Mostrar mensagens com a etiqueta Neoliberalismo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Neoliberalismo. Mostrar todas as mensagens

sábado, 6 de maio de 2017

Em Almeida, manda Bruxelas...


Ao que tem sido dito por governantes, e não tem sido contrariado pela oposição – nem à esquerda nem à direita – Bruxelas impôs condições para aceitar que o Estado português colocasse dinheiro para recuperar a Caixa Geral de Depósitos (CGD). E essas condições de Bruxelas passam por ter na CGD um modelo de gestão e uma estratégia de negócio idênticos aos dos bancos privados. Isto é, nós podemos continuar a dizer que a CGD é um banco público, porque o accionista é o Estado, mas o modelo de gestão e a estratégia de negócio da CGD terá de ser igual à de um banco privado. E este é o problema.

Desde logo, porque é por esta e outras como esta, que a União Europeia está como está, e é por esta e outras como esta, que as Le Pen’s desta vida conseguem o capital de simpatia (e o voto) de milhões de pessoas. A União Europeia "acha", e determina, que um Estado não pode, mesmo que queira, ter um banco realmente público, com uma lógica de gestão e de negócio diferentes da banca privada. Bruxelas manda, os governos aceitam e obedecem (alguns até concordam), e as pessoas fartam-se.
São essas pessoas que se atiram nos braços do primeiro que lhes promete o paraíso e levanta a voz contra Bruxelas. Quem conduziu a União Europeia a este estado, bem pode bater com a mão no peito e dizer que tem uma receita para evitar o desastre, mas o povo já não acredita.

Depois, – alô concelho de Almeida – basta consultar os mais recentes resultados eleitorais para se perceber quem recebeu a maioria dos votos dos almeidenses. Porquê? Porque não se pode votar no neoliberalismo e reivindicar que o Estado – ou as empresas do Estado – tenha preocupações sociais. Não se pode votar em quem defende políticas iguais às que Bruxelas defende e esperar resultados diferentes daqueles que agora são contestados em Almeida. Não bate a bota com a perdigota.

O neoliberalismo é a selva dos mercados desregulados. Os neoliberais defendem que o Estado deve ser gerido como uma empresa, entenda-se, deve dar lucro. Assim sendo, um balcão da CGD – uma empresa de lógica privada – que não dá lucro... deve encerrar. Qual é a dúvida?

Certamente que em Almeida também há quem tenha consciência da verdadeira origem do problema que leva ao triste rodar da chave que fecha o balcão da CGD, e é por isso que, aqui chegado, hesito. Não sobre o que penso, mas sobre o que devo aqui escrever. Estou dividido entre o dito popular, que reconhece ao povo a sabedoria da escolha democrática no momento certo, e o politicamente incorrecto de dizer que o povo vota sem saber muito bem em quem, e em muitos casos sem saber porquê. Outras vezes ainda, pensa à direita e vota à esquerda e vice-versa. Depois dá nisto.

Sempre quero ver qual vai ser o resultado das próximas eleições em Almeida. Quase que aposto que ainda vai aparecer quem diga aos almeidenses que a culpa da CGD não ter um balcão na sede do concelho é dos que defendem que a CGD deve ser um banco realmente público. Podemos não dar por isso, mas é no momento de votar que decidimos este tipo de coisas.


Pinhal Novo, 6 de Maio de 2017

josé manuel rosendo

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

A balda dos táxis num país de “uber's" à balda


A foto que ilustra este texto foi feita por mim, em Abril de 2015. Chegado à estação de Campanhã, no Porto, entrei no primeiro táxi da fila – tem de ser assim - e, já lá dentro, deparo-me com este cenário: um pára-brisas estilhaçado! O táxi era velho e revelho, as mudanças entravam a “pontapé” e o motorista, coitado, muito mais velho do que o táxi, já merecia estar a gozar a reforma. Se juntarmos a este exemplo a manifestação/protesto desta segunda-feira (10 de Outubro) e as imagens de verdadeiros arruaceiros que os taxistas transmitiram ao país, podemos dizer que o sector está a precisar de uma enorme reciclagem. Isto para dizer que apesar deste mau serviço e destes maus exemplos considero que o que estão a fazer aos taxistas – aos profissionais dignos – é uma verdadeira “filha da putice”.

