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sábado, 23 de julho de 2016

A Europa à nora…

O céu está a cair-nos em cima e ninguém sabe a resposta a dar. Paris, Bruxelas, Nice, Baviera, Munique… casos diferentes que muita da alarvidade à solta tenta colocar no mesmo saco. Mesmo sem haver – à hora a que escrevo – dados concretos (no caso de Munique), as expressões mais utilizadas são “estado islâmico”, “lobo solitário”, “daesh”. É o que está a dar. Estas expressões provocam medo, então há que prender as audiências, mesmo que seja a alimentar esse medo. Em muitos casos, a contenção e o cepticismo, pilares aconselháveis ao jornalismo que tenta ser rigoroso, é atirado às urtigas.

Os casos dos últimos meses dizem-nos que a Europa está verdadeiramente à nora. Olha desconfiada por cima do ombro depois de ter dado conta de que a realidade mundial, da qual – queira ou não – faz parte, está a bater à porta. Foram cometidos erros estratégicos, não da União Europeia – porque não existe enquanto região com uma política externa – mas das suas principais potências: França, Itália, Reino Unido e Alemanha. Pensava esta Europa que as guerras eram lá longe. Esqueceu-se que tem fomentado ódios e alimentado inimizades fortes. 

Não vão longe os tempos em que alguns dos principais líderes europeus entravam na “corte” de muitos ditadores no Médio Oriente e em África, que por sua vez visitavam a Europa. A saga continua. Em nome da estabilidade (não interessa a que preço) que os investidores reivindicam e os mercados agradecem, porque há interesses (negócios) que é preciso salvaguardar. O velho ditado “o que é barato sai caro” aplica-se que nem uma luva. Fazem as negociatas – petróleo, pedras preciosas, metais raros, armas – arrecadam o lucro, e quem vier atrás há-de fechar a porta. Esta é a visão de curto prazo, fruto de uma política de fracos políticos sem visão de futuro nem visão do mundo.

Os eurocratas dos salões dourados e dos hotéis de 5 estrelas das muitas capitais, cujos interesses são ditados pelo FMI, Goldman Sachs e afins, não conhecem as ruas (sejam elas na Europa, no Médio Oriente ou em qualquer outro lado) onde nasce a raiva e o ódio. É por isso que depois não percebem o que nos acontece. Quem não percebe não consegue encontrar soluções.

A única Política que existe na Europa é a do dinheiro, seja na área financeira ou económica. Nada mais. Aliás, a interiorização de um bem-estar conquistado (embora apenas para alguns…) afasta os cidadãos da necessidade de olhar para o Mundo com a consciência de que a Europa faz parte desse mundo e tem de ter uma política externa definida para enfrentar estas crises e alterar a percepção que dá origem à ameaça.

Infelizmente, para a formação da nossa opinião pública o nível de alguns políticos é muito semelhante ao de muitos comentadores que preenchem o nosso espaço mediático. Andaram na mesma escola, não conseguem pensar fora dos padrões em vigor. Por vezes até, parecem falar de uma realidade paralela. Ouvi-los, é quase como ir ao hospital por causa de uma dor de cabeça e ter um ortopedista a fazer o diagnóstico.

Pinhal Novo, 22 de Julho de 2016

josé manuel rosendo

sábado, 9 de julho de 2016

É de admirar que haja um “Monroe” em Moscovo?


Ainda não há muito tempo o Presidente dos Estados Unidos tratava o Presidente da Rússia como "o meu amigo Medvedev" e o próprio Medvedev admitia que a adesão da Rússia à Nato era “um tópico aberto para debate se houver boa vontade e desejo" da parte dos membros da NATO (ver Expresso online 20.11.2010). Foi na Cimeira da NATO, em Lisboa. A Rússia era parceiro. Era o tempo da NATO redefinir estratégias, de falar em “operações fora de área” e de um comprehensive aproach para tentar sair sem mais problemas do Afeganistão. Não passou muito tempo, mas muita coisa mudou.

