A questão de saber quem é terrorista, voltou a emperrar as mais recentes negociações para a resolução que o Conselho
de Segurança aprovou, por unanimidade, para um cessar-fogo de 30 dias. As armas
calam-se, mas quando se tratar de grupos ligados à Al Qaeda ou ao Estado
Islâmico, o cessar-fogo não se aplica. Assim ficou definido.
Aliás, o actual
momento da guerra na Síria está muito mal explicado. Se por um lado o Conselho
de Segurança votou um cessar-fogo, por unanimidade dos 15 membros, ele nunca entrou
de facto em vigor. E neste caso o que é mais difícil entender é que um dos
membros (Rússia) que votou essa resolução, surja poucos dias depois a declarar
uma “trégua humanitária” diária entre as 09h00 e as 14h00. Isto é: a Rússia
troca uma resolução do Conselho de Segurança, que deveria defender, por uma
trégua que ela própria declara e impõe de forma unilateral. Pensar que o
Direito Internacional ainda tem algum valor substantivo é tarefa impossível.
Como também
sempre acontece, neste e em outros conflitos, seja com uma trégua de algumas
horas por dia ou mesmo com um cessar-fogo mais abrangente, os diferentes
opositores acusam-se entre eles de violação dessa trégua. Como é evidente, todos
negam as violações que lhes são atribuídas.
O que se passa
em Ghouta Oriental, nos arredores de Damasco tem muitas semelhanças com o que
aconteceu em Aleppo. Os diferentes grupos de combatentes, pressionados pelas
forças do Exército sírio e aliados, que vão ganhando terreno, vão-se
acantonando nas áreas que ainda controlam. Essas áreas são cada vez mais
pequenas, à medida que aperta o cerco imposto por Assad, russos e aliados pró-iranianos.
Vai chegar a um momento – já lá chegámos – em que é insustentável, para
combatentes e civis, continuar a viver em Ghouta, se não estiverem dispostos a
morrer. Porque é isso que vai acontecer se outra solução não for encontrada.
Com esta
situação, qual é a alternativa? Eventualmente permitir, tal como em Aleppo, que
combatentes e os civis que assim queiram, sejam levados para outro local. Esse outro
local, controlado por rebeldes, só pode ser Idlib. Mas desde já é bom notar que
também em Idlib o cerco está a apertar. Basta seguir os mapas que mostram os
ganhos e perdas territoriais dos diferentes protagonistas para poder concluir
que, quando Idlib for o último reduto rebelde, vai ser aí que Assad e aliados
vão concentrar forças para uma eventual batalha final.
Aqui chegados,
sabemos exactamente quem são as forças do Governo de Bashar al Assad; sabemos
que os russos têm bases militares no terreno e que há forças pró-iranianas
também a combater ao lado de Assad. Um pequeno parêntesis para dizer que os
norte-americanos e turcos também estão no terreno, embora não na região de
Ghouta/Damasco. E depois disto tudo sabemos muito pouco: o Exército Livre da Síria
tem vindo a perder expressão; há uma panóplia de grupos combatentes, uns mais
poderosos que outros, mas que temos dificuldade em perceber e definir. Muitos
desses grupos, que de início até teriam objectivos puramente políticos (ou pelo
menos não submetidos a uma bandeira de carácter religioso) estão num momento em
que trabalham sobretudo para a sua própria sobrevivência. As alianças entre
eles são absolutamente imprevisíveis e mudam consoante as tais necessidades de
sobrevivência.
A questão de saber
quem é (ou quem deve ser) considerado terrorista, tem sido um bloqueio em todas
as negociações, seja sob a égide da ONU ou em Astana, com russos, turcos e iranianos
a puxarem os cordelinhos. Se a ONU sempre tende a “convidar” a esmagadora
maioria dos grupos que combatem na Síria, em Astana o filtro dos convites é
mais apurado. Num caso e no outro há grupos que nunca chegam a sentar-se à
mesa; outros que são recusados pelos anfitriões e outros que, por imposição de
alguns que se sentam à mesa, acabam por não ter voz.
Para uma melhor
compreensão das forças no terreno e para ficarmos elucidados quando à sua
natureza, basta conferir a informação divulgada pelos principais protagonistas.
Ver quem é acusado de terrorista por Governo sírio, Exército Livre da Síria,
Turquia, Irão e até Iraque, vai levar-nos a um labirinto cuja porta de saída –
saber quem é terrorista – é impossível de encontrar.
Perguntar-se-á:
então como é que isto se resolve? Após sete anos de guerra, é bom não esquecer
que tudo começou com o pedido de libertação de um grupo de jovens estudantes
que tinham feito inscrições numas paredes. O regime reagiu de forma
violentíssima e a reivindicação passou a ser realização de eleições livres,
crescendo depois para a exigência da queda de Assad. A partir daí a história é
conhecida.
Como em todos os
conflitos, a única solução é sentar à mesa das negociações TODOS os que estejam
dispostos a dialogar. Depois, é necessário que todos percebam que TODOS têm de
ceder alguma coisa e então sim, pode começar um processo que deixe as armas em
descanso. O problema é que esse momento de necessidade de diálogo apenas
acontece quando todos os protagonistas sentem que não podem ganhar a guerra. Enquanto
as acusações de terrorismo estiverem nos discursos, a Síria não terá descanso. Utopia?
Será, mas em todos os conflitos a paz só é possível quando, aqueles que se
guerreiam, e odeiam, apertam as mãos. E falta falar de Afrin e dos curdos, mas
essa é outra questão, que nunca se sabe se não poderá ter consequências piores
do que aquelas que neste momento estão no topo das preocupações.
Pinhal Novo, 1
de Março de 2018
josé manuel rosendo
Belo artigo, camarada!
ResponderEliminarOnde tu encontrou esse mapa? Ele descreve praticamente tudo. A Síria realmente parece uma pizza, cada país com sua fatia, muito embora estão em luta. Segundo alguns sites alemães, spiegel e a dw. Os curdos não aceitaram a proposta russa de entregar Afrin ao governo Sírio e portando deu luz verde para que a Turquia, cada vez mais russia-inclinada, atuou pondo os seus apoiados rebeldes FSA como um escudo na dianteira. Engraçado que a Turquia, considera qualquer grupo contra seu governo como terrorista e hipocritamente apoia grupo rebelde em outro país, desrespeitando a soberania quase minada da Síria.
ResponderEliminar