segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Não há respeito porque não há legitimidade


O respeito por alguém é um sentimento muito profundo. Numa breve reflexão rapidamente encontramos pessoas ou instituições que nos merecem grande respeito. Pelas suas acções, pelas suas atitudes, pela sua legitimidade quando fazem ou dizem alguma coisa. Ou porque têm um percurso coerente, ou porque têm sido fiéis a princípios com os quais concordamos, ou porque lhes foi confiada uma responsabilidade que souberam merecer, ou porque têm sapiência reconhecida nas matérias que tratam, ou porque são homens e mulheres íntegros. Ser íntegro é algo fácil de definir: honestidade, saber, educação e, em casos de liderança, ter a capacidade de tomar decisões aceitando isso como uma responsabilidade e não como um poder que serve para humilhar terceiros ou atingir objectivos egoístas. Por vezes confunde-se aquilo que habitualmente designamos por boa-educação com essa integridade que se exige a quem lidera.
 
Na mesma breve reflexão também não demoramos a encontrar alguém que não nos merece respeito nenhum. Seja pela licenciatura obtida de forma duvidosa, seja pelas negociatas nada transparentes, seja pela facilidade com que hoje diz uma coisa e amanhã diz exactamente o contrário.
 
Ouvir alguém atentamente, fazer um cumprimento quando se chega e quando se parte, falar num tom calmo, ser cordial, são características insuficientes para alguém se dar ao respeito e para merecer esse respeito. Quantos canalhas não andam por aí que reúnem as características que atrás referi, usam colarinho branco e gravata de seda, e não passam de pulhas da pior espécie. Também os há sem colarinho branco e gravata de seda.
 
Ganhamos respeito a uma pessoa ou a uma instituição quando as suas acções vão ao encontro daquilo que esperamos delas; quando essas acções transcendem a esfera do egoísmo e do amiguismo; quando são acções que beneficiam a comunidade em detrimento de interesses particulares; quando são acções que nos ajudam a desenvolver e crescer enquanto comunidade: quando são acções que defendem os que têm menos defesas; quando são acções que têm a coragem de atacar os mais poderosos. São essas acções, difíceis, que tornam respeitadas as pessoas e as instituições.
 
Registei, há já algum tempo, durante um debate no Parlamento, quando Manuela Ferreira Leite ainda era deputada, uma frase da antiga líder do PSD que é reveladora da confusão de valores. Dizia Manuela Ferreira Leite (mais ou menos desta forma que cito de memória…), respondendo a um deputado de uma outra bancada parlamentar, “lá em casa os seus (do deputado visado nesta intervenção) filhos têm-lhe respeito porque é o senhor que paga as contas”. O deputado visado não respondeu mas eu teria respondido que mal vai Manuela Ferreira Leite se apenas se consegue dar ao respeito porque paga as contas. Este tipo de pensamento revela que se perdeu o sentido da legitimidade da função/cargo. A legitimidade e o respeito não derivam apenas do poder de pagar as contas ou de se exercer determinadas funções. Legitimidade e respeito constroem-se e, depois de se chegar a determinadas funções de forma merecida e transparente, trabalham-se, e de preferência melhoram-se.
 
Chegar ao governo – dando de barato que as eleições ainda são verdadeiramente democráticas – significa chegar a um poder legítimo, mas se depois de chegar ao poder os governantes renegam tudo o que prometeram para conseguir o voto do povo, essa legitimidade perde-se. Não há matemática eleitoral que a sustente porque o poder que o povo entregou aos governantes foi entregue com base em premissas – promessas eleitorais – que depois não são cumpridas. O governo perde a legitimidade e perde o respeito do povo.
 
E é por isso que o povo saiu à rua a chamar “gatunos”, “chulos”, “vigaristas” e mais uma longa lista de insultos aos membros do governo. E é por isso, porque sente que já não tem o respeito das pessoas, que os ministros saem à rua numa redoma de segurança, entrando e saindo por portas das traseiras, são insultados durante os discursos e até algumas cerimónias oficiais que não têm significado sem a presença do povo, são efectuadas em locais recatados, fechados e fortemente guardados.
 