Os Estados Unidos “acabaram” com a sua presença nas guerras no Iraque e no Afeganistão mas continuam envolvidos nesses países; a organização Estado Islâmico incendiou grande parte do Médio Oriente e Norte de África; a Rússia anexou a Crimeia e a Ucrânia está em guerra; a Europa enfrenta atentados e uma possibilidade de desagregação da União Europeia; vários países da Europa de Leste olham para a NATO como a alternativa à influência de Moscovo.

É com este pano de fundo que os líderes dos países da NATO vão estar reunidos (8 e 9 de Julho) na Polónia. É com este pano de fundo que analistas e comentadores vão tecer as teorias que estabelecem quem está no campo dos “bons” e quem está no campo dos “maus”.

Mas em termos de Política Internacional utilizar essa denominação, mesmo sem ser de forma explícita, é o primeiro passo para não entender o grande jogo do xadrez mundial. Desde logo convém lembrar que há coisa de dois séculos atrás os Estados Unidos tinham uma “Doutrina Monroe” que estabelecia uma barreira às potências que pensassem em aproximar-se dos países das Américas que tinham chegado à independência. Basicamente, os Estados Unidos – recentemente chegados à independência – reivindicavam o direito de ter uma palavra a dizer em tudo o que se passasse no continente americano. Os Impérios desse tempo, reunidos em Alianças diversas, tinham obviamente interesses opostos. Era assim há 200 anos e assim continua. O exemplo de Cuba é um caso flagrante.

Questões geográficas, território, influência política e, mais recentemente económica como é o caso da Alemanha dentro da própria Europa, determinam as políticas externas. É o caso da Rússia neste momento. Desfeita a União Soviética, a Rússia procura recuperar influência e, naturalmente, opõe-se à influência alheia em zonas onde julga ter o direito de ser a potência reconhecida. Se há 200 anos os Estados Unidos acharam natural reivindicar o direito de ter influência directa em todo o continente americano, não parece nada de estranhar que a Rússia queira hoje ter influência em países da sua vizinhança próxima, relativamente aos quais, ainda há meia-dúzia de anos, era uma quase potência imperial. Foi também por isso que a Rússia entrou abertamente na guerra na Síria. Também aí as potências disputam influência. É apenas isso, ter influência, seja ela política, económica ou militar.

No campo das Relações Internacionais é tão fácil encontrar analistas que defendem que a Doutrina Monroe há muito foi sepultada como é fácil encontrar quem defenda que essa Doutrina sofreu sucessivas adaptações e continua activa, até com adaptações que estendem a sua área de aplicação a quase todo o mundo, com excepção, obviamente, dos inimigos a que se opõe.

Não é igualmente difícil encontrar quem defenda que a guerra-fria não terminou e que a Rússia procura recuperar o poder e a influência que a União Soviética teve em tempos idos.

É por vezes mais difícil encontrar quem analise estes jogos de poder sem querer entender – e sem querer que os outros entendam – que é “apenas” de poder que se trata e que, quando se trata de conquistar poder e influência, a atitude dos Estados é muito semelhante.

Quanto à Europa, volta a precisar da NATO. A Estratégia Global Europeia apresentada recentemente por Federica Mogherini diz isso mesmo: a NATO é o pilar principal da segurança europeia. Para além de toda a inépcia revelada pelos dirigentes europeus nas áreas económica, financeira e de políticas sociais, também em matéria de defesa e política externa a União Europeia está próximo de um desastre absoluto. Cada um dos 28 tem a sua política correspondente ao seu interesse nacional e isso significa que não há uma política comum de defesa. A Europa tem uma guerra no leste e tem o Médio Oriente e o Norte de África num caos quase total tornando o Mediterrâneo uma fronteira que ninguém parace saber como deve ser defendida. E não sabe o que há-de fazer.

