O
Estado Islâmico esperava uma última batalha em Dabiq, cidade do noroeste da
Síria, onde supostamente teria lugar a batalha do fim dos tempos entre
muçulmanos e infiéis. O Profeta Maomé terá dito que o Apocalipse não chegaria
antes de os Muçulmanos vencerem os romanos (há historiadores que consideram ser
uma referência aos cristãos) em Dabiq ou Al Amaq (na província turca de Hatay),
ambas na região de fronteira turco-síria. Depois da derrota militar do Estado Islâmico,
esquecida a batalha do fim dos tempos, certo é que não muito longe destas duas
cidades de grande valor simbólico, uma outra cidade (e província), Idlib, vê
criadas as condições para aquela que poderá ser a última batalha da guerra na Síria.
Uma última batalha que tem todos os ingredientes para ser também um banho de
sangue, quiçá muito maior do que aqueles a que os mais de sete anos de guerra
já produziram.
Em
Idlib concentra-se a maior bolsa de forças anti-governamentais, que inclui
grupos armados radicais de génese religiosa e outros que ao longo dos anos têm
combatido as forças de Bashar Al Assad. Em Idlib refugiaram-se todos aqueles
que foram sendo derrotados nos locais que as forças do regime têm vindo a
reconquistar. Perante a derrota militar (por exemplo em Ghouta Oriental, em
Aleppo ou em Daraa...), as negociações para o cessar-fogo e a rendição dos rebeldes
incluíram a saída desses locais, em grandes comboios de autocarros, de rebeldes
e respectivas famílias, em direcção a Idlib. O regime aceitou e cedo se
percebeu qual era a intenção: ir agrupando os rebeldes, ir apertando o cerco e
deixando cada vez menos alternativas. Se em várias fases da guerra uma das
dificuldades do regime foi combater e dispersar forças em várias e distantes frentes
de batalha, agora a situação é exactamente ao contrário. Para além da presença
de grupos rebeldes que ainda existe no sul da Síria e na região de fronteira
com o Iraque, é em Idlib que a resistência ao regime tem peso e expressão.
A
população da região (cidade e arredores) cresceu e estima-se que seja superior
a três milhões de pessoas, devido à chegada dos deslocados provenientes de
outros locais. Há também relatos de uma presença significativa de combatentes
do Estado Islâmico e de Frente Al Nusra (ou Jabaht Al Nusra), da Al Qaeda.
O
regime sírio não esconde a movimentação de forças que constroem uma tenaz em
redor de Idlib, aliás dá notícia de movimentações em tudo semelhantes a outras
que levaram à reconquista de outras parcelas de território. Bashar Al Assad
disse que queria reconquistar todo o território e não vai desistir desse propósito,
principalmente quando a situação no terreno lhe é favorável. Disse no final de
Julho que “agora, o objectivo é Idlib”. O regime fala em reconciliação e apela
aos civis para cooperarem com as forças governamentais ao mesmo tempo que já
bombardeia localidades nos arredores de Idlib; os rebeldes não dão nenhum sinal
de rendição. Os “barris-bomba” já são lançados na região rural e mais a sul de
Idlib. Já há civis em fuga, mas dentro da região cercada não há para onde fugir
a não ser para a grande cidade.
É
impossível saber como o Governo sírio e os aliados Rússia e Irão, vão querer
resolver a questão de Idlib, sendo que já tivemos provas suficientes de que os
bombardeamentos indiscriminados a zonas rebeldes nunca foram um problema
durante os mais de sete anos de guerra. Por outro lado, se Bashar Al Assad
pretende recuperar alguma credibilidade internacional, não vai querer ficar com
um último massacre no currículo já de si tão manchado. O chefe da diplomacia
turca alertou para a possibilidade de uma catástrofe em caso de assalto das
forças governamentais. A Rússia diz que é preciso separar os “grupos rebeldes”
dos “terroristas”, sendo que, já se sabe, que é terrorista para uns não é terrorista
para outros.
Do
lado dos rebeldes, perante a ausência de alternativas, alguns grupos poderão
aceitar um processo de reconciliação, embora seja pouco confiável a garantia de
uma reintegração em zonas controladas pelo Governo; outros grupos, mais
radicais, que recusam qualquer reconciliação, podem aspirar a uma eventual retirada
à imagem do que aconteceu noutras zonas, o problema é saber para onde. A
Turquia não deve estar pelos ajustes e não se vislumbra que países podem
eventualmente aceitar receber os combatentes mais radicais. Resta a zona curda,
norte da Síria, mas a relação dos radicais com as milícias curdas nunca foi
boa, antes pelo contrário, e até a região curda está na lista dos territórios
que Bashar Al Assad quer reconquistar.
Em
Idlib, três milhões de pessoas estão à espera. As organizações de ajuda
humanitária dizem que já não têm capacidade de auxiliar toda a gente; os campos
de deslocados estão a abarrotar. Se nada for feito, a chamada comunidade
internacional arrisca-se a assistir a algo em relação ao qual vamos ver depois
as “lágrimas de crocodilo” e os discursos carregados de lamentos e emoção. Não
chega!
Pinhal
Novo, 20 de Agosto de 2018
josé
manuel rosendo
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