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sábado, 20 de outubro de 2018

Afeganistão: Quanto valem eleições em tempo de guerra?

Foto: jmr/Afeganistão 2009


Mais ou menos à mesma hora que este texto está a ser publicado, muitos afegãos já acordaram para ir votar. Ou não, porque não sei se acreditam na democracia ou se afastaram definitivamente essa possibilidade após 17 anos de contacto muito directo com forças militares de muitos países democráticos.

Há 17 anos que o Afeganistão está em guerra, não faltando muito para igualar as duas décadas de guerra no Vietname. Manter a guerra e alimentar simultaneamente a ilusão de que é possível fazer eleições, com algum valor democrático, e que dessas eleições pode resultar um poder político com capacidade para reconstruir os laços quebrados da sociedade e iniciar um caminho de paz, só pode ser um erro tremendo ou a vontade de tudo continuar na mesma para que a guerra, também ela, possa continuar. Ingenuidade, não é, certamente.

A foto que ilustra este texto foi tirada em 2009 aquando das eleições presidenciais em que Hamid Karzai foi reeleito para um segundo mandato. Um enorme boletim de voto com as fotografias dos candidatos deixava atónita a maioria dos que se apresentavam nas assembleias de voto e é bem o retrato do que podem valer eleições num país como o Afeganistão. Não, não é que os afegãos não merecem a democracia, mas após guerras sucessivas, senhores da guerra, senhores tribais, traficantes de droga, estrangeiros a mandarem no país, ataques terroristas e uma lista infindável de carências, convenhamos que democracia e eleições são o menor dos problemas para um povo assim martirizado.

Em 2001, os Estados Unidos iniciaram a ocupação do Afeganistão em resposta aos ataques do 11 de Setembro. O mundo entendeu o ataque. Mas agora já é difícil entender que a ocupação continue. Barack Obama quis retirar do Afeganistão mas isso acabou por não acontecer. Donald Trump não fala nisso, embora existam alguns sinais. O mais recém-nomeado “emissário norte-americano para a paz no Afeganistão”, Zalmay Khalilzad, é um experiente diplomata de origem afegã que foi Embaixador dos estados Unidos na ONU, Iraque e Afeganistão. Na ONU era apelidado de “Rei Zal”, é descrito como tendo uma visão belicista da política internacional e fez parte da corte de falcões do presidente George W. Bush. Ainda assim, se há alguém, ido do Ocidente, que consiga descodificar a realidade local, é este homem. Mas descodificar não é necessariamente o mesmo que perseguir objectivos que sejam bons para os afegãos. O ex-Presidente afegão Hamid Karzai, era um homem de mão dos Estados Unidos (colocado na presidência interina logo após a invasão) e dos interesses que pretendem utilizar terra afegã, nunca conseguiu reduzir a resistência Talibã; o actual Presidente Ashraf Ghani, um académico, de etnia pashtun, tal como Karzai, tem fortes ligações aos Estados Unidos, escolheu o ziguezagueante Rashid Dostum para vice-Presidente e até agora não conseguiu qualquer melhoria em termos de segurança, antes pelo contrário.

Temos habitualmente acesso à informação com origem em fontes ocidentais que nos dão conta de atentados e ataques armados alegadamente visando a população civil. Ainda no início de Outubro a ONU disse registar com preocupação o aumento de ataques, atribuídos ao Estado Islâmico (a quem é atribuída responsabilidade pela maioria das vítimas) e aos Talibã. Mas do lado do “Emirato Islâmico do Afeganistão” (Talibã) há uma acusação semelhante às forças de ocupação dizendo que são elas as responsáveis pela maioria das vítimas e das aldeias afegãs destruídas, e revelando uma lista dos locais atacados, dos danos provocados e do número de mortos. Diversas fontes, investigadores e analistas, admitem que em 2018 a guerra no Afeganistão pode ser a mais mortal entre todas as guerras que estão a decorrer.   

Longe vão os tempos, no verão de 2009, quando a ISAF tentou implementar a chamada “comprehensive approach” que, numa tradução livre, terá significado uma tentativa de aproximação amigável. O problema é que apesar desta tentativa, as viaturas militares nunca deixaram de ter uma espécie de sinal de stop onde se via a palma aberta de uma mão acompanhada de uma mensagem que convidava a manter distância.

No Afeganistão nunca houve aproximação nem qualquer possibilidade de relação mais afável com a população pela simples razão de que os afegãos sabiam muito bem o que podiam esperar de forças militares invasoras. E as coisas têm vindo sempre a piorar.

Desde Janeiro de 2015 um grupo de Mujahideen jurou lealdade ao Califa Abu Bakr Al Bagdadi e o Estado Islâmico desenvolveu a sua presença no Afeganistão. Talibã e Estado Islâmico são inimigos, mas combatem os ocupantes com a mesma determinação e com o mesmo objectivo: fazê-los sair do país. Não se conhecem os verdadeiros motivos, mas desde há meia-dúzia de meses que os Estados Unidos negoceiam com dirigentes Talibã. O mais recente encontro foi a 12 de Outubro, no Catar. Negociar é a única solução em todos os conflitos e principalmente num país onde os Talibã controlam cerca de um terço do território.

Para este sábado, dia de eleições, os Talibã avisaram escolas e professores para que não colaborem ou participem nas eleições. Argumentam que das eleições vai sair um Parlamento que apenas serve para legitimar a ocupação e a presença dos invasores, considerando que é dever nacional e religioso de todos os afegãos boicotar o processo eleitoral. Já se sabe que na província de Kandahar as eleições foram adiadas devido a um atentado que matou o chefe da polícia e o chefe dos serviços secretos (não muito longe do local onde estava Scott Miller, comandante militar norte-americano) e que das sete mil assembleias de voto, mais de duas mil nem sequer vão abrir. A campanha eleitoral foi violenta: morreram 10 candidatos e houve alguns raptados. Perante os factos e a realidade política, soam absurdas todas as garantias de segurança que as autoridades afegãs apregoam relativamente ao dia das eleições. E em Abril do próximo ano estão previstas eleições presidenciais.

Pinhal Novo, 20 de Outubro de 2018
josé manuel rosendo

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