Durante semanas, meses, das negociações para resolver a
guerra na Síria apenas se ouvia dizer que estavam paradas, bloqueadas. As iniciativas
do enviado especial da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, deram em nada. No
terreno, todos os dias, combates, bombardeamentos, cercos, massacres, crimes de
guerra, populações em fuga. Novidade já com duas semanas: a Turquia entrou na
guerra, meteu homens e máquinas Síria adentro com o argumento de combater o
Estado Islâmico e as milícias curdas das Unidades de Protecção Popular. Não deixa
de ser curioso que, depois de muitas ameaças, e de situações de ameaça idêntica
pela proximidade do Estado Islâmico – lembram-se de Kobani? – só depois de
resolvido o diferendo com a Rússia, a Turquia tenha avançado de forma directa
para esta guerra. Aliás, a Turquia disse que avisou o Governo de Damasco,
através do amigo russo.
A juntar a essa relação (Turquia/Rússia) retomada,
afirmações dos mais altos responsáveis turcos devem ser tidas em conta. A 2 de
Setembro, o Primeiro-Ministro turco, Binali Yildirim, foi taxativo: “Normalizámos
as nossas relações com a Rússia e Israel. Agora, se Deus quiser, a Turquia
tomou uma iniciativa séria para normalizar as relações com o Egipto e a Síria”.
Esta declaração não deixa margem para outra leitura a não ser que a Turquia
mudou radicalmente de posição relativamente a Bashar al Assad. Até agora, o
Presidente sírio era visto de Ankara como uma carta forçosamente fora do
baralho; agora já não é.
Outra declaração importante: o vice-primeiro-ministro disse
que a Turquia é favorável a uma operação comum com os Estados Unidos contra
Raqqa, a capital do Estado Islâmico na Síria. Este governante disse que o
assunto foi tratado entre os dois presidentes à margem da Cimeira do G20 e está
a ser discutido. O Presidente turco lançou também a ideia de uma zona de exclusão
aérea no norte da Síria. E há ainda outro dado: a 23 de Agosto o presidente
turco encontrou-se com o Presidente do Curdistão Iraquiano. Oficialmente
falaram da actividade da organização de Fethulla Gulen na região mas há rumores
de que terão feito uma aliança contra os outros curdos, nomeadamente do PKK e
das Unidades de Protecção Popular.
Talvez seja difícil digerir todas estas componentes do
conflito mas pelo meio disto, o enviado especial de Barack Obama para a
coligação que combate o Estado islâmico, encontrou-se com as milícias curdas
das FDS (Forças Democráticas da Síria – junta milícias curdas e árabes).
Encontrou-se também com representantes turcos. É o que diz o Departamento de
Estado. Os turcos querem os curdos fixados a este do Rio Eufrates, os Estados
Unidos tentam convencê-los a recuar para essa zona, mas os curdos conquistaram
ao Estado Islâmico a cidade de Manjib (a oeste do Eufrates) e têm por objectivo
controlar todo o norte da Síria que faz fronteira com a Turquia.
A Rússia e Bashar al Assad têm falado menos. Tentam consolidar
posições no terreno. Têm tido algum sucesso mas também alguns revezes. Uma
coisa é conquistar posições, outra é ter capacidade para mantê-las com forças
massacradas por 5 anos de guerra.
A oposição síria reunida no Alto Comité de Negociações
apresenta um plano em 3 fases: primeiro, seis meses de trégua e negociações;
segundo, 18 meses de governo de transição, mas Bashar al Assad tem de ir
embora; por fim, eleições com o apoio e supervisão das Nações Unidas. Já se vê
que esta solução, tendo o mérito de pretender parar o banho de sangue, não vai
vingar.
Para fechar este leque de questões, durante dois dias (8 e 9
de Setembro) Sergueï Lavrov e John Kerry – os homens que mereceram da Al Jazeera
uma série de artigos com o título “Atracção Fatal” – vão estar juntos a debater
a situação na Síria. O que eventualmente podem tirar da cartola, ninguém sabe,
mas já estamos naquela fase em que a maioria das apostas vai no sentido de que
tudo vai ficar como está. De há muito que esta guerra na Síria é um tabuleiro
de xadrez em que vários jogadores movimentam várias peças em simultâneo. Nenhum
consegue saber o que todos os outros pretendem e o que vão fazer na próxima
jogada.
Ainda assim, as peças do puzzle parecem começar a
acomodar-se. Mas não nos iludamos. Talvez ainda não tenha acabado de ler este texto e tudo pode já estar diferente.
Pinhal Novo, 8 de Setembro de 2016
josé manuel rosendo
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