Três episódios. O primeiro, já lá vão uns meses: Medina
Carreira à conversa com Judite de Sousa na TVI24, como sempre com aqueles
gráficos que acabam a mostrar que as contas públicas portuguesas só tiveram
saldo positivo no tempo de Salazar e do cobiçado Volfrâmio durante a II Guerra
Mundial. No meio da conversa, Medina Carreira atira a pergunta (mais ou menos
assim): a Judite Sousa quando vai jantar leva a Constituição (da República
Portuguesa) debaixo do braço para pagar a conta? Percebi a atrapalhação da
Judite, e eu, que ainda não perdi a capacidade de me indignar, dei um salto no
sofá. Judite de Sousa ainda gaguejou qualquer coisa em defesa da Lei
Fundamental e da democracia, mas Medina Carreira insistiu na tese de que a
situação da economia não se compadece com esse entrave que é a Constituição.
O segundo episódio foi na Quarta-feira à noite, mais uma vez
na TVI24 durante uma entrevista a António Pires de Lima, e que eu transcrevo da
página de Internet da TVI: “Eu não
sei se o PSD e CDS devem assumir a responsabilidade de continuar a governar se
tudo aquilo que é preciso fazer em Portugal para relançar a economia e
controlar a despesa pública for impossibilitado pela Constituição Portuguesa” acrescentando
que “o PSD e o
CDS devem confrontar a troika com esta surpresa”. E concluiu; “Não estou a ver uma solução fácil, a não ser que a
própria troika obrigue o Estado português e os principais partidos portugueses
a ajustarem a Constituição, de forma a que ela permita a execução de um
programa que foi assinado por três partidos que representam 80 a 90 por cento
do Parlamento”. Só faltou dizer: Olé! Desta vez já não dei um salto no sofá.
Devo dizer que em
relação a Medina Carreira e a Pires de Lima, por razões óbvias, as afirmações
não me surpreendem. Estão em linha com uma certa forma de fazer política e de
estar nos negócios, que muitas vezes entram em choque com valores que tenho
para mim como fundamentais e inalienáveis.
Hoje, sexta-feira (as férias são uma coisa terrível e
até temos tempo para ler coisas destas…), novo ataque à Constituição nas
páginas do Correio da Manhã (CM), através da pena de João Miguel Tavares. O
“cronista indelicado” como é apresentado na coluna do CM, discorre sobre a RTP.
Diz que Serviço Público de televisão, hoje, não significa “coisa nenhuma” e
lembra quando, em 1985, “Portugal inteiro parou para assistir ao corte
impiedoso das partes baixas do Caniço no final da novela ‘Chuva na Areia’”.
Depois pergunta: (…) “, será que o Fernando Mendes e o Malato valem 300 milhões
de euros por ano?”.
Conclui com uma
“pérola”dizendo que a ideia de privatizar a RTP de vez “esbarra num problema
chamado Constituição da República Portuguesa, onde um qualquer apreciador de
‘Gabriela’ achou por bem fixar a exigência de o Estado assegurar um canal
público de televisão. Assim sendo, a ideia de fechar a RTP 2 e concessionar a
RTP 1 a privados é bem capaz de ser a menos má das opções. Não chega a ser uma
boa opção, claro, e é preciso conhecer os contornos do negócio. Mas enquanto
não se der à Constituição o tratamento que se deu ao Caniço, não há muito que
se possa fazer.” Isto é: atire-se a Constituição ao
lixo! Que se lixe a Democracia, o Estado de Direito, a Liberdade (até a de
dizer estas asneiras).
A imbecilidade (peço desculpa mas não encontro outra
palavra…) de João Miguel Tavares não merecia tanto espaço neste texto, nem o
esforço de quem o está a ler, mas é preferível assim a ser acusado de escrever
alguma coisa fora de contexto.
Este género de artigo é aliás demasiado frequente na
imprensa portuguesa. Caracteriza-se por um tipo de escrita que pretende ser
crítica, pretende ter graça, ligeira, jogando com a construção de frases
apelativas e marcantes, em raciocínios breves e por isso facilmente
assimiláveis. Para estes escribas não parece importar os conteúdos. É preciso é
escrever alguma coisa que provoque polémica e, de preferência, seja alvo de
comentários na imprensa, televisões, redes sociais, etc.. Conseguido o
objectivo do escriba, ele está no mercado. Isto é, consegue ganhar a vida,
mesmo que não tenha ideias sustentadas sobre nada nem coisa nenhuma mas desde
que escreva umas coisas que provoquem polémica. Nem seria grave, se depois, a
opinião pública mal informada não acabasse a fazer comentários como este que
retirei do CM na Internet, mesmo ao lado do texto de João Miguel Tavares: “É
muita gente a mamar da RTP, mas mesmo muita gente, daí todo este ai ai JESUS.
Eu por mim não dava um cêntimo à RTP” (opinião assinada).
Tudo isto para
dizer que está lançado o ataque à Constituição. Seja por causa da situação da
Economia ou da RTP, o que estes senhores entendem é que é preciso mudar a
Constituição. Começaram timidamente, como sempre começam estas coisas, vamos
ver como vão evoluir. Houve tempos em que os espanhóis cá vieram… houve tempos
em que os ingleses nos fizeram um
ultimato… parece que o tempo agora é o de ser mos nós (salvo seja) a pedir à
troika para nos obrigar a mudar a nossa Constituição. Neste país desgraçado, ou
muito me engano ou estes que agora falam assim ainda vão acabar a dizer que a
culpa é da Democracia. E depois, já se sabe…
Obrigado
José Manuel
Rosendo
Pinhal Novo 1 de
Setembro de 2012
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