Ironia maior, ou talvez não, a NATO está reunida precisamente na cidade onde em 1955 a então União Soviética criou o Pacto de Varsóvia, a aliança dos países de leste. A criação do Pacto Varsóvia tem sido descrita como uma resposta à NATO, mas essa explicação não é consensual. Há outra explicação e essa é a de que o Pacto de Varsóvia foi criado quando, quebrando a neutralidade a que estava obrigada desde o final da II Guerra Mundial, a Alemanha integrou a NATO. Também neste caso, cada um escolhe a resposta que mais lhe agradar, mas não deixa de ser curioso que uma Aliança que se diz do mundo livre faça uma cimeira num país em que a liberdade parece estar em perigo e que o próprio Presidente dos Estados Unidos tenha feito, já em Varsóvia, um apelo para que todas os protagonistas da política polaca trabalhem juntos para apoiar as instituições democráticas. Obama sublinhou o Estado de Direito, a independência da Justiça e a liberdade de imprensa. São estes os riscos no país que acolhe a cimeira da NATO.

Pinhal Novo, 9 de Julho de 2016

josé manuel rosendo

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Refugiados na Europa? É a globalização, estúpido!


As coisas estavam a correr de forma quase perfeita. Circulavam os capitais e os bens, mas as pessoas estavam quietinhas, ou pelo menos pouco se movimentavam… os lucros acumulavam-se e era importante manter o ritmo.

Em tempos de absoluto desprezo pelas pessoas e de endeusamento do dinheiro e dos pseudo gurus da Economia, os ditos-cujos sempre defenderam a absoluta normalidade da deslocalização (adoro a novilíngua…) de empresas, em regra para países de mão-de-obra barata que permitia aumentar os lucros (diziam que era em nome da competitividade, da viabilidade das empresas, essas coisas…); os mesmos ditos-cujos acham normal a livre circulação de capitais e que seja possível comprar acções na bolsa de Pequim ou Tóquio durante a manhã, fazer o mesmo à hora de almoço em Paris ou Londres, e terminar o dia em negociata na bolsa de Nova Iorque; os mesmos ditos cujos acham normal os off-shores que não passam de uma forma de fuga ao fisco que sonega dinheiro aos orçamentos dos Estados; os mesmos ditos cujos defenderam, em nome dos negócios (entenda-se dinheiro que fabrica dinheiro sem produzir qualquer riqueza), que a comercialização de bens deve ser o mais alargada possível e desregulada ao máximo, e que as fronteiras a essa circulação devem ser derrubadas; os mesmos ditos-cujos sempre disseram que que a globalização é algo imparável, incontornável, inevitável, disseram até que não adianta tentar controlar o que é incontrolável e que mais tarde ou mais cedo vai acontecer. 

Defenderam tudo isto enquanto a máquina registadora facturava, mesmo que todas estas opções e desregulação provocassem, simultaneamente, vagas de desemprego e empobrecimento nos países em que a mão-de-obra é mais dispendiosa. Diziam que era um sinal dos tempos e que nada havia a fazer. Ou talvez houvesse, como por exemplo desvalorizar o trabalho nos países em que era mais dispendioso. Olhavam com desprezo para quem os contrariava e largavam a estafada fórmula: é a Economia, estúpidos!

Para estes tempos de endeusamento do dinheiro e de desprezo pelas pessoas, um mundo em que as empresas pudessem mudar de país e em que as pessoas não pudessem fazer o mesmo, seria, era, o mundo ideal. 

Mas eis que as voltas da guerra, com que alguns muito lucram, trocam as voltas a este cenário perfeito. De repente, milhares de pessoas sem alternativa metem pés ao caminho e decidem procurar um local seguro onde não sintam a ameaça de um bombardeamento, de um tiroteio ou a perseguição de fanáticos loucos com sede de sangue. Procuram um porto seguro e querem, porque a isso têm tanto direito como aqueles que vivem na Europa, um trabalho, uma casa, uma vida normal. Apenas isso: uma vida normal. E eis que, aqueles que se referiam à globalização como algo de incontrolável e inevitável se apressam a tomar medidas: levantam muros, criam campos de acolhimento, convocam militares e polícia, encerram espaço aéreo (fronteira Hungria/Sérvia), alvitram a possibilidade da entrada de terroristas e da invasão muçulmana… traçam cenários negros… os mais conservadores recusam quotas de acolhimento. Todos estão atarantados com algo que não esperavam e não desejavam. Uma chatice: estava tudo a correr tão bem.

