“Arafat morreu”. A notícia, a meio da madrugada, via
telefone, dada por um camarada da redacção em Lisboa, acordou-me num hotel em
Jerusalém e tirou-me o sono. Há momentos que sabemos que nunca vamos esquecer.
Tinha saído de Lisboa com a imagem marcante de Yasser Arafat
acenando aos palestinianos no momento em que entrava no helicóptero jordano que
o retirava de uma Mukataa – quartel-general da Autoridade Palestiniana – onde
viveu cercado durante cerca de 3 anos, sem nunca quebrar. Nesse dia, nessa
despedida, Arafat não levava o tradicional lenço árabe mas sim um barrete de
pelo que teimava em cair-lhe da cabeça. Li no olhar do velho líder que ele
sabia, e eu pressenti, que jamais voltaria à Palestina. Não sei se Arafat
chorou, mas de certeza que os palestinianos choram hoje a sua ausência. Os
beijos atirados da porta do helicóptero foram a despedida de um pai que não
podia abraçar todos os filhos de uma terra pela qual lutou sempre. Deixou a
herança possível: a mesma luta.
Alguns dias depois, a Mukataa assistiu às lágrimas de um
povo que se sentiu órfão. O funeral de Yasser Arafat foi um desses momentos em
que quase dispensamos o bloco de notas tal a força das imagens e a forma como
elas se instalam na nossa memória.
Era uma sexta-feira, talvez umas duas da tarde em Ramallah, o
helicóptero jordano que transportava a urna de Arafat planou alguns minutos por
cima da Mukataa para que milhares de palestinianos se afastassem e abrissem uma
clareira onde pudesse aterrar. Depois, um ensurdecedor tiroteio e a urna
transportada pelas mãos palestinianas até à sepultura que, dizia-se em
Ramallah, tinha terra da Esplanada das Mesquitas. Israel não autorizou que
Arafat tivesse sido sepultado em Jerusalém. A solução foi trazer a terra da
cidade santa para receber o corpo do líder. Para os palestinianos Arafat está
sepultado provisoriamente em Ramallah, porque há-de ser sepultado junto à
Mesquita de Al Aqsa, em Jerusalém. O “directo” para a rádio há-de estar gravado
no arquivo da Antena 1. Nesse dia foi um telefone satélite que salvou o directo
porque as redes de telemóvel estavam saturadas (ou bloqueadas?).
As fotos são desses dias, desses momentos, passados ao redor
da Mukatta, e também lá dentro, no funeral, depois de um velho militar
palestiniano ter aberto a porta a dois jornalistas portugueses ao lembrar-se que
tinha sido português, o primeiro presidente – Mário Soares – a dormir em Gaza depois
de Arafat lá se ter instalado quando regressou do exílio.
josé manuel rosendo
12 de Novembro de 2014