendo

Pinhal Novo, 9 de Novembro de 2012

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Uma malga de sopa, e vá lá, vá lá…


Estamos num tempo em que o absurdo faz caminho. Passa à bruta, com ares de arrogância e inevitabilidade. Todos os dias as notícias nos surpreendem, sempre no mau sentido. Houve um tempo (quem diria…) quando Paulo Portas fazia o semanário “O Independente”, que alguns políticos (entre eles o então Primeiro-Ministro Cavaco Silva) tremiam à medida que se aproximava cada sexta-feira: era o dia da publicação de O Independente e era quase certo que havia político apanhado num cambalacho. Muitas vezes, políticos com ligações ao poder ou até do núcleo duro. As coisas estão diferentes. Para pior.

Já não há O Independente e agora quem treme e tem insónias somos nós, pessoas comuns, diariamente, com medo do que os jornais vão trazer em título na manhã seguinte: mais um corte, mais um sector afectado, mais uma empresa a fechar portas, mais despedimentos, menos subsídios, menos saúde, menos educação, menos transportes.

Dizem-nos – até a senhora do Banco Alimentar – que estivemos a viver acima das nossas possibilidades. Essa agora… então a maioria de portugueses que vive com os ordenados quase mais miseráveis da União Europeia é que vive acima das suas possibilidades? E aqueles que são os grandes patrões e gestores portugueses que vivem com os melhores ordenados da União Europeia (provocando a maior disparidade em termos de salários, que tem vindo consecutivamente a alargar-se) viveram acima de quê? Alguém, que pague renda de casa, que tenha filhos na escola e que receba mil Euros por mês, aceita que lhe digam que viveu acima das suas possibilidades? Eu acho que é melhor calarem-se com isso porque alguém vai perder a paciência.

Por outro lado criou-se a ideia de que qualquer retribuição que não tenha a forma de salário é uma “regalia” quase de contornos pornográficos. A ideia está ser vendida de forma populista, o povo embarca e aponta o dedo a quem estiver a ser posto em causa. E os homens dos cortes esfregam as mãos. Ninguém se questiona sobre o motivo que leva alguém a ser pago com um carro de serviço ou por que é que alguém tem uma isenção de horário, ou por que é que tem direito a andar sem pagar nos transportes públicos, ou por que é que alguns trabalhadores numa determinada empresa têm subsídio de assiduidade.

Alguns demagogos de serviço esgrimem argumentos destes como se o mundo estivesse a começar agora e não houvesse um passado que é preciso entender. Marques Mendes é um deles. Descaradamente nunca explicou nenhum processo negocial de uma empresa onde esse subsídio de assiduidade esteja a ser atribuído. E da mesma forma que um dia perguntou por que é que os trabalhadores que são pagos para trabalhar ainda têm um subsídio de assiduidade, não teve a coragem de perguntar por que é que (alguns) gestores que são pagos para gerir têm prémios de gestão escandalosos. E o povo embarca. E os homens dos cortes esfregam as mãos.

Este é o país que não entende que não pode viver sem universidades dignas que sirvam as pessoas independentemente do que possam pagar, sem hospitais que não recusem tratamentos ou empurrem doentes de uns para os outros para pouparem uns euros nos tratamentos, sem forças militares, sem instituições que nos caracterizem enquanto país e enquanto o Estado Nação com as fronteiras mais antigas da Europa.

Não tarda e vai chegar o tempo em que qualquer remuneração acima do salário mínimo seja considerada acima das possibilidades do país e das empresas. E os homens dos cortes voltarão a esfregar as mãos. Estaremos então no tempo da malga de sopa por um dia de trabalho.

Palavra de honra que me apetece dizer – embora saiba que não o devo fazer – que tenho vergonha e pena deste país.

josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 8 de Novembro de 2012

domingo, 4 de novembro de 2012

Para que quero eu um governo assim?


 
Tentar perceber o que se passa à nossa volta é cada vez mais difícil. Depois de cortes e mais cortes e com um Orçamento do Estado já aprovado na generalidade, mas ainda no Parlamento, o governo vem falar num corte de mais 4 mil milhões de Euros; para que se saiba onde e como, manda recado por um antigo líder do PSD – Marques Mendes na TVI24 disse em que Ministérios e em que áreas é possível o Estado não gastar os tais 4 mil milhões. De facto, Marques Mendes não disse bem isso: disse alguns Ministérios onde apresentou o corte como um corte puro – menos serviços na Defesa, Justiça e Segurança – mas depois referiu as áreas onde o Estado deve reduzir a presença (segurança social, saúde, educação…) mas onde, mesmo que passe a haver gestão privada, será o Estado a pagar. Isso Marques Mendes não disse.
 
