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terça-feira, 17 de novembro de 2015

Não há bola de cristal no Palácio de Belém, mas parece…

Não há paciência, embora não surpreenda. A mesma “escola” que ignorou Leis e direitos, para cortar salários e pensões (depois da promessa expressa de não o fazer…), e que fez uma interpretação tão abrangente da Constituição que levou a várias medidas chumbadas pelo Tribunal Constitucional, é agora a “escola” que consegue ler na Constituição que o Primeiro-Ministro só pode ser o líder do partido/coligação mais votado. Não há nem uma linha da Constituição que imponha esta solução. Temos assim uma espécie de “escola” que faz pose de Estado e cara séria quando fala do “Estado de Direito” mas que depois manda o Estado de Direito às urtigas. Que se lixe a Constituição se atrapalhar os objectivos políticos.

Não surpreende que o Governo esteja agarrado ao poder. Não surpreende que quem se tenha demitido irrevogavelmente e tenha voltado atrás, esteja agarrado ao poder. Não surpreende que jovens jotas inesperadamente atirados para cargos públicos estejam agarrados ao poder. Face à atitude dos últimos anos, nada disto surpreende. Conhecemos os políticos de quem estamos a falar. Não surpreende até que não consigam perceber que não têm apoio parlamentar para serem de novo Governo, tal como não surpreende que não percebam que há uma maioria de deputados eleitos pelo povo que apoia outra solução de Governo. De facto, sinceramente, nada disto surpreende, porque compreender tudo isto seria compreender a democracia.

Aqui chegados, aquele que tem a obrigação de acabar com este impasse, recusa fazê-lo. Pelo menos demora, prolonga o tempo de jogo. Esta segunda-feira, na Madeira disse que quer ouvir mais pessoas para “recolher o máximo de informação junto daqueles que conhecem a realidade económica política e financeira” para depois decidir; acrescentou que “sabe muito bem o que aconteceu em Portugal quando as orientações adequadas não foram cumpridas”. Quais orientações adequadas? De quem? Cavaco Silva pode ouvir toda a gente, mas o que não pode ignorar é o que resulta das eleições de 4 de Outubro: há uma maioria de deputados que viabiliza um Governo e que esse Governo tem toda a legitimidade democrática.

O Presidente da República pode ouvir quem quiser, tem esse direito e até obrigação, para melhor desempenhar as suas funções. A mais importante dessas funções, no nosso regime democrático, é “cumprir e fazer cumprir a Constituição”. Esse foi o juramento de Cavaco Silva.

O Presidente da República não pode exercer o livre arbítrio em circunstâncias que a Constituição não o permite, isto é, não pode argumentar que o acordo estabelecido entre os partidos à esquerda não vai funcionar. Os deputados dos partidos de esquerda têm a mesmíssima legitimidade do que os deputados dos partidos da direita. A Constituição não atribui ao Presidente da República as funções de vidente relativamente aos acordos que resultam da vontade dos deputados livremente escolhidos pelos portugueses. Ainda não há bola de cristal em Belém. Mas parece…

Pinhal Novo, 17 de Novembro de 2015

josé manuel rosendo

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Primeiro foi o (bicho papão) PREC, agora é 2011… e o perigo do populismo

Ouvir Cavaco Silva é um exercício difícil. A lengalenga é intraduzível. Ora encriptada, ora abstracta e ambígua. Mas há sempre uma conclusão: está tudo bem como está, são necessários entendimentos para manter o rumo, há sinais de que as coisas vão melhorar, nada de precipitações nem de promessas impossíveis e… cuidado com a demagogia e o populismo. Cuidado com o bicho papão!

Olhando para trás, Cavaco Silva diz que não podemos voltar a 2011 (terá querido dizer que os portugueses não devem votar PS?); olhando para a frente avisa contra o populismo e a demagogia. Lembrei-me do tempo (e de outros papões) em que nos diziam que não podíamos voltar ao PREC (foi por essa altura que os Espírito Santo foram ter vida santa para outro lado… voltaram e sabemos no que deu); lembrei-me da chantagem de que os investidores podiam deixar o país e provocar a descapitalização das empresas; lembrei-me das promessas de que Portugal tinha que entrar no Euro porque não podíamos ficar na “segunda divisão da Europa” (terá sido demagogia?). Lembrei-me de tanta coisa ao ouvir cavaco Silva. Lembrei-me de tanta promessa e de tanta demagogia que nos tem sido servida em véspera de eleições pelos tais partidos do “arco da governação”. Chegámos a este estado. Apesar de termos votado de forma “politicamente correcta” por medo do velho papão, apesar de termos entrado no Euro, apesar dos capitalistas não terem fugido ou mesmo terem regressado os que chegaram a ir embora.

Mas Cavaco Silva deve ver as sondagens em Espanha e na Grécia. Os Syrizas, os Podemos, os Blocos de Esquerda, prometem ameaçar as políticas que nos empurraram para uma austeridades castradora e para um desemprego que fere de morte a dignidade humana (o trabalho é um direito, lembram-se?). Não sabemos se um dia, eventualmente chegados ao poder, algum destes partidos políticos vai cumprir a promessa, ou se, independentemente da vontade de o fazer, vai conseguir. Mas há uma coisa que sabemos: assim não dá.

