quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Bagdad quase a arder

Foto do assalto à embaixada dos Estados Unidos em Teerão, Novembro de 1979. Autor desconhecido.
Ao olharmos para os acontecimentos por estes dias em Bagdad, é inevitável recordarmos o que se passou há 40 anos em Teerão. No início de Novembro de 1979, após dias de manifestações, a embaixada dos Estados Unidos foi tomada de assalto. Os manifestantes fizeram dezenas de reféns e a crise durou 444 dias. A crise dos reféns, assim ficou conhecida. 

Durante esta crise, os Estados Unidos falharam todas as tentativas diplomáticas para resolver a crise, falharam tentativas militares – pagaram um preço elevado – o Ayatola Khomeini reforçou o poder e Jimmy Carter perdeu a reeleição. A tomada da embaixada norte-americana foi o epílogo de décadas de apoio norte-americano ao Xá Reza Pahlevi. O Xá tinha-se oposto à nacionalização da companhia de petróleos e essa posição fez com que afastasse e prendesse o Primeiro-Ministro. O Xá tornou-se um ditador e a revolução era inevitável.

40 anos depois, em Bagdad, Iraque, a embaixada norte-americana também é o alvo dos protestos. Os manifestantes invadiram o campo da Embaixada situada na supersegura “Zona Verde” da capital iraquiana, vandalizaram zonas de segurança e hastearam bandeiras e cartazes com palavras de ordem hostis aos Estados Unidos. Gritou-se “morte à América!”. O motivo foi a morte de pelo menos 25 combatentes das Brigadas do Hezbollah (Kataib Hezbollah - a versão iraquiana do Partido de Deus) nos bombardeamentos norte-americanos a alvos em território iraquiano. 

Durante o “ataque” à embaixada norte-americana, as forças iraquianas não se opuseram e apenas as Forças de Mobilização Popular (brigadas xiitas fiéis ao Irão) acabaram com o protesto, dando ordem para desmobilizar e dizendo que a mensagem já tinha sido entendida em Washington.

Os Estados Unidos acusam o Irão de estar por detrás do “ataque” à embaixada e Donald Trump disse ao governo iraniano que vai pagar um alto preço de algo de grave acontecer à embaixada ou ao pessoal diplomático; O Irão (que já tinha classificado os bombardeamentos norte-americanos como actos terroristas) respondeu que é preciso ter uma grande “audácia” para matar 25 iraquianos e depois acusar o Irão de ser o responsável pelas manifestações de fúria dos iraquianos. Entretanto, Trump deu ordens para o envio de 750 militares norte-americanos para o Koweit (faz fronteira com o Iraque).

Perante os acontecimentos dos últimos dias, é preciso ter em conta o seguinte:
- Este protesto específico no Iraque relega para segundo plano as manifestações que saem à rua desde 1 de Outubro e em que a classe política é acusada de corrupção. Os manifestantes exigem “a queda do regime”. O país está paralisado.
- No Irão, a situação política interna também é de grande convulsão devido ao aumento do preço dos combustíveis e nas últimas semanas as organizações não governamentais referem cerca de 1.500 mortos.
- Nos Estados Unidos, Donald Trump enfrenta um processo de destituição e tem eleições daqui a menos de um ano. Parece que a todos interessa afastar as atenções sobre o que é realmente importante em termos internos e arranjar o habitual inimigo externo que serve para unir as hostes e fortalecer quem está no poder.

O resultado dificilmente será bom.

Pinhal Novo, 1 de Janeiro de 2019
josé manuel rosendo

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