terça-feira, 31 de maio de 2016

"Nunca saberemos quantos morreram"


A foto foi publicada no Middle East Eye e frase completa (que serviu para título) é esta: “nunca saberemos o número exacto [dos que morreram agora no Mediterrâneo], nunca conheceremos a sua identidade, mas os sobreviventes dizem que morreram mais de 500 pessoas”. A frase é de Carlotta Sami (uma porta-voz do ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) e foi escrita no Twitter.

Esta frase deveria fazer-nos pensar. Mais uma vez.

A Primavera anunciava-se. É a estação das ofensivas militares e, dizia-se à boca cheia, iria ser o momento de uma nova vaga de refugiados em direcção à Europa. Mas a Europa, fechado o acordo com a Turquia - um acordo criticado por um elevado número de organizações não-governamentais e até pelo ACNUR - descansou. Mesmo não tendo qualquer garantia de que o acordo com a Turquia seja cumprido (face às exigências turcas a qualquer momento o acordo pode fracassar), a Europa descansou. O acordo entrou em vigor a 20 de Março.

Mesmo com este acordo, a Organização Internacional para as Migrações revela que em Abril chegaram à Grécia 3.360 refugiados, contra 26.971 chegados em Março. A Frontex (Agência Europeia de Fronteiras) refere que a chegada de refugiados à Grécia caiu 90%. Mas é uma ilusão. 

Cortada a rota do Mar Egeu entre a Turquia e as Ilhas gregas, uma outra rota ganha uma nova dinâmica. Da costa da Líbia, os barcos fazem-se ao Mar com a Europa no horizonte. Sem meias-palavras, outro porta-voz do ACNUR, William Spindler, admite que possam ter morrido 700 pessoas durante a última semana. Ainda um outro porta-voz do ACNUR, Federico Mossi, admite que a situação é caótica. 

Parece que vai ser preciso outra criança, outro Aylan, fotografado morto numa praia, para que os bem instalados de Bruxelas voltem a levantar-se para fazer alguma coisa e para que as primeiras páginas dos jornais regressem ao drama. Já anda por aí a fotografia de um bebé, morto, nos braços do homem que o resgatou após um naufrágio. Foi divulgada por uma ONG alemã ("Sea-Watch"). Depois, a emoção voltará a esfumar-se.

Se não fosse trágico, o ritmo de "recolocação" de refugiados na União Europeia, seria para rir. Passado o alvoroço das imagens de refugiados a chegarem e a caminharem Europa dentro, a Europa voltou a entreter-se com os défices, os orçamentos, e as eventuais sanções. Enquanto a União Europeia vive enleada em reuniões do Ecofin, do Eurogrupo, do Conselho e da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu, a questão dos refugiados promete voltar a fazer manchetes.
Para algumas consciências é melhor assim. Para os espíritos mais inquietos é um pesadelo. Cada um saberá a qual destes grupos prefere pertencer.

Pinhal Novo, 30 de Maio de 2016
josé manuel rosendo

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