A
grande lição que podemos recolher do Yémen está na parte final
deste escrito, mas antes de lá chegarmos é importante algum contexto.
A
guerra devasta o Iémen há mais de quatro anos. A contagem de mortos da Organização das Nações Unidas (ONU) apontava, em 2016, para cerca de 10 mil mortos. Daí para cá não se sabe quantas
pessoas morreram. Mas sabemos, porque a ONU nos diz, que cerca de 20 milhões de
pessoas vivem uma terrível insegurança alimentar, dependentes da ajuda que lhes
chega. Os Médicos Sem Fronteiras dizem que houve um colapso total do sistema de
saúde e também da economia do país. As doenças têm porta escancarada devido aos problemas
sanitários. A tragédia é já apontada como a pior crise humanitária do século
XXI e talvez por isso, por tudo isso ser uma vergonha, as partes directamente
envolvidas sentaram-se à mesa e resolveram dar um sinal de que talvez seja
possível reduzir o sofrimento de milhões de pessoas.
A
18 de Dezembro, na Suécia, houve um aperto de mão entre rebeldes Houthis e
representantes do Governo Iemenita, e foi assinado um acordo para uma trégua. É
coisa pouca, face à dimensão do problema, mas é alguma coisa. Esse acordo
estabelece um cessar-fogo na cidade (e no porto) de Hodeida; foi dado um prazo
de três semanas para reposicionamento de forças militares no exterior da
cidade; as taxas portuárias de Hodeida vão ser transferidas para o Banco central
de modo a que seja possível pagar salários aos funcionários públicos. Desde que
o acordo foi assinado, é certo que as armas não ficaram em silêncio, mas sentar
inimigos à mesa é sempre um passo obrigatório para chegar a algum resultado.
Aliás, enquanto decorriam as negociações, os combates continuaram, mas o acordo
foi assinado e o Conselho de Segurança da ONU já aprovou o envio de
observadores para o terreno (para Hodeida e outros dois portos).
Paralelamente,
em Marrocos, a 11 de Dezembro, foi aprovado o Pacto Global para as Migrações,
no âmbito das Nações Unidas. Apenas 165 dos 193 países assinaram o documento.
Posteriormente, a Assembleia Geral da ONU ratificou o documento: 152 países
votaram a favor, 12 abstiveram-se e cinco votaram contra (Estados Unidos, Israel,
Hungria, República Checa e Polónia). Durante as negociações, outros países
europeus anunciaram que não assinavam o Pacto.
Este
documento não é um Tratado. Estabelece princípios e é sobretudo um compromisso
em defesa dos Direitos Humanos. Países como a Áustria, Chile, Brasil, Austrália, entre outros, ficaram de fora, dando ouvidos a Donald Trump.
O governo belga caiu porque a coligação desfez-se depois de o Primeiro Ministro
Charles Michel ter assinado o Pacto, algo que os Nacionalistas Flamengos não
conseguiram suportar.
Esta recusa de alguns governantes de tentar resolver em conjunto um problema que é de todos, deixa-nos a pensar sobre o que vai na cabeça dos políticos destes países. Ao mesmo tempo
chega-nos a notícia de que em 2018, estima-se que 150 mil refugiados tenham
chegado ao Iémen. Sim, ao Iémen. É um aumento de 50% em relação a 2017.
Esta
informação passou “ao lado” – pelo menos não dei por ela em Portugal – mas foi
divulgada pela Organização Internacional para as Migrações (OIM - liderada por
António Vitorino). Haverá quem se interrogue: como é possível
que alguém tente obter refúgio, nem que seja provisório, num país em guerra?
Como é possível que um país em guerra esteja de portas abertas para 150 mil
pessoas quando a própria população não tem o que comer?
A
OIM acrescentou que 20% destes refugiados são menores e a maioria viajam sozinhos;
92% destas 150 mil pessoas são oriundos da Etiópia e da Somália.
A
OIM chama a atenção para este fluxo de refugiados que diz ser superior a outros
fluxos e, em particular, à previsão de travessias no Mediterrâneo. O Iémen é
apenas uma etapa nesta rota de refugiados que parte de vários pontos de África
até ao Djibouti, para depois atravessar o Golfo de Aden até ao Iémen, e daí
tentar chegar a outros países do Golfo. A OIM contabilizou 156 mortes nesta
travessia – muito menos do que as cerca de duas mil mortes no Mediterrâneo, em
2018, mas a própria OIM disse que 156 mortos é um número longe da realidade.
Estes
refugiados entram num país em guerra, atravessam campos minados e certamente
alguns não conseguirão continuar viagem. É verdade que os que chegam ao Iémen
não pretendem ficar no país, mas não é menos verdade que não encontram arame
farpado nem são detidos ou reenviados para o ponto de partida. Talvez o caos no
Iémen faça dos refugiados uma questão não prioritária, mas não deixa de ser assinalável
que, quem quase nada tem, não levante obstáculos à chegada (ou passagem) de
refugiados, enquanto aqueles que mais têm fecham fronteiras e constroem muros,
travando a marcha de esperança de milhares de pessoas, condenando-as à morte no
Mediterrâneo ou amachucando-lhes a dignidade em campos de refugiados
sustentados com os fartos orçamentos dos países mais ricos.
O
Director do Programa Alimentar Mundial, David Beasley, disse que o Iémen não é
um país à beira da catástrofe, o Iémen já está em situação de catástrofe; o secretário-geral adjunto da ONU para os assuntos humanitários, Mark Lowcock, disse
que o Iémen será o país com o maior problema em 2019.
Deste
conjunto de factos, parece-me sensato retirar uma lição com base nas atitudes
de quem acolhe e de quem é acolhido: o povo do Iémen não fecha as portas a quem
o procura – talvez porque saiba bem o que é a guerra e a fome; os refugiados
que procuram o Iémen não receiam entrar num país em guerra desde que esse passo
seja o único que lhes dá alguma esperança numa vida melhor. Quem não entender o
desespero de pessoas que se sujeitam a entrar num país em guerra para tentar encontrar
um caminho de futuro, não entende nada.
Pinhal
Novo, 28 de Dezembro de 2018
josé
manuel rosendo
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