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terça-feira, 2 de junho de 2020

A parvoíce na política ou o resultado de lideranças como as de Trump e Bolsonaro?


As pessoas têm o direito de pensar o que muito bem entenderem, desde que – linha vermelha – esse pensamento não tenha por objectivo aniquilar o pensamento e a liberdade dos outros. Parece razoável, ou não? Dito isto, acrescente-se que é real o perigo desta linha ser ultrapassada e não pode haver distracções.

Olhamos para o outro lado do Atlântico e o cenário é desgraçado: um Brasil entregue a quem nunca se cansou de elogiar a ditadura militar que durante duas décadas amordaçou os brasileiros; um Presidente cujas atitudes e boçalidade desprestigiam a função e o país; um governo cujos argumentos e atitudes, reveladas sem filtro num vídeo de uma dessas reuniões de governo, mostram bem a quem o Brasil está entregue.

Mais a norte, a desgraça é semelhante. Embora com uma democracia mais consolidada do que o Brasil, os Estados Unidos da América atravessam uma das suas piores crises, provocada e alimentada precisamente por aquele que deveria ser o primeiro a defender o regime democrático. A forma como está a lidar com o assassínio de George Floyd é um exemplo flagrante de um Presidente incapaz. Ainda há poucas horas fez-se fotografar de Bíblia na mão junto a um templo que tinha sido alvo de manifestantes. Nos Estados Unidos, tal como no Brasil, a pandemia foi desvalorizada e as alarvidades presidenciais confirmaram o que já se sabia de outros momentos: a inaptidão de Donald Trump para estar na Casa Branca, agravada com o descrédito internacional provocado pelo abandono de Tratados e Acordos com os quais os Estados Unidos estavam comprometidos.

Acontece que estes dois homens, Trump e Bolsonaro (que sabem muito bem o que querem), foram eleitos. Foram escolhidos em eleições das quais não há notícia de fraude que ponha em causa o resultado. Mas isso não significa uma carta-branca para fazerem tudo o que quiserem durante o mandato; ser eleito democraticamente não pode traduzir-se num mandato prepotente, de contornos autocráticos ou até ditatoriais. Não por acaso, em regimes democráticos, mesmo após eleições que lhes garantem apoios maioritários, há governos que não chegam ao fim das legislaturas. Isso acontece porque quebram o contrato com que foram eleitos ou porque ao longo do caminho não dão as respostas que a sociedade espera e precisa. A indignação das pessoas pode surgir a qualquer momento, indiferente aos calendários eleitorais.

Em Portugal, o que mais surpreende é que líderes como Trump e Bolsonaro continuem a ser considerados bons exemplos e a terem seguidores fiéis entre alguns políticos e comentadores. Geralmente, quem apoia um também apoia o outro. Apesar de todas as pulhices e falta de sentido de Estado que estes dois homens têm revelado, há em Portugal, à direita, quem encontre argumentos para os defender e até desviar atenções do que é essencial, culpando antecessores ou “inimigos externos” por tudo o que acontece nos Estados Unidos e no Brasil.

Em Portugal, encontramos, à direita, aqueles que começaram por apoiar Trump (e continuam) porque Barack Obama era quase um perigoso esquerdista e os que começaram por apoiar Bolsonaro (e continuam) porque consideram Lula e Dilma uma dupla de corruptos. Esta direita é aquela para a qual todos os argumentos servem e tudo é bom desde que não seja de esquerda. Encontramos também os que arrepiaram caminho, percebendo que nenhum deles (Trump e Bolsonaro) é solução para coisa alguma, e percebendo ainda que com lideranças assim a direita tem mais a perder do que a ganhar. Esses assumiram a discordância ou calaram-se. Encontramos por fim os que, escondidos ou dissimulados durante bastante tempo, encontraram finalmente as duas estrelas que lhes iluminam o caminho. São estas, podiam ser outras mas isso não interessa porque esta direita pode, finalmente, já sem pudor ou travão nas palavras, dizer abertamente o que pensa.

Sem falsos moralismos e com a consciência de que a luta política é, por vezes, feroz e “sem quartel”, o que as pessoas normais pretendem é apenas que Esquerda e Direita sejam civilizadas, que se batam por ideias e por aquele que entendem ser o melhor para o país, mas sempre com respeito, com cordialidade, sem violência física, sem ver a polícia a reprimir manifestações de forma violenta, com saber-estar, com elevação, sem arruaça nem boçalidade, sem arremedos de autoritarismo, sem desprezo pela Liberdade e pelos Direitos Humanos.