Um governo sem legitimidade, que não merece respeito, já não é um governo, é uma espécie de onze jogadores num campo de futebol, sem treinador nem suplentes no banco, a perder por 5-0 e a desejar que o árbitro dê o jogo por terminado. O pior é que o árbitro deste jogo até tem medo de levar o apito à boca…
 
Obrigado
José Manuel Rosendo
Pinhal Novo, 15 de Outubro de 2012

sábado, 13 de outubro de 2012

Lembram-se do voto útil? Ah pois é… que belo resultado!


Eleição após eleição, à medida que se aproxima o dia de decisão nas urnas, as sondagens apresentam a coisa como estando renhida. Quando não está renhida directamente entre duas forças políticas está renhida na soma das possíveis coligações para formar governo. Há “empates técnicos”, há sondagens com resultados contraditórios, há “margens de erro” que mantêm a incerteza, qual jogo de futebol empatado a dois minutos do fim e com as duas equipas lançadas ao ataque e as bolas a baterem nos postes.
Os discursos dramatizam-se, o poder diz que depois dele será o caos, a oposição mais próxima de uma eventual vitória eleitoral apela aos eleitores para que escolham a única força política que tem possibilidades de chegar ao poder e apear os malvados que lá têm estado. Tem sido sempre assim e é um discurso chantagista.
 
Não é um exclusivo de Portugal, mas os portugueses, quando estão fartos e descontentes com o Governo em funções, votam na força política que mais possibilidade tem de apear os governantes do momento. É o chamado voto útil: aquele que permite mudar (ou manter) alguma coisa no imediato. Tem sido assim sempre que há mudança de partido político no poder: vota-se contra o que está porque não nos serve; vota-se no que está porque quem ameaça o poder em vigor é ainda pior. Vota-se contra alguma coisa ou alguém e não naquilo em que de facto se acredita.
É o voto no “menos mau”, o voto para impedir a vitória do candidato “que detestamos”, o voto para que um “governo horrível” seja apeado do poder ou o voto para que um determinado partido político da oposição não chegue ao poder.
 
Nunca se saberá ao certo que resultado teria uma eleição se todos os eleitores votassem apenas num programa político anónimo, ou seja, sem saberem qual a sua origem partidária e quais os políticos a ele associados. É evidente que a política depende muito dos homens que põem em prática os respectivos programas partidários (porque há políticos sérios para quem o serviço público faz todo o sentido), mas ainda assim seria um exercício interessante embora provavelmente impossível. 
 
Os analistas do “centrão” têm contribuído para este estatuto decisivo do voto útil: dizem habitualmente que quem não vota útil (num dos partidos com possibilidade de vencer ou num outro do chamado “arco do poder”) está a fazer um voto de protesto. Isto descodificado vai dar, mais ou menos, num outro aspecto interessante: quem não vota centrão – entenda-se “partidos do arco do poder” – é “radical”. E pronto, aqui chegados, sempre com o centrão no poder e sempre com o benefício desse chamado voto útil, eu gostava de ouvir uma explicação para o estado a que o país chegou e qual foi, de facto, a utilidade do voto. E não me admirava que alguma mirabolante teoria atribuísse culpas aos “radicais” e aos que habitualmente fazem o tal “voto de protesto”.
 
Por mim, voto útil é o voto que corresponde às minhas opções políticas, ao meu modelo de sociedade, ao futuro que quero para os meus filhos. O meu voto quando cai na urna não leva ódio nem raiva a ninguém, leva esperança num futuro digno e num país em que a justiça seja de facto Justiça e em que o chamado Estado de Direito não seja uma mera grelha de leis arquitectadas nos gabinetes para dar cobertura a máfias de engravatados bem falantes e sem escrúpulos. Não voto depois de fazer contas à pressa na perspectiva de uma promoção, um aumento salarial ou uma redução de impostos. Da utilidade do meu voto sei eu e nessa não me apanham.
 
