No Médio Oriente quando se diz que as coisas estão mal, a tendência é para que fiquem pior. Raramente não foi assim. Ainda não se sabe o efeito que o novo coronavírus terá nestes países, seja por falta de dados sobre a doença, seja pela fragilidade da maioria dos sistemas de saúde dos países da região. Não há conhecimento real sobre a presença do vírus e sobre os efeitos da pandemia, mas é certo que o poder político em muitos destes países aproveitou os exemplos de confinamento para determinar situações de recolher obrigatório e do chamado “distanciamento social”. Medidas muito a jeito em países que regista(v)am fortes movimentos de protesto.
A pandemia do novo coronavírus é o cenário de fundo em que o mundo se movimenta e, tendo em conta as características dos regimes políticos nesta região do Mundo, vai servir certamente como justificação e/ou cortina de fumo para medidas que reforçam as injustiças sociais e políticas. Desde logo serviu como argumento para formar um governo em Israel (chamam-lhe governo de unidade e de emergência nacional). Aliás, um improvável governo de coligação entre o (de novo) Primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (Partido Likud) e o seu actual grande rival Benny Gantz (Partido Azul e Branco), que fez todas as campanhas eleitorais dizendo que era o candidato das mãos limpas, querendo com isso dizer que o adversário tinha as mãos sujas, numa alusão aos processos que Benjamin Netanyahu (Bibi) enfrenta na justiça. Bibi é o primeiro Primeiro-Ministro de Israel, em funções, a responder na justiça.
Num aspecto Bibi e Gantz estão de acordo e, ao que parece, será para ambos o mais importante: a anexação dos colonatos ilegais (à luz do Direito Internacional) na Cisjordânia ocupada, do Vale do Jordão e, acrescento eu, do que mais quiserem quando quiserem. Dia 1 de Julho é a data apontada para início do processo. A chamada comunidade internacional assiste e condena, como sempre. Conhecemos o guião de outras ocasiões. A mesma comunidade internacional há-de conformar-se, como sempre tem feito e aquele que será chamado de novo-normal acabará por ser aceite. Os palestinianos, de momento, pouco podem fazer, “presos” em Gaza ou “debaixo da asa” de uma Autoridade Nacional Palestiniana que perdeu peso político a nível internacional e parece não ter qualquer capacidade de mobilização nem de resistência.
Mas tudo isto só é possível porque existe na Casa Branca um Presidente chamado Donald Trump, que parece ter em Israel – e na anunciada expansão territorial – a única acção que lhe assegure os apoios internos para a reeleição, depois de perdidas todas as outras frentes: Irão, Coreia do Norte, China e... se calhar, até o Afeganistão.
Durante a presidência Trump, os Estados Unidos deixaram de apoiar a UNRWA (Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos), cortaram laços com a UNESCO (Agência das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e agora segue-se a OMS (Organização Mundial da Saúde, também agência da ONU). A juntar a esta ausência voluntária no palco das decisões comuns para o progresso da humanidade, Donald Trump rasgou o “Acordo Nuclear” com o Irão (em que a União Europeia ainda se mantém), abandonou o Tratado Open Skyes (Céu Aberto – em que muitos países europeus continuam) e, até em relação a Cuba, tem estado empenhado num forte retrocesso em relação à aproximação encetada por Barack Obama, mesmo quando na Assembleia-Geral das Nações Unidas têm sido aprovadas sucessivas resoluções para o levantamento do embargo norte-americano à Ilha de Fidel (na última votação, 187 países votaram pelo levantamento do embargo e apenas três votaram contra – Estados Unidos, Israel e Brasil). Conhecendo-se as características das lideranças desta “trindade” é, no mínimo, preocupante. Aliás, no Brasil, nas manifestações de apoio a Jair Bolsonaro é frequente ver um mastro com as bandeiras dos três países. Aqui chegados e para evitar mal-entendidos, convém esclarecer que não estão em causa os povos dos três países, mas sim os actuais líderes políticos.
A Casa Branca de Trump dá passos largos para deixar de ser um parceiro a considerar pela comunidade internacional. É inquestionável que a dimensão e o poderio norte-americano (a vários níveis) são essenciais a uma comunidade internacional forte e credível, mas a aposta de Trump numa ausência cada vez maior nas soluções multilaterais, coloca os Estados Unidos à margem do Direito Internacional e retira-lhes a marca de confiança que é indispensável nas relações internacionais.
Ainda quanto ao Médio Oriente, o corte com a UNRWA, a transferência da Embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém e o chamado Plano do Século para o conflito entre Israel e os Palestinianos, hipotecaram o papel de mediador dos Estados Unidos neste conflito. Isto pode significar – e parece que significa – que o conflito (na óptica do actual Governo de Israel e da actual Administração norte-americana) está a chegar ao fim, dispensando mediação. Os dados conhecidos apontam para uma rápida anexação de território palestiniano de modo a estar concretizada antes das eleições norte-americanas, não vá dar-se o caso de Trump perder as eleições. Mas, mesmo que isso aconteça, o putativo candidato presidencial do Partido Democrata, Joe Biden, tem-se revelado muito tímido em relação a este conflito: sobre a Embaixada em Jerusalém disse que está feito e não vale a pena voltar atrás, e sobre a anexação... nem uma palavra. Não é de excluir que diga depois, no caso de ser eleito, o mesmo que disse agora em relação à Embaixada: está feito, não vale a pena voltar atrás. Tem sido essa a estratégia ao longo dos anos: em facto consumado não se mexe.
Pinhal Novo
31 de Maio de 2020
josé manuel rosendo
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