Até aqui nada de novo: estar atento implica já saber que os cortes não irão parar até o povo aceitar trabalhar por uma malga de sopa aguada e até o Estado estar estraçalhado e servido numa bandeja aos grandes interesses privados. Em saldo, porque os tempos são de sacrificio para a generalidade das pessoas, mas também são tempos de excelentes negócios para os grandes grupos económicos.
 
Paralelamente a esta revelação, Marques Mendes anunciou que os técnicos da troika já estão em Portugal para assessorar o governo nos cortes a fazer para se conseguir os tais 4 mil milhões de Euros. E foi aqui que os meus neurónios se baralharam. Então, o governo do meu país precisa, alegadamente, de fazer um corte de 4 mil milhões de Euros e não sabe como nem onde? Então, quem está a governar o quê? Então, precisamos de uns tecnocratas vindos não sei de onde para dizerem ao governo do meu país onde é que deve reduzir serviços e funcionários para atingir os objectivos do corte? Longe vão os tempos em que um jovem líder partidário tinha um projecto e uma ideia para o país; longe vão os tempos das promessas de não aumentar impostos, de não retirar subsídios de férias e de natal. Ou será que a presença dos tecnocratas serve para o governo lavar as mãos e dizer que os cortes foram impostos pela troika ou que foi a troika que disse as áreas onde se devia cortar? Confusão. Kafka puro. Somos condenados sem saber porquê nem por quem.
 
Depois da balbúrdia cerebral eu só precisava de uma resposta: para que quero eu um governo assim? E gostava também de saber se todos os 2.813.729 portugueses que votaram nos partidos deste governo estão de acordo com tudo isto e se ainda acreditam nesta trapalhada que estamos a viver e nos principezinhos que nos governam. É que este governo fez promessas que não cumpriu, fazendo precisamente o oposto – logo, mentiu.
 
Ao mesmo tempo que faz aprovar um Orçamento do Estado e convida o PS para um consenso que, então sim, seria idílico, o governo já estava sentado à mesa com os tais tecnocratas da troika para saber que Estado vai ficar desenhado depois de mais um corte de 4 mil milhões de Euros. Coelho e Seguro trocam cartas. Há arrufos em público, mas o povo não tem acesso às tais cartas (serão de escárnio e mal-dizer ou serão cartas de amor?).
 
Quando entramos no reino do absurdo qualquer cidadão inteligente – entenda-se inteligência a capacidade de fazer um raciocínio lógico com a informação disponível – que não tenha lido Kafka sente-se perdido. E ler Kafka não é leitura obrigatória para que alguém seja inteligente. O problema para nós, portugueses que ficam em Portugal, é que este absurdo trata do nosso quotidiano e do nosso futuro. Olhando para o Processo político ficamos com a certeza de que quem nos lidera tem Kafka à cabeceira. Kafka e, já agora, Maquiavel, porque aspirantes a Príncipe não faltam, devendo no entanto reler a obra porque Maquiavel aconselhou o príncipe a ter exércitos próprios para atingir os objectivos a que se propunha. Os “nossos” príncipes não têm exército e só mantêm o poder porque esta plebe ainda não se apercebeu disso.
 
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 4 de Novembro de 2012

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Não há respeito porque não há legitimidade


O respeito por alguém é um sentimento muito profundo. Numa breve reflexão rapidamente encontramos pessoas ou instituições que nos merecem grande respeito. Pelas suas acções, pelas suas atitudes, pela sua legitimidade quando fazem ou dizem alguma coisa. Ou porque têm um percurso coerente, ou porque têm sido fiéis a princípios com os quais concordamos, ou porque lhes foi confiada uma responsabilidade que souberam merecer, ou porque têm sapiência reconhecida nas matérias que tratam, ou porque são homens e mulheres íntegros. Ser íntegro é algo fácil de definir: honestidade, saber, educação e, em casos de liderança, ter a capacidade de tomar decisões aceitando isso como uma responsabilidade e não como um poder que serve para humilhar terceiros ou atingir objectivos egoístas. Por vezes confunde-se aquilo que habitualmente designamos por boa-educação com essa integridade que se exige a quem lidera.
 
Na mesma breve reflexão também não demoramos a encontrar alguém que não nos merece respeito nenhum. Seja pela licenciatura obtida de forma duvidosa, seja pelas negociatas nada transparentes, seja pela facilidade com que hoje diz uma coisa e amanhã diz exactamente o contrário.
 
Ouvir alguém atentamente, fazer um cumprimento quando se chega e quando se parte, falar num tom calmo, ser cordial, são características insuficientes para alguém se dar ao respeito e para merecer esse respeito. Quantos canalhas não andam por aí que reúnem as características que atrás referi, usam colarinho branco e gravata de seda, e não passam de pulhas da pior espécie. Também os há sem colarinho branco e gravata de seda.
 
