sábado, 1 de setembro de 2012

Extermine-se a Constituição, pois claro!


Três episódios. O primeiro, já lá vão uns meses: Medina Carreira à conversa com Judite de Sousa na TVI24, como sempre com aqueles gráficos que acabam a mostrar que as contas públicas portuguesas só tiveram saldo positivo no tempo de Salazar e do cobiçado Volfrâmio durante a II Guerra Mundial. No meio da conversa, Medina Carreira atira a pergunta (mais ou menos assim): a Judite Sousa quando vai jantar leva a Constituição (da República Portuguesa) debaixo do braço para pagar a conta? Percebi a atrapalhação da Judite, e eu, que ainda não perdi a capacidade de me indignar, dei um salto no sofá. Judite de Sousa ainda gaguejou qualquer coisa em defesa da Lei Fundamental e da democracia, mas Medina Carreira insistiu na tese de que a situação da economia não se compadece com esse entrave que é a Constituição.

O segundo episódio foi na Quarta-feira à noite, mais uma vez na TVI24 durante uma entrevista a António Pires de Lima, e que eu transcrevo da página de Internet da TVI: “Eu não sei se o PSD e CDS devem assumir a responsabilidade de continuar a governar se tudo aquilo que é preciso fazer em Portugal para relançar a economia e controlar a despesa pública for impossibilitado pela Constituição Portuguesa” acrescentando queo PSD e o CDS devem confrontar a troika com esta surpresa”. E concluiu; “Não estou a ver uma solução fácil, a não ser que a própria troika obrigue o Estado português e os principais partidos portugueses a ajustarem a Constituição, de forma a que ela permita a execução de um programa que foi assinado por três partidos que representam 80 a 90 por cento do Parlamento”. Só faltou dizer: Olé! Desta vez já não dei um salto no sofá.
Devo dizer que em relação a Medina Carreira e a Pires de Lima, por razões óbvias, as afirmações não me surpreendem. Estão em linha com uma certa forma de fazer política e de estar nos negócios, que muitas vezes entram em choque com valores que tenho para mim como fundamentais e inalienáveis.

Hoje, sexta-feira (as férias são uma coisa terrível e até temos tempo para ler coisas destas…), novo ataque à Constituição nas páginas do Correio da Manhã (CM), através da pena de João Miguel Tavares. O “cronista indelicado” como é apresentado na coluna do CM, discorre sobre a RTP. Diz que Serviço Público de televisão, hoje, não significa “coisa nenhuma” e lembra quando, em 1985, “Portugal inteiro parou para assistir ao corte impiedoso das partes baixas do Caniço no final da novela ‘Chuva na Areia’”. Depois pergunta: (…) “, será que o Fernando Mendes e o Malato valem 300 milhões de euros por ano?”.
Conclui com uma “pérola”dizendo que a ideia de privatizar a RTP de vez “esbarra num problema chamado Constituição da República Portuguesa, onde um qualquer apreciador de ‘Gabriela’ achou por bem fixar a exigência de o Estado assegurar um canal público de televisão. Assim sendo, a ideia de fechar a RTP 2 e concessionar a RTP 1 a privados é bem capaz de ser a menos má das opções. Não chega a ser uma boa opção, claro, e é preciso conhecer os contornos do negócio. Mas enquanto não se der à Constituição o tratamento que se deu ao Caniço, não há muito que se possa fazer.” Isto é: atire-se a Constituição ao lixo! Que se lixe a Democracia, o Estado de Direito, a Liberdade (até a de dizer estas asneiras).

A imbecilidade (peço desculpa mas não encontro outra palavra…) de João Miguel Tavares não merecia tanto espaço neste texto, nem o esforço de quem o está a ler, mas é preferível assim a ser acusado de escrever alguma coisa fora de contexto.
Este género de artigo é aliás demasiado frequente na imprensa portuguesa. Caracteriza-se por um tipo de escrita que pretende ser crítica, pretende ter graça, ligeira, jogando com a construção de frases apelativas e marcantes, em raciocínios breves e por isso facilmente assimiláveis. Para estes escribas não parece importar os conteúdos. É preciso é escrever alguma coisa que provoque polémica e, de preferência, seja alvo de comentários na imprensa, televisões, redes sociais, etc.. Conseguido o objectivo do escriba, ele está no mercado. Isto é, consegue ganhar a vida, mesmo que não tenha ideias sustentadas sobre nada nem coisa nenhuma mas desde que escreva umas coisas que provoquem polémica. Nem seria grave, se depois, a opinião pública mal informada não acabasse a fazer comentários como este que retirei do CM na Internet, mesmo ao lado do texto de João Miguel Tavares: “É muita gente a mamar da RTP, mas mesmo muita gente, daí todo este ai ai JESUS. Eu por mim não dava um cêntimo à RTP” (opinião assinada).

