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terça-feira, 15 de setembro de 2015

Está instalado o cerco ao Labour de Jeremy Corbyn (ou será melhor dizer que abriu a caça a Jeremy Corbyn?)


Vem aí um novo Syriza. É o alerta dos arautos da morte das ideologias perante a eleição de Jeremy Corbyn para líder do Labour (Partido Trabalhista). Para estes arautos só há uma política e um pensamento, podem existir acertos de pormenor nos orçamentos mas, para lá disso, tudo o resto é impossível. E nem se coíbem de dizer que a União Europeia e a real politik (assim algo que ninguém entende muito bem mas que determina o nosso futuro – algo que a vontade dos homens não pode alterar) já mostraram que não há espaço para Syrizas e Labour’s liderados por gente como Corbyn. Nem se apercebem que estão a dizer que já não há espaço para a democracia, mas escrevem-no com todas as letras. Rendidos aos poderosos da Europa e do mundo financeiro que traçam as linhas com que nos cosemos, os intérpretes do mainstream hesitam relativamente ao futuro de Corbyn: coveiro do Labour ou líder efémero. A nada de melhor Corbyn pode aspirar.

Estas leituras fazem-se em Portugal, mas também lá por fora. As “bíblias” regularmente citadas afinam pelo mesmo diapasão: Corbyn pode tirar o Reino Unido da União Europeia; o homem não percebe o mundo em que vive e é inelegível como Primeiro-Ministro; foi eleito líder porque os trabalhistas votaram com o coração e não com a cabeça. Em resumo, Jeremy Corbyn tem um conjunto de opiniões que não agrada ao mainstream. Daí, o mainstream conclui que é um perigoso esquerdista, um republicano em terras de sua majestade Isabel II, falava com o Sinn Fein e com Hugo Chávez, quer o Reino Unido fora da NATO e, talvez, fora da União Europeia, quer nacionalizações, não quer austeridade, deu as boas-vindas aos refugiados e, pecado de recente homologação, gosta de conversar com Varoufakis, esse mesmo, o ex-ministro das finanças que a troika obrigou a Grécia a atirar para fora do Governo de modo a ter o tal terceiro resgate e o empréstimo intercalar. Ora, bem vistas as coisas, Jeremy Corbyn só pode ser um “bandido” da pior espécie.

Os líderes trabalhistas que sucederam a Tony Blair (e antecederam Corbyn) não deixaram marca política que se veja a não ser a das derrotas eleitorais, atribuídas a um discurso que nuns dias era de esquerda e noutros dias de direita. Aquela tentativa de agradar a deus e ao diabo que os partidos socialistas blairistas seguiram nos tempos mais recentes. 

Assim sendo, a referência das análises e das opiniões é o tempo de Blair embora ninguém pareça querer aprofundar a descaracterização do Labour realizada precisamente por Tony Blair e ninguém parece querer saber do que Blair fez enquanto Primeiro-Ministro britânico na guerra de 2003 no Iraque. Não, isso não interessa, é um tabu que o mainstream ignora olimpícamente. Mesmo num país em que, como alguns escribas reconhecem, a direita (acrescento eu, em função da liderança errática de Blair) se apoderou de bandeiras da esquerda, ter agora um líder que as pretende recolocar onde devem estar, isso não interessa.

Há até quem defenda que Corbyn só foi eleito porque, vejam lá, ou era ele ou era o vazio. Corbyn venceu com cerca de 60% dos votos. A eleição agradou às bases do Labour, mas foi evidente que não agradou à nomenclatura. Vamos ver no que dá a liderança de Jeremy Corbyn, mas o que chateia desde logo é o preconceito e a caixa quadrada em que alguns comentadores e analistas se movimentam, não aceitando nada de diferente do habitual embora gostem de encher a boca (e os textos) com as virtudes da diversidade e da diferença.

Perante o que foi escrito e dito nas horas que se seguiram à eleição de Corbyn, torna-se evidente que o cerco está montado, tal como esteve montado ao Syriza quando venceu as eleições gregas e varreu alguns dos políticos tradicionais, esses sim, com fortes responsabilidades na situação a que a Grécia chegou. Entenda-se por cerco a opinião e análise predominante nos media. Como é evidente, toda a gente tem direito (era o que faltava que não tivesse…) a ter opinião e a liberdade de a tornar pública. É o caso de muitos dos que ocupam posições que lhes dão acesso regular aos media e de outros que nos media têm poder de decisão. O problema é que a esmagadora maioria dos que têm esse acesso e dos que ocupam esses lugares com poder de decisão têm sempre tendência a defender determinada área política em detrimento de outra. 

Dizer que o pluralismo de opinião nos media é um dado adquirido e algo substantivo em Portugal, é um acto de grande esforço e um bocado zarolho.

Pinhal Novo, 15 de Setembro de 2015

josé manuel rosendo

PS - créditos da foto: The Guardian

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