Ganhamos respeito a uma pessoa ou a uma instituição quando as suas acções vão ao encontro daquilo que esperamos delas; quando essas acções transcendem a esfera do egoísmo e do amiguismo; quando são acções que beneficiam a comunidade em detrimento de interesses particulares; quando são acções que nos ajudam a desenvolver e crescer enquanto comunidade: quando são acções que defendem os que têm menos defesas; quando são acções que têm a coragem de atacar os mais poderosos. São essas acções, difíceis, que tornam respeitadas as pessoas e as instituições.
 
Registei, há já algum tempo, durante um debate no Parlamento, quando Manuela Ferreira Leite ainda era deputada, uma frase da antiga líder do PSD que é reveladora da confusão de valores. Dizia Manuela Ferreira Leite (mais ou menos desta forma que cito de memória…), respondendo a um deputado de uma outra bancada parlamentar, “lá em casa os seus (do deputado visado nesta intervenção) filhos têm-lhe respeito porque é o senhor que paga as contas”. O deputado visado não respondeu mas eu teria respondido que mal vai Manuela Ferreira Leite se apenas se consegue dar ao respeito porque paga as contas. Este tipo de pensamento revela que se perdeu o sentido da legitimidade da função/cargo. A legitimidade e o respeito não derivam apenas do poder de pagar as contas ou de se exercer determinadas funções. Legitimidade e respeito constroem-se e, depois de se chegar a determinadas funções de forma merecida e transparente, trabalham-se, e de preferência melhoram-se.
 
Chegar ao governo – dando de barato que as eleições ainda são verdadeiramente democráticas – significa chegar a um poder legítimo, mas se depois de chegar ao poder os governantes renegam tudo o que prometeram para conseguir o voto do povo, essa legitimidade perde-se. Não há matemática eleitoral que a sustente porque o poder que o povo entregou aos governantes foi entregue com base em premissas – promessas eleitorais – que depois não são cumpridas. O governo perde a legitimidade e perde o respeito do povo.
 
E é por isso que o povo saiu à rua a chamar “gatunos”, “chulos”, “vigaristas” e mais uma longa lista de insultos aos membros do governo. E é por isso, porque sente que já não tem o respeito das pessoas, que os ministros saem à rua numa redoma de segurança, entrando e saindo por portas das traseiras, são insultados durante os discursos e até algumas cerimónias oficiais que não têm significado sem a presença do povo, são efectuadas em locais recatados, fechados e fortemente guardados.
 
Um governo sem legitimidade, que não merece respeito, já não é um governo, é uma espécie de onze jogadores num campo de futebol, sem treinador nem suplentes no banco, a perder por 5-0 e a desejar que o árbitro dê o jogo por terminado. O pior é que o árbitro deste jogo até tem medo de levar o apito à boca…
 
Obrigado
José Manuel Rosendo
Pinhal Novo, 15 de Outubro de 2012

sábado, 13 de outubro de 2012

Lembram-se do voto útil? Ah pois é… que belo resultado!


Eleição após eleição, à medida que se aproxima o dia de decisão nas urnas, as sondagens apresentam a coisa como estando renhida. Quando não está renhida directamente entre duas forças políticas está renhida na soma das possíveis coligações para formar governo. Há “empates técnicos”, há sondagens com resultados contraditórios, há “margens de erro” que mantêm a incerteza, qual jogo de futebol empatado a dois minutos do fim e com as duas equipas lançadas ao ataque e as bolas a baterem nos postes.
Os discursos dramatizam-se, o poder diz que depois dele será o caos, a oposição mais próxima de uma eventual vitória eleitoral apela aos eleitores para que escolham a única força política que tem possibilidades de chegar ao poder e apear os malvados que lá têm estado. Tem sido sempre assim e é um discurso chantagista.
 
Não é um exclusivo de Portugal, mas os portugueses, quando estão fartos e descontentes com o Governo em funções, votam na força política que mais possibilidade tem de apear os governantes do momento. É o chamado voto útil: aquele que permite mudar (ou manter) alguma coisa no imediato. Tem sido assim sempre que há mudança de partido político no poder: vota-se contra o que está porque não nos serve; vota-se no que está porque quem ameaça o poder em vigor é ainda pior. Vota-se contra alguma coisa ou alguém e não naquilo em que de facto se acredita.
É o voto no “menos mau”, o voto para impedir a vitória do candidato “que detestamos”, o voto para que um “governo horrível” seja apeado do poder ou o voto para que um determinado partido político da oposição não chegue ao poder.
 
Nunca se saberá ao certo que resultado teria uma eleição se todos os eleitores votassem apenas num programa político anónimo, ou seja, sem saberem qual a sua origem partidária e quais os políticos a ele associados. É evidente que a política depende muito dos homens que põem em prática os respectivos programas partidários (porque há políticos sérios para quem o serviço público faz todo o sentido), mas ainda assim seria um exercício interessante embora provavelmente impossível. 
 
