As famosas agências de rating andam mais caladas mas, tal
como não há vazios em política, também não pode haver vazios na arte de agitar
papões frente ao nariz dos que se comportam fora dos padrões considerados
aceitáveis. Não sei se as agências começaram a ficar incomodadas com o seu
próprio ruído ou se perceberam que já era contraproducente. Mas para que não
nos falte nada, o recente silêncio das agências é substituído pelo ruído da
Comissão Europeia (CE). Verdadeiramente preocupada com o povo deste cantinho da
Europa a Comissão com sede em Bruxelas não pára de enviar recados, alertas e
avisos. Por vezes até parece que conhecemos os verdadeiros autores tal a
coincidência com alguns discursos.
Por exemplo, Bruxelas acha que a venda do Novo Banco (de que
não se sabe qual vai ser o encaixe…) e a recapitalização da Caixa Geral de
Depósitos (que não se sabe ainda quanto vai ser necessário…) pode ter um
impacto nas contas públicas que pode comprometer a execução orçamental em 2016.
Valha-nos neste caso que Bruxelas admite que são as broncas nos bancos que
podem comprometer o défice. Está reconhecido implicitamente que não voltámos a
viver acima das nossas possibilidades.
Outro exemplo, Bruxelas avisa que os riscos de financiamento
de Portugal podem aumentar no médio prazo. Motivo? A volatilidade do mercado e as
almofadas financeiras cada vez menores. Quanto à volatilidade (será nervosismo?)
dos mercados estamos conversados. Quanto a almofadas financeiras, a Comissão
esclarece que estão em linha com os valores de 2015 mas está abaixo do valor do
fim de programa de assistência financeira.
Preocupações maiores de Bruxelas? Algumas reformas
efectuadas durante o programa de resgate correm o riso de serem revertidas:
sistema de requalificação dos funcionários públicos e regresso das 35 horas de
trabalho semanais. O aumento do salário mínimo e a reversão dos cortes
salariais temporários são outros factores de preocupação para Bruxelas.
Para além das preocupações e dos avisos de que se fazem acompanhar,
Bruxelas diz que não foi identificado nenhum desvio orçamental significativo
até ao momento (Maio – embora o relatório tenha alguma informação até meados de
Julho). Não há desvio, mas a comissão diz que pode haver, porque há medidas
adiadas para o segundo semestre que podem fazer aumentar o défice.
Isto é, a CE não tem um único dado objectivo para poder
afirmar que a execução orçamental não está a ser cumprida, mantém para este ano
as previsões do défice que já tinha feito (2,7% do PIB), mantém as previsões
para 2017 (2,3% do PIB), mas consegue ter todas as dúvidas em relação aos
próximos meses e exige medidas ao Governo.
O Governo respondeu que os dados da execução orçamental de
Julho mostram que se mantém a tendência verificada em Maio – referida neste
relatório da CE.
Em resumo, a CE dá-se ao luxo de dizer que não acredita que
o limite do défice vai ser cumprido. Não acredita, e pronto. Não acredita, e
quer medidas para passar a acreditar. A CE que apregoa aos quatro ventos a
necessidade de estabilidade é a primeira a lançar a suspeita que enfuna as
velas para fazer andar o barco da instabilidade e da desconfiança. Claro que
depois não vai ter qualquer culpa num eventual aumento dos juros da dívida.
Este é, sem dúvida, um braço-de-ferro entre a CE e o Governo
português do qual não pode resultar dois vencedores. Fechadas as contas, alguém
vai perder. O problema é que se for o Governo português os portugueses saberão
tirar ilações; se for a CE nada poderemos fazer. Esse é um dos dramas desta
Europa.
Pinhal Novo, 20 de Setembro de 2016
josé manuel rosendo
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