sábado, 29 de dezembro de 2012

Cigarrinhos de enrolar e gestores que ganham mais de um milhão de €uros por ano.

Podia começar por dizer que a tocar o final de 2012 decidi fazer as contas do ano. Não é verdade. Confesso que já não faço contas. Simplesmente não gasto. Isto é, tenho que comer, mais algumas coisas básicas, pagar água, renda de casa, luz e electricidade, e faço uns cigarrinhos de enrolar. Ponto final.
 
Mas, chegado a casa, li nos jornais o que não tive tempo de ler durante o dia. A manchete do DN tinha ficado à espera: “30 gestores tiveram ganhos anuais acima de um milhão em 2011”. O DN acrescenta, não dizendo quem é, que um desses 30 gestores recebeu 2,7 milhões de Euros em 2011. Os números parecem insuspeitos porque fazem parte de um relatório anual produzido pela CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários). No caso são gestores executivos de empresas cotadas.
 
Leio o artigo enquanto vejo num canal de notícias os aumentos de preços agendados para entrar em vigor a partir de 1 de Janeiro. Preços de serviços prestados por empresas, algumas delas que já foram do Estado – nossas – e pergunto-me, porque o DN não diz, se alguns destes gestores não serão destas empresas que agora vão aumentar os preços; e pergunto-me ainda qual a percentagem destes aumentos – que nós vamos pagar – que vai engordar estas e outras suculentas remunerações dos ditos gestores.
 
Com estas perguntas para as quais certamente conhecerão a resposta, dou comigo a pensar naqueles doutos economistas e políticos que, sempre que falam das empresas que são do Estado quando estas apresentam contas deficitárias – em regra os mesmos tendem a ignorar os benefícios sociais que esse défice significa – fazem logo a seguir a pergunta que o povo gosta de ouvir: quem é que paga isto? “Quem é que paga isto?”, é a frase a que aqueles que estão a receber a mensagem (provavelmente desempregados, reformados, trabalhadores a salário mínimo ou nem isso…) respondem de forma automática: somos nós! Muito provavelmente acrescentarão, dirigindo-se aos que trabalham nessas empresas públicas, uns quantos palavrões cuja intensidade dependerá de quem mais tiverem ao seu redor.
 
Esta demagogia de perguntar “quem paga?” quando se fala de empresas públicas é feita com a sugestão implícita de que nas empresas privadas não são os mesmos a pagar. Pura mentira. Quem paga os lucros dos bancos? Quem paga os lucros das seguradoras, das empresas que gerem as Auto-estradas, dos hospitais e das escolas privadas? Quem paga o gás, a electricidade, a água, os cigarros? Quem paga tudo ao fim e ao cabo? Somos nós, sempre nós. Isto é, somos nós que pagámos o tal milhão de Euros que cada um daqueles 30 gestores da manchete do DN levou para casa em 2011.
 
É um bocadinho como a história de saber quem paga a televisão e rádio públicas e as televisões e as rádios privadas. Somos sempre nós, pois quem havia de ser? Mas uma coisa é pagarmos algo que é nosso – do Estado, e assim sendo temos uma palavra a dizer – outra bem diferente é pagarmos aquilo que não é nosso e em relação ao qual não temos qualquer tipo poder.
 
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 28 de Dezembro de 2012

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

“Tony Blair não conseguiu nada”


O Presidente da Autoridade Palestiniana não disse uma palavra em público nos dois primeiros dias que esteve em Portugal. A tarefa ficou a cargo de Riyad al-Malki, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Autoridade Palestiniana. Na entrevista que deu a três órgãos de informação nacionais, o governante palestiniano mostrou clara insatisfação relativamente ao desempenho de Tony Blair nos cinco anos em que foi o enviado especial do Quarteto (ONU, UE, EUA e Rússia) e por isso pretende reformular o Quarteto. Espera também uma União Europeia mais interventiva que lidere a apresentação de sanções contra a política de Israel de expandir colonatos. Por fim, a reconciliação entre Hamas e Fatah, apesar do acordo do Cairo, parece algo distante. O Ministro palestiniano espera que o líder político do Hamas clarifique opções e diga se ainda subscreve os pontos do acordo que assinou na capital egípcia. Ficam muitas dúvidas quanto à possibilidade de haver eleições nos territórios palestinianos já em 2013.