Os analistas do “centrão” têm contribuído para este estatuto decisivo do voto útil: dizem habitualmente que quem não vota útil (num dos partidos com possibilidade de vencer ou num outro do chamado “arco do poder”) está a fazer um voto de protesto. Isto descodificado vai dar, mais ou menos, num outro aspecto interessante: quem não vota centrão – entenda-se “partidos do arco do poder” – é “radical”. E pronto, aqui chegados, sempre com o centrão no poder e sempre com o benefício desse chamado voto útil, eu gostava de ouvir uma explicação para o estado a que o país chegou e qual foi, de facto, a utilidade do voto. E não me admirava que alguma mirabolante teoria atribuísse culpas aos “radicais” e aos que habitualmente fazem o tal “voto de protesto”.
 
Por mim, voto útil é o voto que corresponde às minhas opções políticas, ao meu modelo de sociedade, ao futuro que quero para os meus filhos. O meu voto quando cai na urna não leva ódio nem raiva a ninguém, leva esperança num futuro digno e num país em que a justiça seja de facto Justiça e em que o chamado Estado de Direito não seja uma mera grelha de leis arquitectadas nos gabinetes para dar cobertura a máfias de engravatados bem falantes e sem escrúpulos. Não voto depois de fazer contas à pressa na perspectiva de uma promoção, um aumento salarial ou uma redução de impostos. Da utilidade do meu voto sei eu e nessa não me apanham.
 
Obrigado
José Manuel Rosendo
Pinhal Novo, 13 de Outubro de 2012

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Equação impossível.

Definição aceitável: Equações são letras e números que contam histórias. Essas letras e esses números representam pessoas, acontecimentos, locais e os sinais (de menos, mais, etc.) representam as acções ou circunstâncias que rodeiam os intervenientes na equação. Numa equação, as premissas são os pressupostos (os dados) que, conjugados, conduzem a um resultado.
Ponto prévio: não venham com a conversa de que as ideologias morreram. Elas estão aí! Renovadas, actualizadas, maquilhadas, o que se queira, mas estão aí, e num momento de crise que é também uma encruzilhada, o pior perigo é o de se pretender fazer crer que as opções políticas não têm uma base ideológica. Têm!
 
Outro perigo: os políticos são todos iguais. Não são. Pelo menos num ponto eles são substancialmente diferentes: uns estiveram (ou estão) no poder e outros nunca por lá passaram. E mesmo entre os que estiveram no poder, acredito que há gente séria e honesta. Mas aqueles que andaram nos BPN’s (de forma activa ou como rectaguarda político-judicial), nas PPP’s, nos Submarinos, nos Freeport’s e afins, esses são a face visível daquilo que o sistema tem de mais sombrio. E há partidos políticos que lhes deram guarida. Depois dos escândalos, esses partidos – que deviam ser apenas a expressão política organizada de um conjunto de cidadãos em defesa de determinados princípios, ideias e modelo de sociedade – funcionaram como uma espécie de irmandade, tentando ocultar e diluir responsabilidades, de modo a não deixar que os respectivos partidos políticos fossem chamuscados devido aos casos em que alguns dos seus membros ilustres estavam/estão envolvidos. São os tentáculos do Sistema.
 
Perante isto, o que fazem os cidadãos do meu país quando são chamados às urnas? Confesso que não sei porque o fazem, mas a realidade mostra que dão a maioria dos votos precisamente aos partidos que têm andado envolvidos nos esquemas e trapalhadas atrás referidos. Até podemos ser levados a pensar que os portugueses gostam de premiar a aldrabice. E, com frequência, a alternância das memas forças políticas no poder assenta quase sempre no mesmo argumento: é preciso apear uns, porque são maus, para dar o poder aos outros, que foram igualmente apeados por serem maus, mas entretanto passou tempo suficiente para o povo esquecer. Como se não houvesse alternativas. E o mais dramático é que a maioria dá o voto aos que já deram provas de governar mal e poucos dão o voto aos que nunca tiveram oportunidade de governar.
Esta atitude, aliada à ideia de que os políticos são todos iguais, de que as ideologias morreram e de que apenas alguns estão preparados para governar, são as premissas de uma equação que só pode ter um resultado: aquele que estamos a viver. Uma desgraça.
 
Entendo sem dificuldade o erro na escolha, o engano, a ilusão. Talvez entenda mais do que uma vez. Mas, sempre? Eleição após eleição?
 
