Ouvir Cavaco Silva é um exercício difícil. A lengalenga é
intraduzível. Ora encriptada, ora abstracta e ambígua. Mas há sempre uma
conclusão: está tudo bem como está, são necessários entendimentos para manter o
rumo, há sinais de que as coisas vão melhorar, nada de precipitações nem de promessas
impossíveis e… cuidado com a demagogia e o populismo. Cuidado com o bicho papão!
Olhando para trás, Cavaco Silva diz que não podemos voltar a
2011 (terá querido dizer que os portugueses não devem votar PS?); olhando para
a frente avisa contra o populismo e a demagogia. Lembrei-me do tempo (e de outros
papões) em que nos diziam que não podíamos voltar ao PREC (foi por essa altura
que os Espírito Santo foram ter vida santa para outro lado… voltaram e sabemos
no que deu); lembrei-me da chantagem de que os investidores podiam deixar o
país e provocar a descapitalização das empresas; lembrei-me das promessas de
que Portugal tinha que entrar no Euro porque não podíamos ficar na “segunda
divisão da Europa” (terá sido demagogia?). Lembrei-me de tanta coisa ao ouvir
cavaco Silva. Lembrei-me de tanta promessa e de tanta demagogia que nos tem
sido servida em véspera de eleições pelos tais partidos do “arco da governação”.
Chegámos a este estado. Apesar de termos votado de forma “politicamente correcta”
por medo do velho papão, apesar de termos entrado no Euro, apesar dos
capitalistas não terem fugido ou mesmo terem regressado os que chegaram a ir
embora.
Mas Cavaco Silva deve ver as sondagens em Espanha e na
Grécia. Os Syrizas, os Podemos, os Blocos de Esquerda, prometem ameaçar as
políticas que nos empurraram para uma austeridades castradora e para um
desemprego que fere de morte a dignidade humana (o trabalho é um direito,
lembram-se?). Não sabemos se um dia, eventualmente chegados ao poder, algum
destes partidos políticos vai cumprir a promessa, ou se, independentemente da
vontade de o fazer, vai conseguir. Mas há uma coisa que sabemos: assim não dá.
Já todos percebemos que há quem viva muito bem com a actual
situação e por isso o problema é mesmo se um dos referidos partidos chega ao
poder. Cavaco Silva parece estar alarmado com a real capacidade de um PS
receoso dos efeitos do “caso Sócrates” e com um PSD a quem apenas um milagre
salvará de uma pesada derrota. Na minha ingenuidade pensava que democracia era
isso mesmo: os partidos vão a votos e vence quem for mais votado. Mas parece
que não é. E, não sendo, tenho que dizer que os mais perigosos radicais que é
possível vislumbrar na vida política portuguesa são aqueles que apenas querem
que nada mude e que perante a mínima possibilidade de mudança logo vão ao baú e
de lá tiram todos os fantasmas, perspectivando tempestades a cada passo. É o
bicho papão a ameaçar comer as criancinhas que se portam mal.
Para além do bicho papão que ameaça a estabilidade deste
sistema, em Portugal está ser criado um clima para que as próximas eleições
sejam disputadas em torno do caso Sócrates. Para além de estar a ser
disseminado o medo perante a esperada subida das forças políticas não-alinhadas
com os habituais partidos da governação, há também a construção que coloca o chamado
centrão como única possibilidade de escolha: quem defende Sócrates e acha que
ele foi alvo de artimanhas por parte do poder vigente vai votar PS (a alegada
vítima); quem acha que Sócrates é um bandido e que, se calhar, até já devia
estar condenado em julgamento sumário, vai votar PSD (o alegado vilão). Depois
ainda vamos ter as sondagens a apresentarem os dois partidos (PS e PSD) muito
próximos e a cativar a atenção dos eleitores para essa disputa como se mais
nada interessasse.
Por agora, esperemos, mas os spin doctors estão com muito
trabalho entre mãos.
josé manuel rosendo
2 de Janeiro de 2015
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