Já todos percebemos que há quem viva muito bem com a actual situação e por isso o problema é mesmo se um dos referidos partidos chega ao poder. Cavaco Silva parece estar alarmado com a real capacidade de um PS receoso dos efeitos do “caso Sócrates” e com um PSD a quem apenas um milagre salvará de uma pesada derrota. Na minha ingenuidade pensava que democracia era isso mesmo: os partidos vão a votos e vence quem for mais votado. Mas parece que não é. E, não sendo, tenho que dizer que os mais perigosos radicais que é possível vislumbrar na vida política portuguesa são aqueles que apenas querem que nada mude e que perante a mínima possibilidade de mudança logo vão ao baú e de lá tiram todos os fantasmas, perspectivando tempestades a cada passo. É o bicho papão a ameaçar comer as criancinhas que se portam mal.

Para além do bicho papão que ameaça a estabilidade deste sistema, em Portugal está ser criado um clima para que as próximas eleições sejam disputadas em torno do caso Sócrates. Para além de estar a ser disseminado o medo perante a esperada subida das forças políticas não-alinhadas com os habituais partidos da governação, há também a construção que coloca o chamado centrão como única possibilidade de escolha: quem defende Sócrates e acha que ele foi alvo de artimanhas por parte do poder vigente vai votar PS (a alegada vítima); quem acha que Sócrates é um bandido e que, se calhar, até já devia estar condenado em julgamento sumário, vai votar PSD (o alegado vilão). Depois ainda vamos ter as sondagens a apresentarem os dois partidos (PS e PSD) muito próximos e a cativar a atenção dos eleitores para essa disputa como se mais nada interessasse.
Por agora, esperemos, mas os spin doctors estão com muito trabalho entre mãos.

josé manuel rosendo

2 de Janeiro de 2015

quinta-feira, 7 de março de 2013

Da “rua-árabe” à “rua-portuguesa”


Já vamos ver o que é que a “rua-portuguesa” pode ter a ver com a “rua-árabe”. Antes disso registemos dois momentos.
Após cinco semanas de silêncio, o Presidente da República (PR) reapareceu inspirado pelas manifestações de 2 de Março: “as vozes que se fizeram ouvir não podem deixar de ser escutadas”. Na reaparição, Cavaco Silva falou dos números do desemprego, do alargamento das situações de pobreza e disse que as manifestações “merecem o maior respeito”. A “situação é verdadeiramente dramática”, disse. Mas também disse que não se sentiu alvo dos manifestantes e que as preocupações dos manifestantes há muito que fazem parte das suas – dele, PR – intervenções públicas. Aqui chegados, Cavaco Silva, que até parecia estar a entender alguma coisa, revelou que não entendeu nada. Ou faz que não entende. Ele é também um alvo das manifestações.
 
 
Quanto ao Primeiro-Ministro (PM) veio dizer (e cito de cor…) que não governa a partir de manifestações de rua e que um primeiro-ministro que o faça não está apto a desempenhar as funções. Pedro Passos Coelho confunde convicção e firmeza (obviamente necessárias a um líder) com cegueira e surdez. Pedro Passos Coelho é líder de um Governo, não é administrador de uma empresa (o que ainda assim tem que se lhe diga, para além dos números…) e por isso devia ouvir o seu povo. Não adianta que repita à exaustão que tem uma maioria parlamentar que o mesmo povo votou. Aliás, se olharmos ao que se passa na rua, esse argumento significa precisamente que alguma coisa mudou. Não será intelectualmente honesto pegar nas manifestações mais recentes para a partir daí dizer, com rigor, que o resultado de eleições realizadas agora seria substancialmente diferente do anterior, mas é nesse ponto – nesse sentir e interpretar, na descodificação dos sinais – que os políticos se diferenciam dos tecnocratas que governam apenas com números e estatísticas.
 
 
Para além disso, depois de rapar o tacho, depois de todos os sacrifícios que tem exigido aos portugueses, um PM que diz que vai cortar mais 4 mil milhões de Euros na despesa do Estado e não diz onde, só pode estar a brincar. Só pode estar a deitar gasolina na fogueira.
Talvez por isso, por tudo o que Pedro Passos Coelho disse e tem feito, João Semedo, do Bloco de Esquerda lançou esta tarde, durante o debate parlamentar, o desafio: “O povo está farto de si, o povo está farto da sua política e do seu governo. Demita-se”. “Não tenha medo de eleições, deixe a democracia falar por si”, disse ainda João Semedo.
 