Se as pessoas não se sentirem enganadas e traídas, cansadas de promessas não cumpridas, cansadas de ver o país saqueado por gente nunca castigada, cansadas de promiscuidade e falta de transparência... se as pessoas não se sentirem assim, nunca votarão em líderes populistas e incendiários que apenas poderão agravar os problemas e nunca resolvê-los.

O que permitiu vitórias eleitorais nos Estados Unidos e no Brasil, dificilmente (nem com a ajuda de Steve Bannon) funcionará em Portugal, onde, mesmo com a memória do fascismo ainda bem presente, é surpreendente que exista, à direita, quem não consiga descolar de exemplos como os de Trump e Bolsonaro, julgando que isso vai render, algum dia, os dividendos pretendidos. À falta de melhor designação, parece uma parvoíce, e será bom que nenhuma noite eleitoral venha provar o contrário.

Neste momento, a esquerda (diversa e plural, e até com protagonistas que se estivessem à direita não se notaria a diferença...) tem a responsabilidade de não permitir que algum sentimento maior de desilusão leve as pessoas a preferirem líderes populistas e nefastos. Será bom que a esquerda não se convença que é suficiente confiar que irá prevalecer o bom-senso no momento das eleições. O diabo conhece atalhos.

Pinhal Novo, 2 de Junho de 2020
josé manuel rosendo

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Não há bola de cristal no Palácio de Belém, mas parece…

Não há paciência, embora não surpreenda. A mesma “escola” que ignorou Leis e direitos, para cortar salários e pensões (depois da promessa expressa de não o fazer…), e que fez uma interpretação tão abrangente da Constituição que levou a várias medidas chumbadas pelo Tribunal Constitucional, é agora a “escola” que consegue ler na Constituição que o Primeiro-Ministro só pode ser o líder do partido/coligação mais votado. Não há nem uma linha da Constituição que imponha esta solução. Temos assim uma espécie de “escola” que faz pose de Estado e cara séria quando fala do “Estado de Direito” mas que depois manda o Estado de Direito às urtigas. Que se lixe a Constituição se atrapalhar os objectivos políticos.

Não surpreende que o Governo esteja agarrado ao poder. Não surpreende que quem se tenha demitido irrevogavelmente e tenha voltado atrás, esteja agarrado ao poder. Não surpreende que jovens jotas inesperadamente atirados para cargos públicos estejam agarrados ao poder. Face à atitude dos últimos anos, nada disto surpreende. Conhecemos os políticos de quem estamos a falar. Não surpreende até que não consigam perceber que não têm apoio parlamentar para serem de novo Governo, tal como não surpreende que não percebam que há uma maioria de deputados eleitos pelo povo que apoia outra solução de Governo. De facto, sinceramente, nada disto surpreende, porque compreender tudo isto seria compreender a democracia.

Aqui chegados, aquele que tem a obrigação de acabar com este impasse, recusa fazê-lo. Pelo menos demora, prolonga o tempo de jogo. Esta segunda-feira, na Madeira disse que quer ouvir mais pessoas para “recolher o máximo de informação junto daqueles que conhecem a realidade económica política e financeira” para depois decidir; acrescentou que “sabe muito bem o que aconteceu em Portugal quando as orientações adequadas não foram cumpridas”. Quais orientações adequadas? De quem? Cavaco Silva pode ouvir toda a gente, mas o que não pode ignorar é o que resulta das eleições de 4 de Outubro: há uma maioria de deputados que viabiliza um Governo e que esse Governo tem toda a legitimidade democrática.

O Presidente da República pode ouvir quem quiser, tem esse direito e até obrigação, para melhor desempenhar as suas funções. A mais importante dessas funções, no nosso regime democrático, é “cumprir e fazer cumprir a Constituição”. Esse foi o juramento de Cavaco Silva.