Se as empresas podem deslocalizar-se com o argumento de irem em busca de mercados de mão-de-obra mais barata, por que razão as pessoas que fogem da guerra não poderão deslocalizar-se em busca de locais seguros e de empregos que lhes assegurem uma vida normal? Sendo certo que a movimentação de pessoas não pode ser um processo desregulado e anárquico, esta sim é a verdadeira globalização: a das pessoas! Porque o mundo é de todos. A globalização é desejável, enquanto enriquecimento colectivo através do que cada um de nós pode dar e aprender com o outro.

Pinhal Novo, 15 de Setembro de 2015

josé manuel rosendo

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Memórias de Gevgelija – arame farpado, lágrimas e sorrisos


A fronteira – Gevgelija – entre a Grécia e República da Macedónia é, por paradoxal que possa parecer, um local de lágrimas e sofrimento, de sorrisos e alegria. Sente-se a dor de quem chega vindo da Grécia, após longas jornadas desde a Síria, Iraque ou Afeganistão, transportando no corpo as sequelas de longas caminhadas, noites mal dormidas e da incerteza do dia seguinte, ou do minuto seguinte, não sabendo se a fronteira vai ser a porta da esperança ou o muro inultrapassável; alegria porque os sorrisos e os “thank you” nos mais diversos sotaques são o sinal de que foi cumprida mais uma etapa. Os corpos chegam cansados e sujos, os pés arrastam-se. As pequenas mochilas e sacos são um peso tremendo numa viagem assim. Na alma vem outro tipo de dor: a família que se deixou para trás, a terra de onde fugiram porque a guerra não os deixou ficar, os amigos que morreram pelo caminho. Depois de uma viagem sabe-se lá em que condições, através de um Mediterrâneo que já é cemitério de muitas centenas e às mãos de gente sem escrúpulos que cobra fortunas por esta passagem para a Europa, há ainda essa enorme incerteza sobre o acolhimento: vão ser bem recebidos ou vão ser escorraçados? Vão demorar a saber.

Os refugiados que atravessam a fronteira Grécia/República da Macedónia são agrupados ainda na Grécia, depois, sempre em grupos de 100/150 pessoas, atravessam uma “terra de ninguém” até à fronteira da República da Macedónia. Aí chegados é o arame farpado e os militares que coordenam o avanço dos vários grupos que nunca param de chegar. Quando passam a fronteira são encaminhados para um campo de acolhimento onde é feito um registo e recebem um escasso apoio das ONG’s, Nações Unidas e Cruz Vermelha. Alguns entram directamente do campo de acolhimento para uma gare ferroviária improvisada. O comboio, sem paragens há-de percorrer cerca de 200 quilómetros até à fronteira com a Sérvia. Outros andam mais umas centenas de metros até aos autocarros estacionados à entrada da cidade e seguem o mesmo destino. Também há taxistas em busca de negócio. Depois das autoridades terem assumido o controlo da situação, os refugiados nem chegam a contactar com a população de Gevgelija. A Estação ferroviária deixou de ser o caos das últimas semanas.

O nosso lado humano regista, inevitavelmente – e eu não quero deixar de ser assim – o olhar das crianças; a expressão sofrida das mães que amamentam à sombra de um toldo que não consegue iludir o calor sufocante; a atitude brusca de pais, dominados pela ansiedade, que arrastam a criança que chora e faz birra no momento do grupo avançar; os bebés que tomam um banho, se calhar o único em muitos dias, com a água das garrafas fornecidas pela UNICEF; o grupo de homens desorientado com a viagem que não sabe a direcção de Meca para orientar a posição da oração; pessoas que, mesmo com fome, preferem comer pão com nada e não comem o paté fornecido pelas Nações Unidas porque não sabem se tem carne de porco e a legenda da embalagem é indecifrável; pessoas que não entendem a língua do país onde estão e são alvo da brutalidade verbal de polícias e militares; homens que carregam mulheres às costas para que não fiquem para trás; pessoas de muletas e braços engessados que travam uma enorme luta com o cansaço para não perderem mais uma etapa da longa viagem; casais com quatro e cinco crianças – duas ou três ao colo e às cavalitas, as outras pela mão; pessoas que desesperam porque de um momento para o outro ficam separadas da família quando ficam num grupo que avança e a família fica noutro que aguarda; mulheres grávidas que são assistidas pela Cruz Vermelha; pessoas doentes que mal conseguem mexer as pernas e que acabam, também elas, levadas pela Cruz Vermelha; grupos de pessoas solidárias que, simultâneamente, lutam por um lugar no grupo que se prepara para avançar; pessoas que não sabem responder à pergunta “para onde quer ir?”.