Aqui chegados, percebe-se que nem o PR nem o PM estão a querer entender o divórcio entre a rua e o actual poder. Não entendem a diferença entre a rua, o povo, e o “Palácio”, esse enquanto símbolo do poder instituído. Vamos às semelhanças entre a “rua-árabe” e a “rua-portuguesa”: a rua, entenda-se opinião pública (não a publicada), está em profundo desacordo com o governo. A “rua-árabe” começou assim a ser designada precisamente porque representava um sentimento diferente daquele que expressavam os governantes, por ser um registo de opinião completamente diferente e oposto ao que nos era dado pelos respectivos líderes árabes. É verdade que esses líderes eram quase todos uns ditadores (que por acaso tinham excelentes relações com os líderes do chamado mundo ocidental…), mas também é verdade que em Portugal atravessamos um momento muito semelhante. Basta ver os cartazes que idosos e outros cidadãos pacíficos exibem para se perceber o divórcio e, pior do que isso, o respeito que o Governo já perdeu. Das palavras de protesto passou-se ao insulto. Das reivindicações passou-se ao pedido de demissão. É a raiva e o ódio do povo em relação aos governantes, expressa em cartazes rudimentares mas que representam um sinal político fortíssimo. Um sinal de que numa rua em chamas não há bombeiro que possa valer ao “Palácio”.
 
Em Portugal não vivemos formalmente numa ditadura, nem o Primeiro-Ministro pode ser acusado de tal, mas que há um fosso enorme entre o que pensa e faz o Governo e o que pensa e quer a “rua-portuguesa”, qualquer político com o mínimo de instinto já percebeu.
 
Foi a “rua-árabe” que fez cair ditadores, vamos ver o que acontece ao actual Governo português perante este profundo desentendimento com a mesma rua que lhe deu o poder. Não era nada má ideia não ter medo de eleições e deixar a democracia falar.
 
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 6 de Março de 2013

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Uma malga de sopa, e vá lá, vá lá…


Estamos num tempo em que o absurdo faz caminho. Passa à bruta, com ares de arrogância e inevitabilidade. Todos os dias as notícias nos surpreendem, sempre no mau sentido. Houve um tempo (quem diria…) quando Paulo Portas fazia o semanário “O Independente”, que alguns políticos (entre eles o então Primeiro-Ministro Cavaco Silva) tremiam à medida que se aproximava cada sexta-feira: era o dia da publicação de O Independente e era quase certo que havia político apanhado num cambalacho. Muitas vezes, políticos com ligações ao poder ou até do núcleo duro. As coisas estão diferentes. Para pior.

Já não há O Independente e agora quem treme e tem insónias somos nós, pessoas comuns, diariamente, com medo do que os jornais vão trazer em título na manhã seguinte: mais um corte, mais um sector afectado, mais uma empresa a fechar portas, mais despedimentos, menos subsídios, menos saúde, menos educação, menos transportes.

Dizem-nos – até a senhora do Banco Alimentar – que estivemos a viver acima das nossas possibilidades. Essa agora… então a maioria de portugueses que vive com os ordenados quase mais miseráveis da União Europeia é que vive acima das suas possibilidades? E aqueles que são os grandes patrões e gestores portugueses que vivem com os melhores ordenados da União Europeia (provocando a maior disparidade em termos de salários, que tem vindo consecutivamente a alargar-se) viveram acima de quê? Alguém, que pague renda de casa, que tenha filhos na escola e que receba mil Euros por mês, aceita que lhe digam que viveu acima das suas possibilidades? Eu acho que é melhor calarem-se com isso porque alguém vai perder a paciência.

Por outro lado criou-se a ideia de que qualquer retribuição que não tenha a forma de salário é uma “regalia” quase de contornos pornográficos. A ideia está ser vendida de forma populista, o povo embarca e aponta o dedo a quem estiver a ser posto em causa. E os homens dos cortes esfregam as mãos. Ninguém se questiona sobre o motivo que leva alguém a ser pago com um carro de serviço ou por que é que alguém tem uma isenção de horário, ou por que é que tem direito a andar sem pagar nos transportes públicos, ou por que é que alguns trabalhadores numa determinada empresa têm subsídio de assiduidade.

Alguns demagogos de serviço esgrimem argumentos destes como se o mundo estivesse a começar agora e não houvesse um passado que é preciso entender. Marques Mendes é um deles. Descaradamente nunca explicou nenhum processo negocial de uma empresa onde esse subsídio de assiduidade esteja a ser atribuído. E da mesma forma que um dia perguntou por que é que os trabalhadores que são pagos para trabalhar ainda têm um subsídio de assiduidade, não teve a coragem de perguntar por que é que (alguns) gestores que são pagos para gerir têm prémios de gestão escandalosos. E o povo embarca. E os homens dos cortes esfregam as mãos.

Este é o país que não entende que não pode viver sem universidades dignas que sirvam as pessoas independentemente do que possam pagar, sem hospitais que não recusem tratamentos ou empurrem doentes de uns para os outros para pouparem uns euros nos tratamentos, sem forças militares, sem instituições que nos caracterizem enquanto país e enquanto o Estado Nação com as fronteiras mais antigas da Europa.

Não tarda e vai chegar o tempo em que qualquer remuneração acima do salário mínimo seja considerada acima das possibilidades do país e das empresas. E os homens dos cortes voltarão a esfregar as mãos. Estaremos então no tempo da malga de sopa por um dia de trabalho.

Palavra de honra que me apetece dizer – embora saiba que não o devo fazer – que tenho vergonha e pena deste país.

josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 8 de Novembro de 2012