domingo, 11 de setembro de 2016

Síria: chega de sacrifício


O cessar-fogo pode começar esta segunda-feira, dia em que também começa a festa muçulmana do Eid al Adha, a festa do sacrifício, uma festa de quatro dias com que termina o Hajj, a peregrinação a Meca. O Sacrifício terá sido o do Profeta Abraão que decidiu sacrificar o filho Ismael, por vontade de Deus.

Cinco documentos assinados entre os chefes da diplomacia dos Estados Unidos e da Rússia constituem o Acordo que pode ser o princípio do fim da guerra na Síria. Pode, mas talvez não seja. Quem acompanha há cinco anos o que se passa na Síria está farto de sangue e de morte mas não pode ser acusado de pessimismo se disser que está enganado quem pense que terminou a guerra na Síria. Basta olhar para o que está em causa – não é apenas Assad – e os protagonistas que se digladiam. Os documentos assinados em Genebra permanecem secretos e, não se conhecendo os termos do acordo, podemos tentar fazer um roteiro das questões que se colocam para, então sim, podermos falar de paz na Síria.

John Kerry, Secretário de Estado norte-americano: É uma oportunidade e nada mais do que isso; Serguei Lavrov, Ministro dos Negócios Estrangeiros russo disse que nem tudo depende da Rússia. O acordo demorou a ser assinado porque Kerry precisou da luz verde de Barack Obama. As palavras e a demora do OK norte-americano mostram, mais uma vez, que a Rússia sabe muito melhor o que quer.

Diz a imprensa internacional que uma das questões que demorou a ser resolvida foi a de classificar a ex-Front al Nusra, agora Fatah al Sham, que mudou de nome para anunciar o corte da ligação com a Al Qaeda. De assinalar que a Fatah al Sham anunciou sexta-feira a morte do seu líder durante um ataque aéreo na região de Aleppo. Abu Omar Sarakeb era também um importante comandante militar, liderava a Fatah al Sham e também o Exército da Conquista, uma coligação de grupos de raiz religiosa que controla extensas áreas da Síria. Os Estados Unidos já recusaram qualquer intervenção no ataque que matou Abu Omar Sarakeb.

Voltando à questão de saber se a agora Fatah al Sham é ou não terrorista, Rússia e Estados Unidos tomaram uma decisão que é relatada de forma bastante divergente na imprensa internacional. Moscovo terá sido intransigente (escreve o Público) e colocou-lhe o carimbo de terrorista; O El País escreve que a Rússia se compromete a pressionar o Governo sírio a deixar de bombardear os rebeldes inclusive nas zonas onde rebeldes e Fatah al Sham combatem lado-a-lado, enquanto os Estados Unidos vão tentar persuadir os rebeldes a separarem-se da Fatah al Sham. No mínimo é complicado, para não dizer outra coisa. A Fatah al Sham tem demonstrado ser uma força militar muito mais eficaz, competente e muito melhor equipada do que, por exemplo, o Exército Livre da Síria (rebeldes). Aliás, o maior cepticismo sobre este acordo parece vir dos rebeldes que iniciaram a revolta contra Assad. O Exército Livre da Síria sabe que sem a aliança estratégica com a Fatah al Sham não teria sido possível resistir ao cerco das forças governamentais a Aleppo. Estas alianças, assinadas com sangue derramado em conjunto, não costumam ser esquecidas. 

Na foto, o comandante de um grupo do Exército Livre da Síria, Abu Ahmed, disse-me abertamente: se a Al Qaeda nos der armas nós aceitamos! Estava cansado de esperar por promessas de países ocidentais enquanto os seus homens eram bombardeados diariamente. É bom entender que muitas vezes os homens que combatem no terreno discordam dos políticos que estão nas negociações (Alta Comissão para as Negociações).

Como é habitual num contexto em que há um cessar-fogo a ser discutido, o Governo sírio atacou Aleppo horas antes da assinatura do acordo numa tentativa de obter ganhos territoriais antes do calar das armas; em Idlib aconteceu o mesmo mas não há certezas quanto ao autor dos ataques apesar de testemunhas apontarem para aviões russos.

Este acordo foi assinado entre Rússia e Estados Unidos, apenas dois dos actores desta guerra. São os mais poderosos é certo, mas há muitos aspectos que não passam apenas por Moscovo e Washington. Desde logo, o futuro de Assad. Não se sabe o que se prevê no Acordo. É preciso acomodar o Irão neste complexo xadrez. De boas relações com Moscovo e com um acordo sobre a questão nuclear assinado com Washington, o Irão beneficia desses dois importantes elementos para que as duas grandes potências não queiram estragar o arranjo. O Hezbollah também tem uma palavra a dizer. E os curdos? Outra vez ignorados na solução para acabar com a guerra? E a Turquia? E os milhares de prisioneiros de guerra? São muitas questões à espera de resposta e nas últimas horas não há notícia de que os combates tenham diminuído de intensidade.

Pinhal Novo, 11 de Setembro de 2016

josé manuel rosendo

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