Recordo-me, sempre que penso nesta questão, de uma reportagem (se não me engano…) de Paulo Dentinho (RTP) aquando das recentes eleições presidenciais francesas. Num bar (restaurante?) de Paris, onde havia muitos portugueses, um deles disse convictamente que votaria Marine Le Pen (candidata da Frente Nacional, de direita) porque era uma mulher de esquerda. É muito parecido com o que se passa em Portugal. Os portugueses votaram à direita e ficaram à espera de políticas de esquerda; votaram à direita e depois contestam as ferozes políticas ultra-liberais que estão a ser postas em prática; votaram à direita e reivindicam melhores serviços públicos; votaram à direita e querem políticas de emprego; votaram à direita e… há aqui alguém que está enganado.
 
Para que as últimas manifestações de rua, principalmente a de 15 de Setembro, sejam consequentes, as próximas eleições terão que traduzir algo de muito diferente em relação aos últimos anos. Aguardemos.
 
Obrigado
José Manuel Rosendo
Pinhal Novo, 5 de Outubro de 2012

sábado, 1 de setembro de 2012

Extermine-se a Constituição, pois claro!


Três episódios. O primeiro, já lá vão uns meses: Medina Carreira à conversa com Judite de Sousa na TVI24, como sempre com aqueles gráficos que acabam a mostrar que as contas públicas portuguesas só tiveram saldo positivo no tempo de Salazar e do cobiçado Volfrâmio durante a II Guerra Mundial. No meio da conversa, Medina Carreira atira a pergunta (mais ou menos assim): a Judite Sousa quando vai jantar leva a Constituição (da República Portuguesa) debaixo do braço para pagar a conta? Percebi a atrapalhação da Judite, e eu, que ainda não perdi a capacidade de me indignar, dei um salto no sofá. Judite de Sousa ainda gaguejou qualquer coisa em defesa da Lei Fundamental e da democracia, mas Medina Carreira insistiu na tese de que a situação da economia não se compadece com esse entrave que é a Constituição.

O segundo episódio foi na Quarta-feira à noite, mais uma vez na TVI24 durante uma entrevista a António Pires de Lima, e que eu transcrevo da página de Internet da TVI: “Eu não sei se o PSD e CDS devem assumir a responsabilidade de continuar a governar se tudo aquilo que é preciso fazer em Portugal para relançar a economia e controlar a despesa pública for impossibilitado pela Constituição Portuguesa” acrescentando queo PSD e o CDS devem confrontar a troika com esta surpresa”. E concluiu; “Não estou a ver uma solução fácil, a não ser que a própria troika obrigue o Estado português e os principais partidos portugueses a ajustarem a Constituição, de forma a que ela permita a execução de um programa que foi assinado por três partidos que representam 80 a 90 por cento do Parlamento”. Só faltou dizer: Olé! Desta vez já não dei um salto no sofá.
Devo dizer que em relação a Medina Carreira e a Pires de Lima, por razões óbvias, as afirmações não me surpreendem. Estão em linha com uma certa forma de fazer política e de estar nos negócios, que muitas vezes entram em choque com valores que tenho para mim como fundamentais e inalienáveis.

Hoje, sexta-feira (as férias são uma coisa terrível e até temos tempo para ler coisas destas…), novo ataque à Constituição nas páginas do Correio da Manhã (CM), através da pena de João Miguel Tavares. O “cronista indelicado” como é apresentado na coluna do CM, discorre sobre a RTP. Diz que Serviço Público de televisão, hoje, não significa “coisa nenhuma” e lembra quando, em 1985, “Portugal inteiro parou para assistir ao corte impiedoso das partes baixas do Caniço no final da novela ‘Chuva na Areia’”. Depois pergunta: (…) “, será que o Fernando Mendes e o Malato valem 300 milhões de euros por ano?”.
Conclui com uma “pérola”dizendo que a ideia de privatizar a RTP de vez “esbarra num problema chamado Constituição da República Portuguesa, onde um qualquer apreciador de ‘Gabriela’ achou por bem fixar a exigência de o Estado assegurar um canal público de televisão. Assim sendo, a ideia de fechar a RTP 2 e concessionar a RTP 1 a privados é bem capaz de ser a menos má das opções. Não chega a ser uma boa opção, claro, e é preciso conhecer os contornos do negócio. Mas enquanto não se der à Constituição o tratamento que se deu ao Caniço, não há muito que se possa fazer.” Isto é: atire-se a Constituição ao lixo! Que se lixe a Democracia, o Estado de Direito, a Liberdade (até a de dizer estas asneiras).