Num Estado de Direito Democrático (EDM) não parece defensável pretender manter uma actividade económica sem que esteja regulamentada (uber e cabify); num EDM não parece defensável ter regras diferentes para vários agentes económicos que concorrem na mesma área de negócio; num EDM alguém que inicie uma actividade económica sem enquadramento legal deve ser devidamente punido.

O que está em causa (táxis versus uber/cabify) não são novas tecnologias – as tais plataformas; não está em causa um novo serviço; ninguém descobriu a pólvora. O que está em causa é que uns quantos xico-espertos descobriram uma brecha na legislação - e tiveram cobertura política para crescer e apresentarem-se agora com um facto consumado - que tentam explorar, e consideram-se “muito à frente”; o que está também em causa são empresas de táxis que pararam no tempo e quiseram, num determinado momento, reduzir custos à conta de biscateiros mal preparados que não têm nenhum tipo de preocupação com o futuro da actividade a não ser receber o trabalho feito durante algumas horas depois do turno de trabalho normal na empresa onde realmente trabalham (todos conhecemos alguém que após um horário normal de trabalho entra(va) num táxi para fazer umas horas e aconchegar o orçamento); o que está em causa é taxistas sem brio profissional (sim, sem brio profissional: alguns são mal educados, alguns cheiram mal, usam camisas surradas, fumam dentro dos táxis): E que as empresas de táxis não venham acusar a uber de utilizar trabalho precário – o que é verdade – porque fazem (ou pelo menos já fizeram) o mesmo. Evidentemente que também há bons profissionais, mas tudo o que atrás foi referido contribuiu para a degradação do serviço.

A desregulamentação é a menina dos olhos dos neoliberais. No caso da uber e da cabify, beneficiaram de um momento em que Portugal tinha o Governo que todos sabemos; seria um bom sinal do actual Governo combater a desregulamentação neste sector e seria um sinal de afastamento de práticas e filosofias anteriores.

Melhores serviços todos queremos, mas entrar no facilitismo de admitir a desregulamentação das actividades económicas só porque, num determinado momento, há um ganho imediato da qualidade desse serviço, é abrir a porta a uma sociedade sem regras, ao trabalho à jorna, à selva. Quem agora pensa que ganha alguma coisa com essa desregulamentação não vai demorar muito a perceber que as perdas são muito maiores a médio-longo prazo. Hoje é o sector do serviço de transporte de passageiros em veículos ligeiros, ontem já foi assim com outros sectores, amanhã será ainda com outros. O lucro desta desregulamentação nunca beneficia quem trabalha ou quem utiliza os serviços. Nunca beneficia a Sociedade no seu conjunto.

No caso de que estamos a falar, tanto se me dá que lhe chamem uber, táxi ou cabify. Gostaria de ter um serviço que me transportasse num carro limpo, de preferência com poucos anos de uso e com um motorista educado que não reclamasse quando a corrida é pequena, quando não recebe o pagamento em dinheiro trocado ou quando não recebe a esperada gorjeta. E esse serviço terá de ser regulamentado, para defesa dos profissionais e dos cidadãos que utilizam o serviço. E já agora, também é bom que se diga que os motoristas da uber/cabify nunca fazem porventura o mesmo tipo de reclamações porque podem recusar os serviços que não lhes interessam. Os taxistas não o podem fazer.

Pinhal Novo, 10 de Outubro de 2016

josé manuel rosendo

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Estamos a ser roubados...

Certeiro e contundente. Como é que eu tinha passado "ao lado" deste texto e só o descobri quase seis meses depois? Obrigado, José Gil.


