Praticamente desde o início da guerra na Síria que se fala
da possibilidade de criação de um novo Estado que albergue Bashar al Assad e os
Alauitas, ramo xiita a que pertence a família Assad. A "nova Síria" teria por
base as províncias de Tartus e Lataquia, onde estão concentrados os Alauitas e
que são as duas províncias mais a Oeste do actual território sírio, encostadas
ao Mar Mediterrâneo.
Em termos puramente militares é por demais evidente a
incapacidade das forças de Assad para recuperarem território: já perderam
grande parte da Síria para as várias facções que combatem o regime mas que
também combatem entre elas (por vezes em alianças de ocasião), apenas dominam a
capital – ainda assim praticamente cercada –, as zonas controladas pelo
Hezbollah libanês e algumas bolsas de terreno no resto do território, para além
das duas províncias junto ao Mediterrâneo. Assad, enfrenta vários inimigos,
conta com o apoio do Hezbollah libanês e de militares iranianos mas já não tem
capacidade de recrutamento próprio. A confusão na Síria é muito grande. Arrumar a
casa pode exigir um plano que comece por resolver o “problema Assad” e que
passará por dar ao actual Presidente um território que seja étnica e religiosamente
homogéneo. Depois se verá como pode evoluir o combate ao Estado Islâmico e quem
ficará no que restar do território da actual Síria.
Os mais de quatro anos de guerra já provocaram mais de
240.000 mortos, vários milhões de refugiados e deslocados. Os países vizinhos
albergam milhões de refugiados sírios e, também eles, querem ver rapidamente
terminado uma guerra que facilmente pode galgar fronteiras. Os curdos
capitalizam o esforço de guerra que têm feito contra o Estado Islâmico e vão
certamente querer que isso se traduza em algo mais, quer na Síria quer no
Iraque, sendo que na Turquia o governo dá sinais de não querer ser reactivo e
já se apressou a tomar a iniciativa de modo a que os curdos não sintam qualquer
margem de manobra a exigências que sempre assustaram Ancara. Se nada for feito
a guerra na Síria só pode alastrar.
O entendimento Estados Unidos/Rússia conhecido nos últimos
dias, com responsáveis militares dos dois países a discutirem a situação na
Síria é um sinal claro de que algo está a ser preparado. Tem havido uma
roda-viva nos corredores da diplomacia: Washington, Moscovo, Teerão, Riad, Omã,
são algumas das capitais que guardam o segredo do que está a ser preparado. Dos
últimos dias vem também a deslocação do Primeiro-Ministro israelita a Moscovo. O
chefe da diplomacia síria esteve em Omã (deslocação rara a um país sunita), o
chefe da secreta síria esteve em Riad… Teerão já terá um plano para a divisão
da Síria que poderá ser um ponto de partida para um entendimento. Assad terá de
perceber que não podendo ganhar esta guerra terá de perder alguma coisa para
não perder tudo. Basta para isso que os interesses da Rússia sejam satisfeitos
e que o Irão não estique demasiado a corda, até porque o acordo com o grupo dos
5+1 sobre o programa nuclear parece ser algo de que Teerão não se quer desviar.
Falta saber qual é a linha de fronteira no interior da Síria
que Assad vai querer estabelecer e até pode acontecer que queira manter num
futuro Estado algumas das cidades que há muito lhe escaparam da mão. Várias
cidades, de Damasco a Aleppo, passando por Homs e Hamah, todas elas a poucos
quilómetros da costa mediterrânica, seriam a cereja no topo do bolo da solução
que parece estar a caminho. Assad pode ficar satisfeito com Lataquia e Tartus e
mais uma faixa de território até Damasco. A fronteira com o Líbano é território
em que pode ter a ajuda do Hezbollah. Todos os sinais apontam para que Assad aceite
uma solução que lhe permita de algum modo salvar a face numa guerra que não
pode vencer. Para trás fica terra queimada entregue a extremistas e a rebeldes
que vão continuar a bater-se e onde as várias potências vão esgrimir
argumentos, explorar apoios e fidelidades. Ainda assim a solução da “nova Síria” poderá
também ser agarrada com ambas as mãos pelos rebeldes do Exército Livre da
Síria, cansados de esperar por apoios externos que nunca chegaram.
Já se percebeu que os países ocidentais não querem colocar
tropas no terreno. Também já se percebeu que os ataques aéreos da coligação
internacional contra o Estado Islâmico não estão a conseguir alterar a
situação. Por outro lado, já se viu que a Rússia está a enviar equipamento
militar para as duas províncias junto ao Mediterrâneo (sem oposição dos Estados
Unidos), sinal de que poderão estar a ser criadas as infra-estruturas militares
mínimas que garantam a defesa de um futuro Estado de Assad. Se isso vier a
acontecer, não é de todo desajustado considerar que é a Rússia quem mais
beneficia deste longo braço de ferro em que nunca “deixou cair” Bashar al Assad
no Conselho de Segurança da ONU. Afinal, se os Estados Unidos já contam com um
fiel aliado na região, a quem dão um forte apoio militar (Israel), a Rússia
mantém o aliado Assad e reforça a presença militar no Médio Oriente. Israel, se
não sentir a sua segurança em risco, não se vai importar com este novo desenho
até porque é conhecida a política russa em relação a movimentos islâmicos mais
radicais. Talvez o Irão seja o parceiro mais difícil de contentar nesta solução.
Quanto ao Líbano, encravado entre Israel a sul e uma “nova Síria” a norte e a
leste, há muito que é um barril de pólvora mas essa característica também tem
produzido ensinamentos que ajudam a enfrentar realidades complicadas.
Fazer
este tipo de previsões é arriscado, mas olhando para a geografia, para os
interesses das potências envolvidas e para os últimos desenvolvimentos da
agenda diplomática, a criação de uma “nova Síria” é a solução para onde todos
os dados apontam.
Pinhal Novo, 23 de Setembro de 2015
josé manuel rosendo