Obrigado
José Manuel Rosendo
Pinhal Novo, 13 de Outubro de 2012

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Equação impossível.

Definição aceitável: Equações são letras e números que contam histórias. Essas letras e esses números representam pessoas, acontecimentos, locais e os sinais (de menos, mais, etc.) representam as acções ou circunstâncias que rodeiam os intervenientes na equação. Numa equação, as premissas são os pressupostos (os dados) que, conjugados, conduzem a um resultado.
Ponto prévio: não venham com a conversa de que as ideologias morreram. Elas estão aí! Renovadas, actualizadas, maquilhadas, o que se queira, mas estão aí, e num momento de crise que é também uma encruzilhada, o pior perigo é o de se pretender fazer crer que as opções políticas não têm uma base ideológica. Têm!
 
Outro perigo: os políticos são todos iguais. Não são. Pelo menos num ponto eles são substancialmente diferentes: uns estiveram (ou estão) no poder e outros nunca por lá passaram. E mesmo entre os que estiveram no poder, acredito que há gente séria e honesta. Mas aqueles que andaram nos BPN’s (de forma activa ou como rectaguarda político-judicial), nas PPP’s, nos Submarinos, nos Freeport’s e afins, esses são a face visível daquilo que o sistema tem de mais sombrio. E há partidos políticos que lhes deram guarida. Depois dos escândalos, esses partidos – que deviam ser apenas a expressão política organizada de um conjunto de cidadãos em defesa de determinados princípios, ideias e modelo de sociedade – funcionaram como uma espécie de irmandade, tentando ocultar e diluir responsabilidades, de modo a não deixar que os respectivos partidos políticos fossem chamuscados devido aos casos em que alguns dos seus membros ilustres estavam/estão envolvidos. São os tentáculos do Sistema.
 
Perante isto, o que fazem os cidadãos do meu país quando são chamados às urnas? Confesso que não sei porque o fazem, mas a realidade mostra que dão a maioria dos votos precisamente aos partidos que têm andado envolvidos nos esquemas e trapalhadas atrás referidos. Até podemos ser levados a pensar que os portugueses gostam de premiar a aldrabice. E, com frequência, a alternância das memas forças políticas no poder assenta quase sempre no mesmo argumento: é preciso apear uns, porque são maus, para dar o poder aos outros, que foram igualmente apeados por serem maus, mas entretanto passou tempo suficiente para o povo esquecer. Como se não houvesse alternativas. E o mais dramático é que a maioria dá o voto aos que já deram provas de governar mal e poucos dão o voto aos que nunca tiveram oportunidade de governar.
Esta atitude, aliada à ideia de que os políticos são todos iguais, de que as ideologias morreram e de que apenas alguns estão preparados para governar, são as premissas de uma equação que só pode ter um resultado: aquele que estamos a viver. Uma desgraça.
 
Entendo sem dificuldade o erro na escolha, o engano, a ilusão. Talvez entenda mais do que uma vez. Mas, sempre? Eleição após eleição?
 
Recordo-me, sempre que penso nesta questão, de uma reportagem (se não me engano…) de Paulo Dentinho (RTP) aquando das recentes eleições presidenciais francesas. Num bar (restaurante?) de Paris, onde havia muitos portugueses, um deles disse convictamente que votaria Marine Le Pen (candidata da Frente Nacional, de direita) porque era uma mulher de esquerda. É muito parecido com o que se passa em Portugal. Os portugueses votaram à direita e ficaram à espera de políticas de esquerda; votaram à direita e depois contestam as ferozes políticas ultra-liberais que estão a ser postas em prática; votaram à direita e reivindicam melhores serviços públicos; votaram à direita e querem políticas de emprego; votaram à direita e… há aqui alguém que está enganado.
 
Para que as últimas manifestações de rua, principalmente a de 15 de Setembro, sejam consequentes, as próximas eleições terão que traduzir algo de muito diferente em relação aos últimos anos. Aguardemos.
 
Obrigado
José Manuel Rosendo
Pinhal Novo, 5 de Outubro de 2012