O ROUBO DO PRESENTE - José Gil

“Há pelo menos uma década e meia está a ser planeada e experimentada quer a nível do nosso país, quer na Europa e no mundo uma nova ditadura - não tem armas, não tem aparência de assalto, não tem bombas, mas tem terror e opressão e domesticação social e se deixarmos andar, é também um golpe de estado e terá um só partido e um só governo - ditadura psicológica.

Nunca uma situação se desenhou assim para o povo português: não ter futuro, não ter perspectivas de vida social, cultural, económica, e não ter passado porque nem as competências nem a experiência adquiridas contam já para construir uma vida. Se perdemos o tempo da formação e o da esperança foi porque fomos desapossados do nosso presente. Temos apenas, em nós e diante de nós, um buraco negro.

O «empobrecimento» significa não ter aonde construir um fio de vida, porque se nos tirou o solo do presente que sustenta a existência. O passado de nada serve e o futuro entupiu. O poder destrói o presente individual e coletivo de duas maneiras: sobrecarregando o sujeito de trabalho, de tarefas inadiáveis, preenchendo totalmente o tempo diário com obrigações laborais; ou retirando-lhe todo o trabalho, a capacidade de iniciativa, a possibilidade de investir, empreender, criar. Esmagando-o com horários de trabalho sobre-humanos ou reduzindo a zero o seu trabalho. O Governo utiliza as duas maneiras com a sua política de austeridade obsessiva: por exemplo, mata os professores com horas suplementares, imperativos burocráticos excessivos e incessantes: stress, depressões, patologias, border-line, enchem os gabinetes dos psiquiatras que os acolhem. É o massacre dos professores. Em exemplo contrário, com os aumentos de impostos, do desemprego, das falências, a política do Governo rouba o presente de trabalho (e de vida) aos portugueses (sobretudo jovens)

O presente não é uma dimensão abstracta do tempo, mas o que permite a consistência do movimento no fluir da vida. O que permite o encontro e a intensificação das forças vivas do passado e do futuro - para que possam irradiar no presente em múltiplas direcções. Tiraram-nos os meios desse encontro, desapossaram-nos do que torna possível a afirmação da nossa presença no presente do espaço público. Actualmente, as pessoas escondem-se, exilam-se, desaparecem enquanto seres sociais.

O empobrecimento sistemático da sociedade está a produzir uma estranha atomização da população: não é já o «cada um por si», porque nada existe no horizonte do «por si». A sociabilidade esboroa-se aceleradamente, as famílias dispersam-se, fecham-se em si, e para o português o «outro» deixou de povoar os seus sonhos - porque a textura de que são feitos os sonhos está a esfarrapar-se. Não há tempo (real e mental) para o convivio. A solidariedade efectiva não chega para retecer o laço social perdido. 

O Governo não só está a desmantelar o Estado social, como está a destruir a sociedade civil. Um fenómeno, propriamente terrível, está a formar-se: enquanto o buraco negro do presente engole vidas e se quebram os laços que nos ligam às coisas e aos seres, estes continuam lá, os prédios, os carros, as instituições, a sociedade. Apenas as correntes de vida que a eles nos uniam se romperam. Não pertenço já a esse mundo que permanece, mas sem uma parte de mim. O português foi expulso do seu próprio espaço continuando, paradoxalmente, a ocupá-lo. Como um zombie: deixei de ter substância, vida, estou no limite das minhas forças - em vias de me transformar num ser espectral. Sou dois: o que cumpre as ordens automaticamente e o que busca ainda uma réstia de vida para os seus, para os filhos, para si.

Sem presente, os portugueses estão a tornar-se os fantasmas de si mesmos, à procura de reaver a pura vida biológica ameaçada, de que se ausentou toda a dimensão espiritual. É a maior humilhação, a fantomatização em massa do povo português.


Este Governo transforma-nos em espantalhos, humilha-nos, paralisa-nos, desapropria­-nos do nosso poder de acção. É este que devemos, antes de tudo, recuperar, se queremos conquistar a nossa potência própria e o nosso país."