 

Que importância teve o voto português na Assembleia Geral das Nações Unidas (em que a Palestina passou de Entidade a Estado Observador) sendo que não precisava desse voto porque já tinha a maioria dos votos?

Há muito tempo que temos um apoio clássico e tradicional na Assembleia Geral. Nunca tivemos a necessidade de esperar que a União Europeia estivesse connosco. Mas agora há diferenças qualitativas. A União Europeia está connosco e isso é extremamente importante. Israel tem tentado insinuar, de várias maneiras, que é habitual os palestinianos dependerem do movimento dos não-alinhados, dos países africanos, países árabes, da América do Sul, mas não dos europeus. Chamam-lhe uma minoria moral. Provámos que essa minoria moral também está connosco. Estes países, como Portugal, entre outros, são países que querem ser parte desta maioria moral. Não uma minoria, mas uma maioria moral. Foi por isso que decidiram votar a favor da Palestina. Dizer que 138 países votaram a nosso favor é mais importante do que se fossem 137 e gostaríamos muito de ir além dos 140. É evidente que a pressão colocada sobre alguns países levou-os a absterem-se e é uma ironia que alguns dos que se abstiveram reconheçam o Estado da Palestina mas também reflecte que a pressão foi extremamente grande e muitos países preferiram abster-se em vez de se confrontarem com sanções vindas dos poderes maiores.

O jornal israelita Haaretz disse que em Israel há quem pense que Israel perdeu a Europa. Os palestinianos ganharam a Europa?

Penso que ganhámos a Europa há muito tempo e a cada dia que passa a Europa mostra não apenas maturidade mas também compromisso e liderança. Havia uma lacuna entre os povos e as lideranças europeias, mas agora estão ambos na mesma linha de apoio à Palestina e isso é extremamente importante. Penso que o tempo que investimos, a liderança que mostrámos, a maturidade de que demos prova e o nosso compromisso com a paz, a nossa sinceridade e a nossa aproximação transparente, são bem entendidos nos países europeus e fizeram perceber que vale a pena apoiar os palestinianos.

E sobre as negociações (com Israel) …?

Esperemos que Israel mostre prontidão a sentar-se e a negociar connosco. O Presidente (Mahmmod Abbas) disse na Assembleia Geral das Nações Unidas que estamos prontos, imediatamente, para negociar com Israel quando os israelitas estiverem prontos. Mas agora temos dois problemas: temos de esperar até os Estados Unidos terem um novo governo para poderem liderar negociações e também temos de esperar pelas eleições em Israel (a 22 de Janeiro de 2013) para saber quem é o novo governo. Infelizmente vamos ter dois meses perdidos porque israelitas e norte-americanos não estão prontos. Nós estamos e ficamos à espera até termos sinais correctos de Washington e Telavive.

Espera-se que Netanyahu (Likud) vença as eleições. O modelo de negociações que a Palestina apresentou é visto por Israel como tendo mais pré-condições…

Israel pode chamar outra coisa qualquer ao Sol, não faz diferença nenhuma. O Sol continuará a ser o Sol, a Lua continuará a ser a Lua e a Terra continuará a ser a Terra, mesmo que os israelitas lhes mudem o nome. Se Israel diz que estamos a pôr pré-condições, é muito claro para a comunidade internacional que não o estamos a fazer. Israel ter que congelar colonatos não é uma pré-condição mas sim uma obrigação de Israel referida no Road Map e nas resoluções do Conselho de Segurança da ONU. A libertação de prisioneiros políticos palestinianos anteriores aos Acordos de Oslo é um acordo assinado em 1995. Desde então até agora Israel recusou libertar estes prisioneiros. Por isso não são pré-condições, são de facto obrigações de Israel. Se reparar são apenas obrigações de Israel das quais vai fugindo. Se Israel quer mostrar que está pronto e que se quer comprometer seriamente tem que cumprir todas as suas obrigações. Isto é muito importante. De outra maneira, porquê acreditar neles? Porquê acreditar neles após 20 anos de negociações em que Israel não mudou? Como poderemos acreditar que vão cumprir os acordos que venhamos a assinar no futuro?
Têm que mostrar que são sérios, comprometidos por inteiro com os acordos assinados há 20 anos. É realmente isto que temos vindo a dizer. Não estamos a pôr pré-condições. Quem somos nós para pretender qualquer tipo de pré-condições para negociar?

