“Escreveste-me” em 1998 e guardei a tua prosa no altar das
mais queridas. Folheava-te de quando em vez. As tuas palavras como que
arrumavam as minhas ideias, por vezes desordenadas, nas gavetas do pensamento. Apetecia-me
responder-te, mas seria atrevimento escrever, assim, ao mestre. E afinal, que
poderia eu dizer de novo ou de importante a quem tudo tinha dito? E tão bem
dito. Nem sequer havia mais uma pergunta a fazer, porque todas as que imaginei
encontravam resposta no que já havias escrito. Mas agora, escrevo-te.
E escrevo-te agora depois de saber que pressionaste o
ex-líder do PSOE para não formar um governo à esquerda. Diz o teu concorrente
El Mundo – sim, porque no teu El País não encontrei a história – que o teu
Grupo, dono do El País, disse a Pedro Sanchéz que nem sonhasse com um governo
de aliança à esquerda. Aqui vai o excerto da conversa com Jordi Évole
reproduzido no El Mundo: “Y pese a que Évole perseveraba para
arrancarle el nombre de Juan Luis Cebrián, Sánchez repetía que
"nunca" se reunió con él, pero sí con "otros responsables"
del periódico que le dijeron "claramente que o Rajoy o la línea editorial
no iba a ir ni a facilitar que hubiera un Gobierno progresista liderado por el
PSOE". Não é preciso dizer mais nada, ambos sabemos como funciona.
Estamos a falar do “teu” jornal, de que foste fundador e director e que
pertence ao grupo de que és presidente.
Foi o parágrafo da desilusão. E dei por mim a perguntar:
será que por cá, por Portugal, também enviaste alguns recados do mesmo género
quando o actual governo estava para ser formado? Não sei. Mas começo a não me
admirar que o tenhas feito.
Pelo que me diziam, dás-te bem com Bildberg e não gostaste
nada dos “papéis do Panamá”. Desvalorizei. Enfim, pensei, mudou de vida, desde
que trocou o jornalismo pela gestão e presidência do Grupo Prisa, pensa mais em
dinheiro do que em notícias. Mas quis acreditar que ainda guardavas na alma uns
resquícios das cartas que me enviaste nesse ano de 1998. Mas, por outro lado,
comecei a duvidar de mim próprio e do que, estava convencido, tu havias
escrito. Na dúvida, fui à estante. Atirei uns quantos livros ao chão na ânsia
de reler as tuas palavras. Pensando nisso agora até parece que fui à procura da
confirmação de que não tinha andado enganado todo este tempo. Sei lá… podia ter
lido mal… podia ter interpretado mal… mas não, não li nem interpretei mal. Está
lá tudo.
Repara neste excerto de uma das muitas cartas que dirigista
a Honório a propósito do perigo da concentração de empresas na área da
comunicação social: “Profissionalismo é,
pois, a palavra chave. Profissionalismo frente às pressões – sejam da própria
empresa, do poder político ou publicitário, ou da opinião reinante da
sociedade. Profissionalismo perante os sectarismos que nascem das próprias
manias dos redactores, das suas bílis particulares, das suas vergonhas e
devaneios. Profissionalismo, consistente em não dar notícias que não estejam
devidamente verificadas, não ocultá-las por motivos alheios ao interesse do
leitor ou do telespectador e não esconder opiniões e análises a respeito delas,
por contraditórias que sejam com o nosso sentir ou com a linha oficial da
empresa”.
Sei agora que renegaste tudo o que escreveste e,
aparentemente, sem ponta de remorso.
Com que cara vou eu trabalhar? E se alguém decidir
confrontar-me com esta tua traição? Aconselhas-me alguma resposta?
Coloco-me agora a questão de saber se as tuas “Cartas a um
jovem jornalista” não terão sido escritas apenas porque sim, apenas porque era
bem e de bom-tom. Dá jeito ter alguma coisa publicada que se possa ver. Dava-te
pinta de bom jornalista, credível, escreveres umas palavras a preceito que te
dessem aura de pensador e, até, quase poeta. Conheço-os e conheço o estilo. Mas
tu… enganaste-me tão bem que até te coloquei no altar da estante aqui de casa.
A carta já vai longa e vou terminar. E digo-te: não vou
queimar o teu livro porque os livros não se queimam. E também não penses que
perdes o lugar na estante. Apenas retiro as “velas” que te alumiavam e ajudavam
a santificar o lugar. Mas, em nome do rigor, e do profissionalismo que me deste
como conselho, quando falar do teu livro a alguém vou ter de acrescentar que já
não és o tipo que escreveu aquilo. E vou contar o que fizeste. Porquê? Como
sabes, a traição custa sempre mais quando vem daqueles de quem menos a
esperamos. E em jeito de vingança (pequenina) apenas para te tirar o sorriso que
certamente estás a esboçar, digo-te que seguirei os conselhos das cartas que me
escreveste e espero que um dia te possas amaldiçoar por teres dado esses
conselhos que te vão estragar o negócio.
Fico à espera da tua resposta. E não precisas de demorar
(como eu) 18 anos.
Cumprimentos
Pinhal Novo, 31 de Outubro de 2016
josé manuel rosendo
Fundamental!
ResponderEliminarEstá tudo dito e não há como dar a volta ou fazer de conta que nada aconteceu.