Gostava de saber escrever. Bem, claro. Ter a arte de dizer muito em poucas palavras, de fazer-me entender sem dificuldade e não deixando dúvidas. Quantas vezes se torna difícil encontrar a palavra com o peso certo. Muitas vezes tenho esta frustração de sentir que não conto as histórias como devia. Muitas vezes parece que só fica um mar de espuma. Talvez por tudo o que disse sinta um doce prazer quanto encontro um texto assim como o de Manuel António Pina e que ainda por cima fala dessa minha grande amiga: a Liberdade. Trata-a de uma forma que eu seria incapaz. Por isso o reproduzo. E porque às vezes apetece-me esfregá-lo na cara de alguns “cobardes de sucesso”.
A Coragem da Liberdade
Para se ser livre é preciso coragem, muita coragem. E, desde logo, coragem para uma escolha fundamental, a do respeito por si mesmo. Porque é bem mais fácil sobreviver acobardando-se do que escolher viver livremente. Os locais de trabalho, a vida política, a mera existência social, estão (basta olhar em volta) cheios de cobardes de sucesso. O jornalismo não é, e porque haveria de ser?, excepção, pois a pusilanimidade e a cumplicidade dão menos incómodos e rendem mais que a dignidade. Mas, enquanto na vida política e social, o preço da liberdade é a solidão (as águias, como Nietzsche escreve, voam solitárias; os corvos andam e grasnam em bandos), no jornalismo o preço é às vezes a própria vida. Anna Politkovskaya escolheu a liberdade e pagou com a vida. Mas a Rússia é um lugar longínquo e entre nós não se dão tiros na nuca a jornalistas, na pior das hipóteses despedem-se. É, por isso, fácil chorar por Anna Politovskaya, basta só um pouco de falta de pudor. Assim, os jornais portugueses encheram-se nos últimos dias de grasnidos e lágrimas de crocodilo vertidas por gente que, na sua própria vida profissional, escolhe o salário do medo. Alguns conhece-os eu e, como no soneto de Arvers, hão-de ler-me e perguntar “De quem falará ele?”.
Manuel António Pina
in Jornal de Notícias, 10.10.2006
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