A imbecilidade (peço desculpa mas não encontro outra palavra…) de João Miguel Tavares não merecia tanto espaço neste texto, nem o esforço de quem o está a ler, mas é preferível assim a ser acusado de escrever alguma coisa fora de contexto.
Este género de artigo é aliás demasiado frequente na imprensa portuguesa. Caracteriza-se por um tipo de escrita que pretende ser crítica, pretende ter graça, ligeira, jogando com a construção de frases apelativas e marcantes, em raciocínios breves e por isso facilmente assimiláveis. Para estes escribas não parece importar os conteúdos. É preciso é escrever alguma coisa que provoque polémica e, de preferência, seja alvo de comentários na imprensa, televisões, redes sociais, etc.. Conseguido o objectivo do escriba, ele está no mercado. Isto é, consegue ganhar a vida, mesmo que não tenha ideias sustentadas sobre nada nem coisa nenhuma mas desde que escreva umas coisas que provoquem polémica. Nem seria grave, se depois, a opinião pública mal informada não acabasse a fazer comentários como este que retirei do CM na Internet, mesmo ao lado do texto de João Miguel Tavares: “É muita gente a mamar da RTP, mas mesmo muita gente, daí todo este ai ai JESUS. Eu por mim não dava um cêntimo à RTP” (opinião assinada).

Tudo isto para dizer que está lançado o ataque à Constituição. Seja por causa da situação da Economia ou da RTP, o que estes senhores entendem é que é preciso mudar a Constituição. Começaram timidamente, como sempre começam estas coisas, vamos ver como vão evoluir. Houve tempos em que os espanhóis cá vieram… houve tempos em  que os ingleses nos fizeram um ultimato… parece que o tempo agora é o de ser mos nós (salvo seja) a pedir à troika para nos obrigar a mudar a nossa Constituição. Neste país desgraçado, ou muito me engano ou estes que agora falam assim ainda vão acabar a dizer que a culpa é da Democracia. E depois, já se sabe…

Obrigado
José Manuel Rosendo
Pinhal Novo 1 de Setembro de 2012

Tanta asneira sobre a Rádio e a Televisão públicas…


Se tiverem paciência para ler, agradeço. Estou de férias e deu-me pra isto. Ando de “saco cheio” e nem o sol aproveito.
Mas que raio de conversa é essa de não se saber o que é “Serviço Público”? Quem faz esta pergunta não levou vacinas quando era pequenino? Não andou na Escola Pública? Não andou de comboio, autocarro? Nunca viu as patrulhas da PSP ou da GNR? Não sabe que um Serviço Público é algo que o Estado disponibiliza aos cidadãos para que eles o possam ser de facto: cidadãos! Porque só são cidadãos, e pessoas, se tiverem um conjunto de serviços que possam, de facto, utilizar, sem que essa utilização esteja dependente do seu poder económico. Não sabem isto? Aqui chegados já oiço rugidos: “isso não tem nada a ver com serviço público aplicado à rádio e à televisão”. Tem, tem! Por que é que não se entrega o Serviço Nacional de Saúde (totalmente) aos privados? Por que é que não se entrega o Ensino (totalmente) aos privados? Por que é que não se entrega a Segurança (totalmente) aos privados?

A diferença entre um órgão de comunicação social (OCS) privado e um outro público é muito simples: o privado depende da vontade dos accionistas, tem uma orientação “editorial” de acordo com a vontade da administração, pretende fazer dinheiro ou, o que pode ser muito mais importante para o accionista, ser utilizado como arma de arremesso útil a estratégias do grupo económico a que pertence (basta estar atento ao que se passa neste momento para perceber os interesses económicos transformados em manchete de jornal). Apesar de não concordar que um OCS deva em circunstância alguma servir este tipo de interesses, sendo privado e atendendo aos tempos que correm – não, não estou a fazer nenhuma concessão, estou apenas a facilitar o avanço do que quero dizer – até dou de barato, sendo que a única opção para os leitores/ouvintes/telespectadores, quando confrontados com este tipo de OCS, é comprar ou não comprar, ouvir ou não ouvir, ver ou não ver. E fica por aí.

Ao contrário, um órgão de comunicação social público, responde perante os portugueses nas instituições que têm a função de o fiscalizar, regular e acompanhar. Podemos discutir tudo: o modelo, os canais, as nomeações, as grelhas, as pessoas, os ordenados… podemos discutir tudo, mas se os diferentes canais da RTP (Rádio e Televisão) produzissem as gralhas e as notícias que vão por aí noutros OCS, “caía o carmo e a trindade”, havia administrações e directores demitidos.
A Rádio e Televisão de Portugal faz uma cobertura do país que nenhum outro OCS faz ou tem interesse em fazer. Se alguém quiser ter uma noção concreta desta afirmação basta consultar as grelhas de programação, avaliar a oferta pluralista e diversificada, analisar os noticiários e depois pode ter uma opinião sustentada. A quem não quiser ter esse trabalho só posso aconselhar cautela, muita cautela, com opinadores que propagam a mentira e que nem os próprios sabem do que falam.
Mais algum OCS tem um Conselho de Opinião que representa a sociedade portuguesa para acompanhar a sua actividade? A RTP tem.

