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quinta-feira, 7 de março de 2013

Da “rua-árabe” à “rua-portuguesa”


Já vamos ver o que é que a “rua-portuguesa” pode ter a ver com a “rua-árabe”. Antes disso registemos dois momentos.
Após cinco semanas de silêncio, o Presidente da República (PR) reapareceu inspirado pelas manifestações de 2 de Março: “as vozes que se fizeram ouvir não podem deixar de ser escutadas”. Na reaparição, Cavaco Silva falou dos números do desemprego, do alargamento das situações de pobreza e disse que as manifestações “merecem o maior respeito”. A “situação é verdadeiramente dramática”, disse. Mas também disse que não se sentiu alvo dos manifestantes e que as preocupações dos manifestantes há muito que fazem parte das suas – dele, PR – intervenções públicas. Aqui chegados, Cavaco Silva, que até parecia estar a entender alguma coisa, revelou que não entendeu nada. Ou faz que não entende. Ele é também um alvo das manifestações.
 
 
Quanto ao Primeiro-Ministro (PM) veio dizer (e cito de cor…) que não governa a partir de manifestações de rua e que um primeiro-ministro que o faça não está apto a desempenhar as funções. Pedro Passos Coelho confunde convicção e firmeza (obviamente necessárias a um líder) com cegueira e surdez. Pedro Passos Coelho é líder de um Governo, não é administrador de uma empresa (o que ainda assim tem que se lhe diga, para além dos números…) e por isso devia ouvir o seu povo. Não adianta que repita à exaustão que tem uma maioria parlamentar que o mesmo povo votou. Aliás, se olharmos ao que se passa na rua, esse argumento significa precisamente que alguma coisa mudou. Não será intelectualmente honesto pegar nas manifestações mais recentes para a partir daí dizer, com rigor, que o resultado de eleições realizadas agora seria substancialmente diferente do anterior, mas é nesse ponto – nesse sentir e interpretar, na descodificação dos sinais – que os políticos se diferenciam dos tecnocratas que governam apenas com números e estatísticas.
 
 
Para além disso, depois de rapar o tacho, depois de todos os sacrifícios que tem exigido aos portugueses, um PM que diz que vai cortar mais 4 mil milhões de Euros na despesa do Estado e não diz onde, só pode estar a brincar. Só pode estar a deitar gasolina na fogueira.
Talvez por isso, por tudo o que Pedro Passos Coelho disse e tem feito, João Semedo, do Bloco de Esquerda lançou esta tarde, durante o debate parlamentar, o desafio: “O povo está farto de si, o povo está farto da sua política e do seu governo. Demita-se”. “Não tenha medo de eleições, deixe a democracia falar por si”, disse ainda João Semedo.
 
Aqui chegados, percebe-se que nem o PR nem o PM estão a querer entender o divórcio entre a rua e o actual poder. Não entendem a diferença entre a rua, o povo, e o “Palácio”, esse enquanto símbolo do poder instituído. Vamos às semelhanças entre a “rua-árabe” e a “rua-portuguesa”: a rua, entenda-se opinião pública (não a publicada), está em profundo desacordo com o governo. A “rua-árabe” começou assim a ser designada precisamente porque representava um sentimento diferente daquele que expressavam os governantes, por ser um registo de opinião completamente diferente e oposto ao que nos era dado pelos respectivos líderes árabes. É verdade que esses líderes eram quase todos uns ditadores (que por acaso tinham excelentes relações com os líderes do chamado mundo ocidental…), mas também é verdade que em Portugal atravessamos um momento muito semelhante. Basta ver os cartazes que idosos e outros cidadãos pacíficos exibem para se perceber o divórcio e, pior do que isso, o respeito que o Governo já perdeu. Das palavras de protesto passou-se ao insulto. Das reivindicações passou-se ao pedido de demissão. É a raiva e o ódio do povo em relação aos governantes, expressa em cartazes rudimentares mas que representam um sinal político fortíssimo. Um sinal de que numa rua em chamas não há bombeiro que possa valer ao “Palácio”.
 
Em Portugal não vivemos formalmente numa ditadura, nem o Primeiro-Ministro pode ser acusado de tal, mas que há um fosso enorme entre o que pensa e faz o Governo e o que pensa e quer a “rua-portuguesa”, qualquer político com o mínimo de instinto já percebeu.
 
Foi a “rua-árabe” que fez cair ditadores, vamos ver o que acontece ao actual Governo português perante este profundo desentendimento com a mesma rua que lhe deu o poder. Não era nada má ideia não ter medo de eleições e deixar a democracia falar.
 