Nestas reportagens fica sempre aquele sabor estranho ao sentirmos que, terminado o trabalho no terreno, voltamos ao nosso conforto caseiro, enquanto estas pessoas continuam a enfrentar os mesmos dramas e problemas. Gostava de saber que destino seguiu Barzan, o sírio curdo de Kobani que ficou momentâneamente separado da família e dos amigos na zona de fronteira e que me pediu ajuda na tentativa de reencontro (que acabou por acontecer sem nenhum mérito meu); gostava de saber o que aconteceu a Mohammad, um sírio que vinha de uma zona onde já estive – Montanha de Jabal al Akrad, junto a Aleppo – e que ao saber disso falou comigo até eu querer; gostava de saber o que aconteceu a Salim e Yusman, dois paquistaneses que já estavam há muitos meses na Grécia e que confessaram estar a aproveitar a vaga de refugiados para chegar a outro país europeu; gostava de saber o que vai ser do iraquiano xiita que me disse que é impossível viver em Bagdad, que o antigo Primeiro-Ministro iraquiano al Maliki “não prestava” e que o actual, al Abadi, não é melhor. 

Gostava que estas pessoas nunca mais sentissem o medo que as levou a recusar falar para uma câmara de televisão por receio de represálias contra a família que deixaram para trás ou por poderem ser prejudicadas nos países onde querem chegar. O meu receio, agora, é que a Europa as decepcione.

Pinhal Novo, 31 de Agosto de 2015

josé manuel rosendo

sábado, 10 de novembro de 2012

O que vem Angela Merkel fazer a Portugal e o que pretende a Alemanha?

A Alemanha é, por definição, uma potência continental. Isto significa que o seu espaço natural de expansão é a Europa. As duas guerras mundiais do século passado não aconteceram por acaso. Mas do final da primeira para o final da segunda, houve uma mudança de atitude dos vencedores face à derrotada Alemanha. Se no final da I Guerra a Alemanha foi humilhada e submetida a medidas e pagamentos que a deixavam de rastos, no final da II Guerra beneficiou de um Plano Marshall e apesar de responsabilizada com o pagamento de indemnizações de guerra deixou muitas por pagar – a Grécia que o diga. Aliás, após a I Guerra, uma das razões apontadas para a ascensão de Hitler ao poder foi precisamente ter sido ele que prometeu ao povo alemão que a Alemanha não podia continuar a pagar a dívida sob pena de não sair da miséria. E deixou de pagar, investindo numa máquina de guerra. Isto é: indiferente à atitude daqueles que a tinham vencido no campo de batalha, humilhada após a I Guerra e ajudada após a II Guerra, a Alemanha retomou sempre a sua estratégia e ambição mais profundas: ser a grande potência Europeia.


Não estarei muito enganado se disser que, desde a primeira hora a seguir à morte (?) de Hitler – e sem falar em operações Odisseia – a Alemanha, outros alemães, começaram a pensar no percurso a fazer para devolver ao país o lugar de locomotiva da Europa.
 