A RTP é “ um saco de boxe”. Sempre foi. Mas essa é a “cruz” de um OCS público, sujeito ao escrutínio dos cidadãos. E ainda bem que há esse escrutínio, desde que seja intelectualmente honesto. Já alguém imaginou um programa na televisão pública onde o jornalista de serviço destilasse ódio contra a SIC como Mário Crespo, na SIC Notícias, destila ódio contra a RTP (e contra tudo que “cheire” a serviço público)? Ninguém imagina, pois não? Sabem porquê? Porque a RTP é um OCS público e não serve para esse tipo de coisas. Este é um bom exemplo para perceber a diferença.

E ainda faço outro pergunta: conseguem descobrir um OCS onde sejam publicadas notícias que não agradem ao accionista? Se calhar passou-me alguma coisa ao lado mas gostava de encontrar um exemplo de uma notícia do Público que belisque os interesses de Belmiro de Azevedo; uma notícia do Expresso, da SIC ou da Visão, que belisque interesses de Pinto Balsemão; uma notícia do DN ou do JN que belisque os interesses de Joaquim Oliveira. Eu sei que o Governo não é o accionista da RTP (é o Estado) mas sabem quantas notícias a Rádio e a Televisão públicas editam diariamente que o Governo preferia que fossem ignoradas? Pois é…

E no meio de tudo isto convém desmistificar aquela história de quem paga o quê, porque se a taxa do audiovisual uq eos portugueses pagam serve para pagar a RTP, quem é que vocês acham que paga os outros OCS? Está-se mesmo a ver que são os donos, os accionistas, não é? Pagamos todos, sim, pagamos todos através do valor da publicidade que está incluído nos produtos que compramos. Mais ainda, pagamos mesmo quando não queremos ver, ouvir ou ler, porque compramos o produto (com a fatia da publicidade incluída no preço) independentemente de beneficiarmos ou não do OCS que vai receber essa fatia da publicidade. E quem quiser enfiar a cabeça na areia que faça o favor, mas que é verdade não tenham dúvidas. Pagamos é (quase) sem dar por isso.

Quem diz que não sabe o que é Serviço Público é quem apenas mede o valor da nossa vida (com tudo o que dela faz parte) através de uma conta de merceeiro que só tem duas colunas: a do deve e a do haver. Coitados!

Obrigado
José Manuel Rosendo
Pinhal Novo, 1 de Setembro de 2012

Reportagem na Síria

terça-feira, 17 de julho de 2012

Bashar Al-Assad pode ganhar a guerra mas já perdeu o povo


 

O que é que a Síria tem a ver com a Líbia? Sim, são realidades diferentes, mas têm um ponto em comum: um ditador que não consegue perceber que o país não lhe pertence e que tudo faz/fez para manter o poder. E como um ditador nunca sobrevive isolado, (Kadhafi na Líbia e agora) Assad na Síria, tem a sua corte, alarmada com a prevísivel perda de regalias e disposta a tudo para manter o status quo.

Recordo-me de ter entrado na Líbia, pela fronteira de Al Salloum e encontrar os postos militares abandonados. Rebeldes controlavam quem entrava no país. Umas centenas de quilómetros para o interior e percebi o que estava a acontecer na Líbia: em Tobruk, o quartel estava vazio, os militares tinham fugido ou passado para o lado rebelde e os tanques de guerra estavam todos na rua. Havia munições para todos os gostos. Chegado a Benghazi, a leitura dos acontecimentos tornava-se mais fácil: o povo só queria ver Kadhafi desaparecer. Percorrendo mais umas centenas de quilómetros até Ajdabyia ou Brega, passando por carrinhas com armas montadas na caixa de carga e percebendo os milhares de sírios mal armados e desorganizados, percebi que Kadhafi não tinha saída. Uns dias depois, as brigadas de Kadhafi recuperaram terreno e estiveram às portas de Benghazi. Tinham maior poder de fogo, aartilharia pesada. Foi nesse momento que os países da NATO entraram no conflito. Conhecemos as opiniões contra e a favor desta intervenção. Tenho a forte convicção que se tal não tivesse acontecido teria havido um banho de sangue em Benghazi. Kadhafi tinha prometido uma perseguição “zenga-zenga” (casa-a-casa). Se não tivesse havido a intervenção externa Kadhafi poderia ter ganho aquela guerra, naquele momento, mas já tinha perdido o povo.

Na Síria, sem intervenção directa de outros países, a lista de mortos todos os dias aumenta muitas dezenas. As imagens que chegam de há muito que são de uma guerra civil sangrenta. Os massacres, apesar da troca de acusações, são evidentes. Não estando no terreno a avaliação mais rigorosa é dificil, mas Bashar al-Assad, que até pode vencer esta batalha, vai claramente perder o povo, porque não há povo que tenha memória e ao mesmo tempo possa perdoar um presidente que não hesita em matar o seu próprio povo.