Tudo isto para dizer que está lançado o ataque à Constituição. Seja por causa da situação da Economia ou da RTP, o que estes senhores entendem é que é preciso mudar a Constituição. Começaram timidamente, como sempre começam estas coisas, vamos ver como vão evoluir. Houve tempos em que os espanhóis cá vieram… houve tempos em  que os ingleses nos fizeram um ultimato… parece que o tempo agora é o de ser mos nós (salvo seja) a pedir à troika para nos obrigar a mudar a nossa Constituição. Neste país desgraçado, ou muito me engano ou estes que agora falam assim ainda vão acabar a dizer que a culpa é da Democracia. E depois, já se sabe…

Obrigado
José Manuel Rosendo
Pinhal Novo 1 de Setembro de 2012

Tanta asneira sobre a Rádio e a Televisão públicas…


Se tiverem paciência para ler, agradeço. Estou de férias e deu-me pra isto. Ando de “saco cheio” e nem o sol aproveito.
Mas que raio de conversa é essa de não se saber o que é “Serviço Público”? Quem faz esta pergunta não levou vacinas quando era pequenino? Não andou na Escola Pública? Não andou de comboio, autocarro? Nunca viu as patrulhas da PSP ou da GNR? Não sabe que um Serviço Público é algo que o Estado disponibiliza aos cidadãos para que eles o possam ser de facto: cidadãos! Porque só são cidadãos, e pessoas, se tiverem um conjunto de serviços que possam, de facto, utilizar, sem que essa utilização esteja dependente do seu poder económico. Não sabem isto? Aqui chegados já oiço rugidos: “isso não tem nada a ver com serviço público aplicado à rádio e à televisão”. Tem, tem! Por que é que não se entrega o Serviço Nacional de Saúde (totalmente) aos privados? Por que é que não se entrega o Ensino (totalmente) aos privados? Por que é que não se entrega a Segurança (totalmente) aos privados?

A diferença entre um órgão de comunicação social (OCS) privado e um outro público é muito simples: o privado depende da vontade dos accionistas, tem uma orientação “editorial” de acordo com a vontade da administração, pretende fazer dinheiro ou, o que pode ser muito mais importante para o accionista, ser utilizado como arma de arremesso útil a estratégias do grupo económico a que pertence (basta estar atento ao que se passa neste momento para perceber os interesses económicos transformados em manchete de jornal). Apesar de não concordar que um OCS deva em circunstância alguma servir este tipo de interesses, sendo privado e atendendo aos tempos que correm – não, não estou a fazer nenhuma concessão, estou apenas a facilitar o avanço do que quero dizer – até dou de barato, sendo que a única opção para os leitores/ouvintes/telespectadores, quando confrontados com este tipo de OCS, é comprar ou não comprar, ouvir ou não ouvir, ver ou não ver. E fica por aí.

Ao contrário, um órgão de comunicação social público, responde perante os portugueses nas instituições que têm a função de o fiscalizar, regular e acompanhar. Podemos discutir tudo: o modelo, os canais, as nomeações, as grelhas, as pessoas, os ordenados… podemos discutir tudo, mas se os diferentes canais da RTP (Rádio e Televisão) produzissem as gralhas e as notícias que vão por aí noutros OCS, “caía o carmo e a trindade”, havia administrações e directores demitidos.
A Rádio e Televisão de Portugal faz uma cobertura do país que nenhum outro OCS faz ou tem interesse em fazer. Se alguém quiser ter uma noção concreta desta afirmação basta consultar as grelhas de programação, avaliar a oferta pluralista e diversificada, analisar os noticiários e depois pode ter uma opinião sustentada. A quem não quiser ter esse trabalho só posso aconselhar cautela, muita cautela, com opinadores que propagam a mentira e que nem os próprios sabem do que falam.
Mais algum OCS tem um Conselho de Opinião que representa a sociedade portuguesa para acompanhar a sua actividade? A RTP tem.

A RTP é “ um saco de boxe”. Sempre foi. Mas essa é a “cruz” de um OCS público, sujeito ao escrutínio dos cidadãos. E ainda bem que há esse escrutínio, desde que seja intelectualmente honesto. Já alguém imaginou um programa na televisão pública onde o jornalista de serviço destilasse ódio contra a SIC como Mário Crespo, na SIC Notícias, destila ódio contra a RTP (e contra tudo que “cheire” a serviço público)? Ninguém imagina, pois não? Sabem porquê? Porque a RTP é um OCS público e não serve para esse tipo de coisas. Este é um bom exemplo para perceber a diferença.

E ainda faço outro pergunta: conseguem descobrir um OCS onde sejam publicadas notícias que não agradem ao accionista? Se calhar passou-me alguma coisa ao lado mas gostava de encontrar um exemplo de uma notícia do Público que belisque os interesses de Belmiro de Azevedo; uma notícia do Expresso, da SIC ou da Visão, que belisque interesses de Pinto Balsemão; uma notícia do DN ou do JN que belisque os interesses de Joaquim Oliveira. Eu sei que o Governo não é o accionista da RTP (é o Estado) mas sabem quantas notícias a Rádio e a Televisão públicas editam diariamente que o Governo preferia que fossem ignoradas? Pois é…

E no meio de tudo isto convém desmistificar aquela história de quem paga o quê, porque se a taxa do audiovisual uq eos portugueses pagam serve para pagar a RTP, quem é que vocês acham que paga os outros OCS? Está-se mesmo a ver que são os donos, os accionistas, não é? Pagamos todos, sim, pagamos todos através do valor da publicidade que está incluído nos produtos que compramos. Mais ainda, pagamos mesmo quando não queremos ver, ouvir ou ler, porque compramos o produto (com a fatia da publicidade incluída no preço) independentemente de beneficiarmos ou não do OCS que vai receber essa fatia da publicidade. E quem quiser enfiar a cabeça na areia que faça o favor, mas que é verdade não tenham dúvidas. Pagamos é (quase) sem dar por isso.

Quem diz que não sabe o que é Serviço Público é quem apenas mede o valor da nossa vida (com tudo o que dela faz parte) através de uma conta de merceeiro que só tem duas colunas: a do deve e a do haver. Coitados!

Obrigado
José Manuel Rosendo
Pinhal Novo, 1 de Setembro de 2012

Reportagem na Síria