Perante uma URSS que ameaçava a Europa Ocidental e uns Estados Unidos que queriram travar qualquer avanço a partir de Leste, a Alemanha do pós II Guerra apresentou-se como elemento fulcral e beneficiou disso. Durante a Guerra Fria o microcosmos das duas Alemanhas foi palco priveligiado. Staline opunha-se à unificação da Alemanha tendo deixado escrito nas suas notas pessoais que só aceitaria essa unificação se a Alemanha fosse neutral. Os Estados Unidos queriam a Alemanha Ocidental integrada nas insituições ocidentais. Uma delas era a NATO à qual a Alemanha aderiu a 6 de Maio de 1955, logo após o fim do regime de ocupação a que ficou submetida após a II Guerra Mundial. Também a 14 de Maio de 1955 era criado o Pacto de Varsóvia. Muitos historiadores defendem que o Pacto de Varsóvia foi criado quando a URSS percebeu que não ia conseguir a neutralidade alemã e não para responder à criação da NATO. É uma primeira prova da importância da Alemanha.
 
Não vem ao caso traçar toda a evolução da história da Alemanha, mas a queda do Muro de Berlim e o desmembramento da URSS foi uma alteração estrutural que acabou com a bipolaridade e afastou o receio que os Estados Unidos sentiam quanto à possibilidade da Europa ser invadida a partir de Leste e transformou a Alemanha numa potência fundamental. Por isso os Estados Unidos começaram a pensar no seu retraímento e na necessidade de deixar a defesa da Europa aos europeus.
 
Em 2003, a Alemanha dá o primeiro “grande murro” na mesa. Sentia-se livre para enfrentar os Estados Unidos: contesta abertamente a invasão do Iraque. É o primeiro acto de emancipação política proporcionada pela pujança económica (que beneficiou dos importantes apoios do pós-guerra e do perdão ou esquecimento de muitas dívidas) e pela centralidade no espaço europeu.
 
O caminho começara a ser traçado com o Chanceler Konrad Adenauer, depois com Willy Brant e Helmut Kohl. Foi Gerard Schroeder quem deu o “murro na mesa”. Agora com Angela Merkel é a expansão.
Não embarco em nacionalismos. Cada povo tem coisas boas e coisas más, se é que podemos atribuir esse tipo de características assim, por grosso, a um conjunto tão vasto de pessoas. Mas aprendemos a amar uma bandeira, uma língua, uma cultura e a isso chama-se patriotismo. A nossa bandeira, língua e cultura, não são melhores nem piores do que quaisquer outros, mas são os nossos, aqueles que nos dão uma marca.

A guerra deste início de século na Europa é a da economia numa teia de agentes financeiros e respectivos servidores sem escrúpulos. E é dos livros que a potência vencedora é aquela que consegue definir as regras de convivência entre vencedores e vencidos. E é disso que se trata, as regras que nos querem impor roubam-nos soberania - foi Angela Merkel quem disse que é esse o preço a pagar. É bom que não se esqueça que a forma como se lida com o sentimento de humilhação de um Estado vencido é determinante na estabilidade do pós guerra.
 
É isso que Angela Merkel vem fazer a Portugal: um Imperador por mais receio que possa sentir tem que se mostrar em todos os cantos do Império. Hoje em dia, os imperadores não enviam exércitos (às vezes ainda o fazem…), preferindo os regentes locais, mas gostam de receber vassalagem. Não acho que devamos tratar mal quem é democraticamente eleito. No entanto, quem subverte o sentido do voto que lhe deram, não pode excluir a possibilidade de ver subvertido este princípio de respeito democrático. Admito que Angela Merkel com esta atitude imperial corresponda ao que uma larga fatia dos alemães (admito apenas…) espera dela, mas não pode estar à espera que num momento como este os portugueses gostem de a ver em Portugal. A Alemanha venceu a guerra da economia e está a querer humilhar os vencidos.
 
Vamos saber quem traiu Portugal e vamos saber quem defendeu o país e o povo. Já aconteceu no passado: perante as dificuldades alguns não hesitaram em colocar-se ao lado dos invasores. Quase sempre tiveram breve gozo das mordomias proporcionadas pela traição e muitos deles acabaram enforcados ou atirados pela janela. Sei que os tempos são outros mas tenho esperança de os ver a prestar contas, num tribunal, como deve ser feito num mundo de gente civilizada que dispensa a selva dos agiotas e dos trafulhas. Vamos ter que dar a volta a isto. O povo tem a obrigação de se defender e defender o país.


josé manuel rosendo

Pinhal Novo, 10 de Novembro de 2012