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quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Uma malga de sopa, e vá lá, vá lá…


Estamos num tempo em que o absurdo faz caminho. Passa à bruta, com ares de arrogância e inevitabilidade. Todos os dias as notícias nos surpreendem, sempre no mau sentido. Houve um tempo (quem diria…) quando Paulo Portas fazia o semanário “O Independente”, que alguns políticos (entre eles o então Primeiro-Ministro Cavaco Silva) tremiam à medida que se aproximava cada sexta-feira: era o dia da publicação de O Independente e era quase certo que havia político apanhado num cambalacho. Muitas vezes, políticos com ligações ao poder ou até do núcleo duro. As coisas estão diferentes. Para pior.

Já não há O Independente e agora quem treme e tem insónias somos nós, pessoas comuns, diariamente, com medo do que os jornais vão trazer em título na manhã seguinte: mais um corte, mais um sector afectado, mais uma empresa a fechar portas, mais despedimentos, menos subsídios, menos saúde, menos educação, menos transportes.

Dizem-nos – até a senhora do Banco Alimentar – que estivemos a viver acima das nossas possibilidades. Essa agora… então a maioria de portugueses que vive com os ordenados quase mais miseráveis da União Europeia é que vive acima das suas possibilidades? E aqueles que são os grandes patrões e gestores portugueses que vivem com os melhores ordenados da União Europeia (provocando a maior disparidade em termos de salários, que tem vindo consecutivamente a alargar-se) viveram acima de quê? Alguém, que pague renda de casa, que tenha filhos na escola e que receba mil Euros por mês, aceita que lhe digam que viveu acima das suas possibilidades? Eu acho que é melhor calarem-se com isso porque alguém vai perder a paciência.

Por outro lado criou-se a ideia de que qualquer retribuição que não tenha a forma de salário é uma “regalia” quase de contornos pornográficos. A ideia está ser vendida de forma populista, o povo embarca e aponta o dedo a quem estiver a ser posto em causa. E os homens dos cortes esfregam as mãos. Ninguém se questiona sobre o motivo que leva alguém a ser pago com um carro de serviço ou por que é que alguém tem uma isenção de horário, ou por que é que tem direito a andar sem pagar nos transportes públicos, ou por que é que alguns trabalhadores numa determinada empresa têm subsídio de assiduidade.

Alguns demagogos de serviço esgrimem argumentos destes como se o mundo estivesse a começar agora e não houvesse um passado que é preciso entender. Marques Mendes é um deles. Descaradamente nunca explicou nenhum processo negocial de uma empresa onde esse subsídio de assiduidade esteja a ser atribuído. E da mesma forma que um dia perguntou por que é que os trabalhadores que são pagos para trabalhar ainda têm um subsídio de assiduidade, não teve a coragem de perguntar por que é que (alguns) gestores que são pagos para gerir têm prémios de gestão escandalosos. E o povo embarca. E os homens dos cortes esfregam as mãos.

Este é o país que não entende que não pode viver sem universidades dignas que sirvam as pessoas independentemente do que possam pagar, sem hospitais que não recusem tratamentos ou empurrem doentes de uns para os outros para pouparem uns euros nos tratamentos, sem forças militares, sem instituições que nos caracterizem enquanto país e enquanto o Estado Nação com as fronteiras mais antigas da Europa.

Não tarda e vai chegar o tempo em que qualquer remuneração acima do salário mínimo seja considerada acima das possibilidades do país e das empresas. E os homens dos cortes voltarão a esfregar as mãos. Estaremos então no tempo da malga de sopa por um dia de trabalho.

Palavra de honra que me apetece dizer – embora saiba que não o devo fazer – que tenho vergonha e pena deste país.

josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 8 de Novembro de 2012

domingo, 4 de novembro de 2012

Para que quero eu um governo assim?


