quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Currículo ou cadastro?


Que me perdoem alguns dos meus amigos, mas punhos de camisa branca (e respectivos botões…) a saírem da manga do casaco e gravata de seda, deixam-me cada vez mais desconfiado. Mais pés tivesse e mais de pé atrás ficaria sempre que me cruzo com uma destas personagens.

Estou habituado a pagar o preço de uma vida que tem as amizades que o percurso vai ditando, sem nenhum calculismo em relação a isso. Relaciono-me com quem muito bem entendo: de esquerda, de direita, bem e mal vestidos, indiferente à opção sexual, administradores ou membros das comissões de trabalhadores e dos sindicatos, religiosos, ateus e agnósticos, doutorados ou analfabetos. Não raramente, alguns daqueles com quem me relaciono não gostam que me me relacione com outros daqueles com quem também me relaciono. Pago esse preço com todo o gosto porque é o preço da minha Liberdade. E assim vai continuar a ser. Mas confesso que estou a começar (não de agora…) a ficar com um preconceito e que é cada vez maior a vontade de “passar para o outro lado da rua” quando se aproxima gente bem vestida. Eu sei que posso estar a ser muito injusto para gente que apenas gosta de andar “bem vestida” e sei que “vestir bem” pode ser apenas uma forma de estar e andar na vida, um prazer como qualquer outro (como rapar o cabelo, pintá-lo de verde ou usar uma argola na ponta do nariz) mas é, infelizmente, uma imagem de marca dos maiores vigaristas.

Já nem me refiro ao caso BES e à estratégia de comunicação utilizada até sabermos que há mesmo um buracão. Lembram-se certamente dos muitos analistas a referirem de início que o BES tinha “almofada” financeira que cobria uma eventual exposição aos produtos tóxicos de outras empresas Espírito Santo. Já nem me refiro à forma como o valor do buraco foi aumentando, mas atenuado na opinião pública com os analistas “almofadas” que nos acalmavam diariamente e em grandes doses. Já nem me refiro às declarações políticas, do governo e da (alguma dita) oposição. Já não me refiro a nada mas apenas à certeza de que andámos a ser enganados durante muito tempo.
Enganados desde logo por um homem que dizia que os portugueses preferiam o subsídio de desemprego a terem um trabalho de onde resultasse um salário. Um homem de belas camisas brancas e vistosas gravatas, com uns brilhantes óculos na ponta do nariz. Há lá imagem mais credível…

Mas não me venham dizer que foi apenas ele. Com ele estão certamente muitos que arrecadaram belas compensações por “metas atingidas” em negócios de vigaristas. Com ele estão certamente muitos que apenas olhavam os números, sem os questionar, apenas com a sofreguidão de saberem quanto lhes iria cair na conta. De reguladores não vale a pena falar, porque ser regulador para, invariavelmente, quando se descobre cada vigarice, vir dizer que o regulador não tem poderes de polícia, então mais vale não existirem.

Quanto a punhos de camisas brancas a saírem das mangas do casaco, a par das notícias sobre o BES, a notícia de que o nosso futuro comissário europeu, tem também ele no currículo, uma passagem pela Goldamn Sachs – um dos bancos da crise de 2008 – e foi um dos homens da linha da frente nas negociações com a troika e na defesa da ultra austeridade que nos foi imposta.

Também José Luís Arnaut vai para o Conselho Consultivo da Goldman Sachs. O Expresso contou que Arnaut teve um papel na venda dos CTT e que o Goldaman Sachs ficou com quase 5% do capital dos CTT. O Expresso contou também que a firma de advogados de Arnaut (CMS Rui Pena & Arnaut) representou os interesses de bancos como o Goldaman Sachs e o JPMorgan nas negociações dos swaps com o Estado português.

E temos Vítor Gaspar, antigo Ministro das Finanças, que foi para o FMI. Não é necessário falar do FMI. E o antigo Ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, foi para a OCDE. E pronto, é isto que temos. 

E agora poderão perguntar: é crime o percurso destes homens e o que eles fizeram pelo caminho? E aí responderei: depende da Lei. É evidente que os actos praticados não configuram nenhum crime à luz da lei vigente.
Mas uma coisa é certa: alguns dos actos de muitos destes protagonistas com punhos de camisa branca a sair da manga do casaco e respectiva gravata de seda, o lugar deles é num qualquer cadastro e não num currículo que, à partida, é algo que abona a favor do seu sujeito. Como é evidente, depende do ponto de vista.

josé manuel rosendo
6 de Agosto de 2014


PS: também tenho camisas brancas e umas gravatitas velhas embora não sejam de seda.

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