Como é que a Autoridade Palestiniana vai responder à decisão de Israel expandir os colonatos em Jerusalém Oriental? O Presidente Abbas disse na Turquia que o recurso ao tribunal penal Internacional pode ser uma opção…

Sim. Durante muito tempo estivemos sozinhos a enfrentar a política israelita dos colonatos e as acções dos colonos. O discurso da Comunidade Internacional era o de condenar essa política nos territórios palestinianos, mas apenas isso. Sentimos que estávamos sozinhos. Agora, pela primeira vez, quando Israel anunciou que vai expandir colonatos na área E1 (designação de uma área em Jerusalém Oriental) a União Europeia teve uma reacção diferente e forte, chamando os embaixadores israelitas. É um novo desenvolvimento, que saudamos. Mas dizemos que não é suficiente. A Chanceler Ângela Merkel disse, na conferência de imprensa com Netanyahu, que havia diferenças entre eles no que diz respeito aos colonatos. Foi muito claro. Quando muitos governos europeus chamam os embaixadores de Israel também fica muito claro. Estamos encorajados com isso mas queremos ver mais. Queremos ver a União Europeia decidir acções tendo em vista os produtos feitos nos colonatos. Queremos ver mais acção em relação aos colonos que exercem violência contra os palestinianos e que devem ser proibidos de entrar no Espaço Schengen. Isto é muito importante. Por que não sanções contra Israel se persistir nesta política de colonatos? Nesse aspecto a União Europeia não está a liderar o mundo tendo em vista esta política de colonatos de Israel. O que dizemos é que se Israel congelar esta política nada disto será necessário. Mas se Israel decidir continuar a construir colonatos, inviabilizando a criação de um Estado palestiniano com continuidade territorial, temos que defender os nossos direitos para termos um Estado independente. Se Israel decidir construir na área E1, toda a gente sabe, incluindo a União Europeia, que isso destruirá a Solução dois Estados. Que tipo de reacção esperam que tenhamos? Se Israel ultrapassar esta linha vermelha temos que ter uma reacção forte e o que é que temos nas nossas mãos? Temos o Tribunal Penal Internacional. Nós ponderamos essa possibilidade mas vamos pensar nisso sem precipitações, vamos consultar os nossos amigos e apenas tomaremos essa opção se for essa a última solução. Não iremos recorrer ao TPI hoje ou amanhã. Vamos esperar e ver se os Estados Unidos e a União Europeia convencem Israel a recuar nessas construções em E1.

O Líder da Liga Árabe disse recentemente que o tempo do Quarteto (ONU, EU, EUA e Rússia) terminou, que é tempo de virar a página e seguir em frente. O que pensa em relação a isto?

É verdade. O Primeiro-Ministro do Qatar disse que talvez o tempo do Quarteto tenha terminado mas devia também perguntar em relação a outro aspecto porque o meu presidente também disse no Qatar que não é assim. Temos que tentar negociar e o Quarteto é uma oportunidade para continuar tal como a Iniciativa da Liga Árabe pode ser uma oportunidade. O meu Presidente pretende manter todas as portas abertas. Depois do que conseguimos na Assembleia Geral das Nações Unidas não podemos fechar portas nem enviar mensagens erradas. Queremos transmitir mensagens positivas dizendo, sim, não podemos manter a Iniciativa da Liga Árabe por muito tempo em cima da mesa, 10 anos é mais do que suficiente, Israel, por favor, deve contemplar esta possibilidade e analisá-la em profundidade. Também em relação ao Quarteto dizemos que não estamos felizes com o seu trabalho, porque não conseguiu nada. O Quarteto é importante porque se perdemos o Quarteto não temos alternativa, mas o Quarteto deve ser reformulado. Por que não injectar sangue novo com a entrada de outros países? O Quarteto tem actualmente dois prémios Nobel (Barack Obama e União Europeia), esperemos pelo menos que mostrem a sua disponibilidade para fazerem um caminho para a paz entre israelitas e palestinianos e que nos mostrem que o Prémio Nobel valeu a pena. As pessoas perguntarão por que razão receberam o Prémio Nobel se não fazem esse caminho que desenvolva a paz entre israelitas e palestinianos.