O Presidente da República não pode exercer o livre arbítrio em circunstâncias que a Constituição não o permite, isto é, não pode argumentar que o acordo estabelecido entre os partidos à esquerda não vai funcionar. Os deputados dos partidos de esquerda têm a mesmíssima legitimidade do que os deputados dos partidos da direita. A Constituição não atribui ao Presidente da República as funções de vidente relativamente aos acordos que resultam da vontade dos deputados livremente escolhidos pelos portugueses. Ainda não há bola de cristal em Belém. Mas parece…

Pinhal Novo, 17 de Novembro de 2015

josé manuel rosendo

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Equação impossível.

Definição aceitável: Equações são letras e números que contam histórias. Essas letras e esses números representam pessoas, acontecimentos, locais e os sinais (de menos, mais, etc.) representam as acções ou circunstâncias que rodeiam os intervenientes na equação. Numa equação, as premissas são os pressupostos (os dados) que, conjugados, conduzem a um resultado.
Ponto prévio: não venham com a conversa de que as ideologias morreram. Elas estão aí! Renovadas, actualizadas, maquilhadas, o que se queira, mas estão aí, e num momento de crise que é também uma encruzilhada, o pior perigo é o de se pretender fazer crer que as opções políticas não têm uma base ideológica. Têm!
 
Outro perigo: os políticos são todos iguais. Não são. Pelo menos num ponto eles são substancialmente diferentes: uns estiveram (ou estão) no poder e outros nunca por lá passaram. E mesmo entre os que estiveram no poder, acredito que há gente séria e honesta. Mas aqueles que andaram nos BPN’s (de forma activa ou como rectaguarda político-judicial), nas PPP’s, nos Submarinos, nos Freeport’s e afins, esses são a face visível daquilo que o sistema tem de mais sombrio. E há partidos políticos que lhes deram guarida. Depois dos escândalos, esses partidos – que deviam ser apenas a expressão política organizada de um conjunto de cidadãos em defesa de determinados princípios, ideias e modelo de sociedade – funcionaram como uma espécie de irmandade, tentando ocultar e diluir responsabilidades, de modo a não deixar que os respectivos partidos políticos fossem chamuscados devido aos casos em que alguns dos seus membros ilustres estavam/estão envolvidos. São os tentáculos do Sistema.
 
Perante isto, o que fazem os cidadãos do meu país quando são chamados às urnas? Confesso que não sei porque o fazem, mas a realidade mostra que dão a maioria dos votos precisamente aos partidos que têm andado envolvidos nos esquemas e trapalhadas atrás referidos. Até podemos ser levados a pensar que os portugueses gostam de premiar a aldrabice. E, com frequência, a alternância das memas forças políticas no poder assenta quase sempre no mesmo argumento: é preciso apear uns, porque são maus, para dar o poder aos outros, que foram igualmente apeados por serem maus, mas entretanto passou tempo suficiente para o povo esquecer. Como se não houvesse alternativas. E o mais dramático é que a maioria dá o voto aos que já deram provas de governar mal e poucos dão o voto aos que nunca tiveram oportunidade de governar.
Esta atitude, aliada à ideia de que os políticos são todos iguais, de que as ideologias morreram e de que apenas alguns estão preparados para governar, são as premissas de uma equação que só pode ter um resultado: aquele que estamos a viver. Uma desgraça.
 
Entendo sem dificuldade o erro na escolha, o engano, a ilusão. Talvez entenda mais do que uma vez. Mas, sempre? Eleição após eleição?
 
Recordo-me, sempre que penso nesta questão, de uma reportagem (se não me engano…) de Paulo Dentinho (RTP) aquando das recentes eleições presidenciais francesas. Num bar (restaurante?) de Paris, onde havia muitos portugueses, um deles disse convictamente que votaria Marine Le Pen (candidata da Frente Nacional, de direita) porque era uma mulher de esquerda. É muito parecido com o que se passa em Portugal. Os portugueses votaram à direita e ficaram à espera de políticas de esquerda; votaram à direita e depois contestam as ferozes políticas ultra-liberais que estão a ser postas em prática; votaram à direita e reivindicam melhores serviços públicos; votaram à direita e querem políticas de emprego; votaram à direita e… há aqui alguém que está enganado.
 
Para que as últimas manifestações de rua, principalmente a de 15 de Setembro, sejam consequentes, as próximas eleições terão que traduzir algo de muito diferente em relação aos últimos anos. Aguardemos.
 
Obrigado
José Manuel Rosendo
Pinhal Novo, 5 de Outubro de 2012