 
Tentar perceber o que se passa à nossa volta é cada vez mais difícil. Depois de cortes e mais cortes e com um Orçamento do Estado já aprovado na generalidade, mas ainda no Parlamento, o governo vem falar num corte de mais 4 mil milhões de Euros; para que se saiba onde e como, manda recado por um antigo líder do PSD – Marques Mendes na TVI24 disse em que Ministérios e em que áreas é possível o Estado não gastar os tais 4 mil milhões. De facto, Marques Mendes não disse bem isso: disse alguns Ministérios onde apresentou o corte como um corte puro – menos serviços na Defesa, Justiça e Segurança – mas depois referiu as áreas onde o Estado deve reduzir a presença (segurança social, saúde, educação…) mas onde, mesmo que passe a haver gestão privada, será o Estado a pagar. Isso Marques Mendes não disse.
 
Até aqui nada de novo: estar atento implica já saber que os cortes não irão parar até o povo aceitar trabalhar por uma malga de sopa aguada e até o Estado estar estraçalhado e servido numa bandeja aos grandes interesses privados. Em saldo, porque os tempos são de sacrificio para a generalidade das pessoas, mas também são tempos de excelentes negócios para os grandes grupos económicos.
 
Paralelamente a esta revelação, Marques Mendes anunciou que os técnicos da troika já estão em Portugal para assessorar o governo nos cortes a fazer para se conseguir os tais 4 mil milhões de Euros. E foi aqui que os meus neurónios se baralharam. Então, o governo do meu país precisa, alegadamente, de fazer um corte de 4 mil milhões de Euros e não sabe como nem onde? Então, quem está a governar o quê? Então, precisamos de uns tecnocratas vindos não sei de onde para dizerem ao governo do meu país onde é que deve reduzir serviços e funcionários para atingir os objectivos do corte? Longe vão os tempos em que um jovem líder partidário tinha um projecto e uma ideia para o país; longe vão os tempos das promessas de não aumentar impostos, de não retirar subsídios de férias e de natal. Ou será que a presença dos tecnocratas serve para o governo lavar as mãos e dizer que os cortes foram impostos pela troika ou que foi a troika que disse as áreas onde se devia cortar? Confusão. Kafka puro. Somos condenados sem saber porquê nem por quem.
 
Depois da balbúrdia cerebral eu só precisava de uma resposta: para que quero eu um governo assim? E gostava também de saber se todos os 2.813.729 portugueses que votaram nos partidos deste governo estão de acordo com tudo isto e se ainda acreditam nesta trapalhada que estamos a viver e nos principezinhos que nos governam. É que este governo fez promessas que não cumpriu, fazendo precisamente o oposto – logo, mentiu.
 
Ao mesmo tempo que faz aprovar um Orçamento do Estado e convida o PS para um consenso que, então sim, seria idílico, o governo já estava sentado à mesa com os tais tecnocratas da troika para saber que Estado vai ficar desenhado depois de mais um corte de 4 mil milhões de Euros. Coelho e Seguro trocam cartas. Há arrufos em público, mas o povo não tem acesso às tais cartas (serão de escárnio e mal-dizer ou serão cartas de amor?).
 
Quando entramos no reino do absurdo qualquer cidadão inteligente – entenda-se inteligência a capacidade de fazer um raciocínio lógico com a informação disponível – que não tenha lido Kafka sente-se perdido. E ler Kafka não é leitura obrigatória para que alguém seja inteligente. O problema para nós, portugueses que ficam em Portugal, é que este absurdo trata do nosso quotidiano e do nosso futuro. Olhando para o Processo político ficamos com a certeza de que quem nos lidera tem Kafka à cabeceira. Kafka e, já agora, Maquiavel, porque aspirantes a Príncipe não faltam, devendo no entanto reler a obra porque Maquiavel aconselhou o príncipe a ter exércitos próprios para atingir os objectivos a que se propunha. Os “nossos” príncipes não têm exército e só mantêm o poder porque esta plebe ainda não se apercebeu disso.
 
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 4 de Novembro de 2012