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quarta-feira, 21 de setembro de 2016

António Guterres arrisca-se a ser o último Secretário-Geral da ONU


O Mundo atravessa um momento complicado. É comum tendermos a valorizar as dificuldades do presente esquecendo que outros momentos semelhantes já aconteceram e nem todos terminaram da forma dramática que, em determinado passo, foi previsto. Mas também é verdade que muitos analistas admitem estarmos a caminho de mais uma guerra mundial. Não se trata de pessimismo ou cedência às teorias deterministas. A escolha é dos homens, mas há muitos homens que não conseguem aprender nada com a história.

A guerra na Síria é um exemplo. As grandes potências e as potências regionais estão envolvidas; há actores locais fortemente empenhados; os povos estão desavindos; fronteiras questionadas; a religião utilizada como arma. Já lá vão mais de cinco anos de guerra e não há sinal de que os protagonistas cedam à necessidade óbvia de um acordo político. Como alguém já disse, até parece que toda a geopolítica do planeta está centrada na Síria. As Nações Unidas, herdeiras de uma Ordem Internacional criada há 70 anos, revelam total incapacidade para conter o conflito e para ser o tal fórum onde as desavenças se resolvem de forma civilizada. Aliás, a guerra na Síria e no Iraque, contém um dado poucas vezes abordado: o objectivo do Estado Islâmico é também o de contestar o próprio modelo de Estado-Nação, defendendo outro tipo de fronteiras.

Esta incapacidade das Nações Unidas que pode levar à sua irrelevância transporta-nos ao tempo da Sociedade das Nações, antecessora da ONU. Não deixa de ser curioso que tendo nascido de uma sugestão de um presidente norte-americano, o Congresso dos Estados Unidos tenha recusado ratificar o Tratado de Versalhes (onde constava a criação da Sociedade das Nações) e os Estados Unidos ficaram de fora. Criada após a I Guerra Mundial, a Sociedade das Nações acabaria por sucumbir precisamente por não ter conseguido o seu principal objectivo: manter a paz! O nazismo terá sido o principal impulsionador, mas muitos outros sinais de ambições territoriais já antes se tinham manifestado.

Um desses sinais veio da Etiópia e o aviso foi muito claro. Aliás, há um discurso que muitos diplomatas e analistas deviam rever, por todo o seu esplendor, pelo tom arrebatado, pela clarividência e, principalmente, por ser uma ode ao multilateralismo, tão em voga no nosso tempo mas que se resume sempre, e infelizmente, ao poder de meia dúzia de nações. Passam precisamente 80 anos sobre o momento em que o Imperador da Etiópia, Hayle Selassie, foi a Genebra dizer aos 52 países da Sociedade das Nações que os Tratados Internacionais não estavam a ser cumpridos e, pior do que isso, a Sociedade das Nações estava a olhar para o lado.

Depois de relatar em pormenor que as tropas italianas estavam a fazer na Etiópia (invasão) e o embargo a que a Etiópia estava sujeita e que não lhe permitia defender-se da ameaça de extermínio, o Imperador Hayle Selassie disse: “Os apelos que os meus delegados em Genebra dirigiram à Sociedade das Nações ficaram sem resposta; os meus delegados não testemunharam os factos; é por isso que resolvi vir eu próprio dar testemunho do crime perpetrado contra o meu povo e advertir a Europa do perigo que a espera se decidir vergar-se perante um facto consumado”. Era muito claro o aviso: hoje a Etiópia, amanhã poderá ser um de vós. 

A Sociedade das Nações protestou, mas a Itália de Mussolini passou impune. A Etiópia ficou entregue a si própria e à voracidade de uma Itália liderada por “Sua Excelência Benito Mussolini, Chefe de Governo, Duce do Fascismo e Fundador do Império”, como o próprio ditador se intitulava. Hayle Selassie foi certeiro na análise e a história acabou a dar-lhe razão. Os italianos utilizaram armas químicas e há relatos que referem meio milhão de mortos entre os etíopes. A II Guerra Mundial não tardou a bater à porta.

Aqui chegados, neste nosso tempo, temos António Guterres a subir a escada que o pode levar a Secretário-Geral da ONU. Não duvido das boas intenções do ex-Primeiro-Ministro português, mas esta ONU, da qual já se disse mil vezes precisar de uma reforma que lhe permita uma intervenção mais eficaz, não está a ser a instituição que o Mundo precisa para suster conflitos e regular divergências internacionais. 

Quem mais precisa de uma ONU forte são os mais fracos, povos e países, mas esta ONU está cada vez mais alinhada com as grandes potências. Não que isso seja uma vontade assumida dos 193 Estados membros, mas é o resultado de uma organização que já não corresponde (se é que alguma vez correspondeu) à relação de forças a nível internacional e mantém um Conselho de Segurança com regras que conduzem facilmente à inacção.