Há países como o Brasil, África do Sul, Índia que questionam por que razão o Quarteto há-de ser um monopólio dos actuais quatro membros. Por que não abrir a porta e injectar ideias novas e sangue novo. Por nós não há problema.

Mas há também outro aspecto muito importante em relação ao Quarteto: até agora o Quarteto não tem que prestar contas a ninguém. Ninguém pergunta nada ao Quarteto. É um problema porque o Quarteto tem que responder a alguém. Pode ser ao Conselho de Segurança ou à Assembleia Geral das Nações Unidas, tem que reportar a alguém porque senão não tem pressão e não sente obrigação de fazer progressos.

Com ou sem Tony Blair?

Com todo o respeito, mas se quisermos rever o trabalho do Quarteto temos também que rever os progressos feitos por Tony Blair e infelizmente não podemos falar de um único progresso que Tony Blair tenha conseguido desde que foi nomeado enviado especial do Quarteto.

Como será possível realizar eleições na Palestina durante o próximo ano sem haver reconciliação com o Hamas e depois das declarações de Khaled Meshaal que disse querer uma Palestina do Jordão ao Mediterrâneo?

Temos que entender a lógica e as condições em que Khaled Meshaal fez esse discurso. Foi a sua primeira visita a Gaza em 40 anos e foi durante a celebração do 25º aniversário do Hamas. Por outro lado ele também está em competição com os líderes do Hamas em Gaza. Teve que ser mais radical em relação aos líderes locais para poder ter o apoio popular. Mas isto não serve de explicação. Ele tem um acordo com o Presidente Abbas, assinado no Cairo, e depois fez fortes declarações à imprensa dizendo que o Hamas acredita na Solução dois Estados, que esta solução deve resultar de negociações directas (israelitas/palestinianos), que enquanto houver negociações o povo palestiniano tem o direito a uma resistência pacífica e que deverá haver eleições. São as quatro questões que ficaram acordadas entre todas as facções presentes no Cairo na presença do Presidente Mahmmod Abbas e depois Khaled Meshaal dirigiu-se aos jornalistas reiterando estes quatro pontos. Na nossa perspectiva negociámos com um Khaled Meshaal que concordou com estes quatro pontos, não com o Khaled Meshaal que falou há alguns dias em Gaza para a sua própria audiência. Isto é realmente muito importante e se Khaled Meshaal quer recuar nas suas próprias decisões não nos será possível comprometermo-nos com ele para qualquer tipo de reconciliação. Reconciliação entre o Hamas e a Fatah deve basear-se nas quatro questões que referi. Se não for assim não teremos um terreno comum nem forma de continuar o processo de reconciliação. Espero que este processo termine com a possibilidade de fazermos eleições legislativas e presidenciais e seja quem for o vencedor terá o direito de representar o povo palestiniano. Mas que fique muito claro que não nos comprometemos com o Hamas enquanto o Hamas não aderir aos quatro pontos que ficaram no acordo que fizemos no Cairo.

Mas reconhece que o Hamas está agora mais forte?

Pode estar, mas nós também estamos mais fortes depois de conseguirmos o estatuto de Estado Observador nas Nações Unidas. Se o Hamas se sente forte porque é que receia as eleições? Se se sente forte depois do que aconteceu em Gaza, vamos para eleições e se o povo em Gaza e na Cisjordânia optar por votar no Hamas o Hamas será eleito para representar o povo palestiniano. Nós não temos receio de eleições.

No próximo ano?

Espero que sim. Se o Hamas concordar com os quatro pontos que referi e se o Hamas permitir que a Comissão Eleitoral Independente trabalhe em Gaza para fazer o registo dos eleitores, então o presidente emitirá o decreto presidencial para a realização das eleições nos territórios palestinianos.

Ainda não é o momento certo para o presidente Abbas ir a Gaza?

Se o Hamas permitir que a Comissão Eleitoral Independente trabalhe em Gaza e complete o seu trabalho e depois das eleições serem convocadas por decreto presidencial, então não haverá razão para o Presidente não ir a Gaza. Mas não antes disso.
José Manuel Rosendo

Entrevista colectiva concedida por Riyad al-Malki, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Autoridade Palestiniana à Antena 1, Agência Lusa e Expresso.