O Mundo atravessa um momento complicado. É comum tendermos a
valorizar as dificuldades do presente esquecendo que outros momentos semelhantes
já aconteceram e nem todos terminaram da forma dramática que, em determinado
passo, foi previsto. Mas também é verdade que muitos analistas admitem estarmos
a caminho de mais uma guerra mundial. Não se trata de pessimismo ou cedência às
teorias deterministas. A escolha é dos homens, mas há muitos homens que não
conseguem aprender nada com a história.
A guerra na Síria é um exemplo. As grandes potências e as
potências regionais estão envolvidas; há actores locais fortemente empenhados; os
povos estão desavindos; fronteiras questionadas; a religião utilizada como
arma. Já lá vão mais de cinco anos de guerra e não há sinal de que os
protagonistas cedam à necessidade óbvia de um acordo político. Como alguém já
disse, até parece que toda a geopolítica do planeta está centrada na Síria. As
Nações Unidas, herdeiras de uma Ordem Internacional criada há 70 anos, revelam
total incapacidade para conter o conflito e para ser o tal fórum onde as
desavenças se resolvem de forma civilizada. Aliás, a guerra na Síria e no
Iraque, contém um dado poucas vezes abordado: o objectivo do Estado Islâmico é
também o de contestar o próprio modelo de Estado-Nação, defendendo outro tipo
de fronteiras.
Esta incapacidade das Nações Unidas que pode levar à sua
irrelevância transporta-nos ao tempo da Sociedade das Nações, antecessora da
ONU. Não deixa de ser curioso que tendo nascido de uma sugestão de um
presidente norte-americano, o Congresso dos Estados Unidos tenha recusado
ratificar o Tratado de Versalhes (onde constava a criação da Sociedade das
Nações) e os Estados Unidos ficaram de fora. Criada após a I Guerra Mundial, a
Sociedade das Nações acabaria por sucumbir precisamente por não ter conseguido
o seu principal objectivo: manter a paz! O nazismo terá sido o principal
impulsionador, mas muitos outros sinais de ambições territoriais já antes se
tinham manifestado.
Um desses sinais veio da Etiópia e o aviso foi muito claro.
Aliás, há um discurso que muitos diplomatas e analistas deviam rever, por todo
o seu esplendor, pelo tom arrebatado, pela clarividência e, principalmente, por
ser uma ode ao multilateralismo, tão em voga no nosso tempo mas que se resume
sempre, e infelizmente, ao poder de meia dúzia de nações. Passam precisamente
80 anos sobre o momento em que o Imperador da Etiópia, Hayle Selassie, foi a Genebra
dizer aos 52 países da Sociedade das Nações que os Tratados Internacionais não
estavam a ser cumpridos e, pior do que isso, a Sociedade das Nações estava a
olhar para o lado.
Depois de relatar em pormenor que as tropas italianas
estavam a fazer na Etiópia (invasão) e o embargo a que a Etiópia estava sujeita
e que não lhe permitia defender-se da ameaça de extermínio, o Imperador Hayle
Selassie disse: “Os apelos que os meus delegados em Genebra dirigiram à
Sociedade das Nações ficaram sem resposta; os meus delegados não testemunharam
os factos; é por isso que resolvi vir eu próprio dar testemunho do crime perpetrado
contra o meu povo e advertir a Europa do perigo que a espera se decidir
vergar-se perante um facto consumado”. Era muito claro o aviso: hoje a Etiópia,
amanhã poderá ser um de vós.
A Sociedade das Nações protestou, mas a Itália de
Mussolini passou impune. A Etiópia ficou entregue a si própria e à voracidade
de uma Itália liderada por “Sua Excelência Benito Mussolini, Chefe de Governo,
Duce do Fascismo e Fundador do Império”, como o próprio ditador se intitulava. Hayle
Selassie foi certeiro na análise e a história acabou a dar-lhe razão. Os
italianos utilizaram armas químicas e há relatos que referem meio milhão de
mortos entre os etíopes. A II Guerra Mundial não tardou a bater à porta.
Aqui chegados, neste nosso tempo, temos António Guterres a
subir a escada que o pode levar a Secretário-Geral da ONU. Não duvido das boas
intenções do ex-Primeiro-Ministro português, mas esta ONU, da qual já se disse
mil vezes precisar de uma reforma que lhe permita uma intervenção mais eficaz, não
está a ser a instituição que o Mundo precisa para suster conflitos e regular
divergências internacionais.
Quem mais precisa de uma ONU forte são os mais
fracos, povos e países, mas esta ONU está cada vez mais alinhada com as grandes
potências. Não que isso seja uma vontade assumida dos 193 Estados membros, mas
é o resultado de uma organização que já não corresponde (se é que alguma vez
correspondeu) à relação de forças a nível internacional e mantém um Conselho de
Segurança com regras que conduzem facilmente à inacção.
A história não se repete mas ao recusar ouvir os alertas
semelhantes aos de Hayle Selassie, a ONU arrisca-se a ter o mesmo fim da
Sociedade das Nações e António Guterres pode vir a ser o homem com a ingrata
tarefa de fechar a porta. Esperemos que não.
Pinhal Novo, 21 de Setembro de 2016
josé manuel rosendo
Sem comentários:
Enviar um comentário