A história não se repete mas ao recusar ouvir os alertas semelhantes aos de Hayle Selassie, a ONU arrisca-se a ter o mesmo fim da Sociedade das Nações e António Guterres pode vir a ser o homem com a ingrata tarefa de fechar a porta. Esperemos que não.

Pinhal Novo, 21 de Setembro de 2016

josé manuel rosendo

terça-feira, 22 de julho de 2014

Gaza: vai haver um cheque para lavar a má consciência…



As fotos são da Faixa de Gaza em Janeiro de 2009.

Não sei quantos mortos e estropiados ainda faltam mas, mais tarde ou mais cedo, vai terminar o que está a acontecer – abstenho-me de adjectivar – na Faixa de Gaza. E vai terminar demasiado tarde. Mesmo assim, depois de terminar, tudo vai continuar na mesma.

A atitude politicamente correcta, que dá muitos likes nas redes sociais, é dizer que há maus e bons dos dois lados, que uma vida que se perde é sempre uma vida e nada há mais importante do que isso, que há culpados dos dois lados. Essa é uma atitude compreensível para quem é um pacifista genuíno e está disposto a morrer sem levantar um dedo se alguma vez na vida sofrer uma agressão violenta. Duvido que muitos dos que gostam de ser politicamente correctos tivessem essa atitude perante uma agressão. Essa é também a atitude que nos leva a enterrar a cabeça na areia para não enfrentarmos a realidade e para não fazermos sequer um esforço de modo a entender o conflito. Sublinho que escrevi ENTENDER, não escrevi tomar partido.

Para entender o conflito israelo-palestiniano é preciso entender a actual Ordem Internacional e a arquitectura de pilares em que ela assenta. O conflito israelo-palestiniano não vai terminar enquanto se mantiver esta Ordem Internacional e o actual Status Quo no relacionamento entre Estados. Existem os poderosos e … os outros. De entre os outros, os que têm um lugar na segunda fila e ainda os que tentam obter algumas das migalhas que vão caindo da grande mesa dos negócios. A alguns tudo é permitido e as retaliações não passam da retórica, ainda assim muito cuidadosa e sempre parcimoniosa; a outros nada é permitido e as sanções saltam da cartola à primeira “escorregadela”. Uns podem matar com recurso a altas tecnologias em que nem sujam as mãos; outros são apelidados de terroristas com toda a facilidade, só porque lutam por uma causa em que acreditam com meios rudimentares ou muito longe das altas tecnologias dos inimigos. É a realidade.

Quem, ainda, manda no Mundo, são os Estados Unidos da América. Depois, quem é seu aliado, beneficia da sua “protecção” embora também tenha que, por vezes, arcar com as consequências e, outras vezes, pagar tributo. Mas a Rússia espreita; a China também (e de que maneira…); a Índia promete e… a União Europeia não existe. Já agora: cabe na cabeça de alguém que defenda uma Europa unida entregar a pasta da representação externa a uma britânica (Catherine Ashton)? É que o Reino Unido nem sequer está com os dois pés na União Europeia…! Qual é a política externa que a senhora Ashton verdadeiramente serve? A da União Europeia ou a do Reino Unido? Já repararam como David Cameron se empertigou a pedir sanções contra a Rússia por causa do  caso do avião da Malásia Airlines? Era bom não era Senhor Cameron deixar a Alemanha à rasca (por causa do gás russo) com muitas e fortes sanções da União Europeia contra a Rússia?

Podemos também referir o Iraque como exemplo acabado de mais um parto manhoso da actual Ordem Internacional. Este seria o momento para que George W. Bush, José Maria Aznar, Tony Blair e Durão Barroso, e já agora Paul Bremer, fossem chamados para dizerem como se resolve o imbróglio
É assim que estamos. É esta a actual Ordem Internacional. E é por isso que a expressão “comunidade internacional” devia ser banida, se não do discurso político pelo menos da narrativa jornalística uma vez que de objectivo comuns este mundo não tem nada. E se não há objectivos comuns não é legítimo falar de comunidade.

Esta parte do mundo em que vivemos ameaçava algum progresso e evolução até ao dia em que a dupla Teatcher/Reagan tomaram chá e trocaram olhares. É essa a origem do mal dos nossos tempos, nesta nossa parte do mundo, sendo certo que outro mal existiria se alguém tivesse envenenado o chá destes dois.

O que está a acontecer na Faixa de Gaza não devia poder acontecer se existisse, de facto, uma comunidade internacional. Tudo vai terminar com apoios e cheques aos mais atingidos. Cheques que tentam lavar a má consciência.

josé manuel rosendo

22 de Julho de 2014