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 6 de Março de 2013

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Não há respeito porque não há legitimidade


O respeito por alguém é um sentimento muito profundo. Numa breve reflexão rapidamente encontramos pessoas ou instituições que nos merecem grande respeito. Pelas suas acções, pelas suas atitudes, pela sua legitimidade quando fazem ou dizem alguma coisa. Ou porque têm um percurso coerente, ou porque têm sido fiéis a princípios com os quais concordamos, ou porque lhes foi confiada uma responsabilidade que souberam merecer, ou porque têm sapiência reconhecida nas matérias que tratam, ou porque são homens e mulheres íntegros. Ser íntegro é algo fácil de definir: honestidade, saber, educação e, em casos de liderança, ter a capacidade de tomar decisões aceitando isso como uma responsabilidade e não como um poder que serve para humilhar terceiros ou atingir objectivos egoístas. Por vezes confunde-se aquilo que habitualmente designamos por boa-educação com essa integridade que se exige a quem lidera.
 
Na mesma breve reflexão também não demoramos a encontrar alguém que não nos merece respeito nenhum. Seja pela licenciatura obtida de forma duvidosa, seja pelas negociatas nada transparentes, seja pela facilidade com que hoje diz uma coisa e amanhã diz exactamente o contrário.
 
Ouvir alguém atentamente, fazer um cumprimento quando se chega e quando se parte, falar num tom calmo, ser cordial, são características insuficientes para alguém se dar ao respeito e para merecer esse respeito. Quantos canalhas não andam por aí que reúnem as características que atrás referi, usam colarinho branco e gravata de seda, e não passam de pulhas da pior espécie. Também os há sem colarinho branco e gravata de seda.
 
Ganhamos respeito a uma pessoa ou a uma instituição quando as suas acções vão ao encontro daquilo que esperamos delas; quando essas acções transcendem a esfera do egoísmo e do amiguismo; quando são acções que beneficiam a comunidade em detrimento de interesses particulares; quando são acções que nos ajudam a desenvolver e crescer enquanto comunidade: quando são acções que defendem os que têm menos defesas; quando são acções que têm a coragem de atacar os mais poderosos. São essas acções, difíceis, que tornam respeitadas as pessoas e as instituições.
 
Registei, há já algum tempo, durante um debate no Parlamento, quando Manuela Ferreira Leite ainda era deputada, uma frase da antiga líder do PSD que é reveladora da confusão de valores. Dizia Manuela Ferreira Leite (mais ou menos desta forma que cito de memória…), respondendo a um deputado de uma outra bancada parlamentar, “lá em casa os seus (do deputado visado nesta intervenção) filhos têm-lhe respeito porque é o senhor que paga as contas”. O deputado visado não respondeu mas eu teria respondido que mal vai Manuela Ferreira Leite se apenas se consegue dar ao respeito porque paga as contas. Este tipo de pensamento revela que se perdeu o sentido da legitimidade da função/cargo. A legitimidade e o respeito não derivam apenas do poder de pagar as contas ou de se exercer determinadas funções. Legitimidade e respeito constroem-se e, depois de se chegar a determinadas funções de forma merecida e transparente, trabalham-se, e de preferência melhoram-se.
 
Chegar ao governo – dando de barato que as eleições ainda são verdadeiramente democráticas – significa chegar a um poder legítimo, mas se depois de chegar ao poder os governantes renegam tudo o que prometeram para conseguir o voto do povo, essa legitimidade perde-se. Não há matemática eleitoral que a sustente porque o poder que o povo entregou aos governantes foi entregue com base em premissas – promessas eleitorais – que depois não são cumpridas. O governo perde a legitimidade e perde o respeito do povo.
 
E é por isso que o povo saiu à rua a chamar “gatunos”, “chulos”, “vigaristas” e mais uma longa lista de insultos aos membros do governo. E é por isso, porque sente que já não tem o respeito das pessoas, que os ministros saem à rua numa redoma de segurança, entrando e saindo por portas das traseiras, são insultados durante os discursos e até algumas cerimónias oficiais que não têm significado sem a presença do povo, são efectuadas em locais recatados, fechados e fortemente guardados.
 
Um governo sem legitimidade, que não merece respeito, já não é um governo, é uma espécie de onze jogadores num campo de futebol, sem treinador nem suplentes no banco, a perder por 5-0 e a desejar que o árbitro dê o jogo por terminado. O pior é que o árbitro deste jogo até tem medo de levar o apito à boca…
 
Obrigado
José Manuel Rosendo
Pinhal Novo, 15 de Outubro de 2012