O massacre de Tremseh, sexta-feira 13 de Julho, é apenas um sinal inequívoco daquilo que o regime está disposto a fazer para não ser afastado.

No campo diplomático, Kofi Annan tenta soluções que só provam a incapacidade da ONU neste conflito. A Rússia e o Irão muito dificilmente deixarão cair o regime sírio; os países ocidentais apoiam a oposição, mas até agora não falaram em fornecer armamento. Uma situação típica da guerra fria com as grandes potências a fazerem a guerra por procuração. E como se não fosse suficiente, basta pensar o que será uma Síria em guerra total, envolvendo os interesses estrangeiros e as divisões religiosas e étnicas. Quanto à oposição síria ainda não deu um sinal claro de unidade, muito menos de ter preparada uma solução de governo perante uma eventual queda do actual regime. Mas há uma coisa que é certa: o poder de Bashar al-Assad é uma questão de tempo. E de mortos…

José Manuel Rosendo
16 de Julho de 2012

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O "governador alemão"




Miguel de Vasconcelos atirado pela janela...
O descaramento já é absoluto. A Alemanha propôs, como a coisa mais natural deste mundo, a nomeação de um governador para tratar das matérias orçamentais da Grécia. Assim ao estilo: vocês não sabem tratar do vosso orçamento e então é melhor sermos nós a fazê-lo. Sim, nós, Alemanha, porque com uma proposta assim ninguém imagina que depois o tal governador não fosse da especial confiança de Berlim. É assim que alguns alemães pensam a democracia europeia. A Alemanha sabe que o Orçamento de um país é parte fundamental da sua soberania. Descobrir que alguém com o poder da Alemanha tem governantes que pensam assim é desconfortável, para não dizer assustador. Estes “governadores” são figuras que nos lembram os tempos de Napoleão em que havia “Governadores” em nome de um império.
Depois de Napoleão, Hitler também quis ser dono da Europa. Não nos esqueçamos que chegou ao poder vencendo eleições. A tragédia é conhecida. Mas pelo meio da tragédia de ver a democracia ajudar à ascensão de um monstro, há um outro aspecto a ponderar: os colaboradores que a Alemanha de Hitler conseguiu arregimentar.

O que parece óbvio nesta Europa nada unida é que a Alemanha está num processo em que quer fazer avançar a integração política negociando com países fragilizados por dificuldades financeiras e fazendo depender a ajuda financeira de cedências políticas à vontade alemã. E isso é inaceitável: deixa de ser uma negociação para ser uma imposição. Definir neste momento os parâmetros de uma Europa federal seria um erro trágico com consequências imprevisíveis.

Durante a II Guerra Mundial, perante o avanço imparável das tropas nazis, e apesar de muitos franceses recusarem içar a bandeira branca, a França negociou uma rendição. Foi Philipe Pétain, Marechal, enquanto primeiro-ministro, que assinou essa rendição com as respectivas condições de humilhação. Pétain chegou a Presidente da França ocupada. As forças da Direita francesa utilizaram a derrota externa para chegarem à vitória interna. O regime de Pétain substituiu a “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” por “Trabalho, Família, Pátria”. Nessa França dos traidores que teve capital em Vichy, o poder do governo fantoche foi uma ilusão momentânea e Pétain acabou (depois da guerra) condenado a prisão perpétua e morreu na prisão.

Como escreveu o nosso Prémio Camões, Manuel António Pina, “Os olhos cobiçosos da Sra. Merkl não são substancialmente diferentes, senão nos processos, dos que uma outra Alemanha deitou há décadas à soberania dos países vizinhos, Grécia Incluída. Taxas de juro usurárias e batalhões de burocratas com certos ‘poderes de decisão’ que reforcem ‘o controlo dos programas e das medidas in loco’ são coisa mais discreta mas não menos arrasadora do que “panzers” e exércitos de ocupação. O seu efeito prático é, porém, o mesmo: a sujeição de um país e de um povo”.

A resposta a esta tentativa de roubar soberania à Grécia teve resposta a preceito por parte do ministro grego das Finanças, Evangelos Venizelos: “Quem põe um povo perante um dilema entre a ajuda financeira e a dignidade nacional, ignora as lições históricas fundamentais”. Recorde-se que a Grécia esteve ocupada pela Alemanha durante a II Guerra Mundial.

O que eu, português, preciso de saber é se temos um governo de Vichy ou um Governo de Lisboa que responda a preceito. Mas começo a desconfiar dos ideais que Lisboa defende quando vejo a desvalorização de datas como o 1º de Dezembro. Esse foi o dia da restauração da nossa independência, o dia em que Miguel Vasconcelos, traidor e colaborador-mor (primeiro-ministro) em nome da ocupação filipina, foi atirado pela janela. E Portugal voltou a ser independente.

José Manuel Rosendo