A Alemanha é, por definição, uma potência continental. Isto
significa que o seu espaço natural de expansão é a Europa. As duas guerras
mundiais do século passado não aconteceram por acaso. Mas do final da primeira
para o final da segunda, houve uma mudança de atitude dos vencedores face à
derrotada Alemanha. Se no final da I Guerra a Alemanha foi humilhada e
submetida a medidas e pagamentos que a deixavam de rastos, no final da II
Guerra beneficiou de um Plano Marshall e apesar de responsabilizada com o
pagamento de indemnizações de guerra deixou muitas por pagar – a Grécia que o
diga. Aliás, após a I Guerra, uma das razões apontadas para a ascensão de
Hitler ao poder foi precisamente ter sido ele que prometeu ao povo alemão que a
Alemanha não podia continuar a pagar a dívida sob pena de não sair da miséria.
E deixou de pagar, investindo numa máquina de guerra. Isto é: indiferente à
atitude daqueles que a tinham vencido no campo de batalha, humilhada após a I
Guerra e ajudada após a II Guerra, a Alemanha retomou sempre a sua estratégia e
ambição mais profundas: ser a grande potência Europeia.
Não estarei muito enganado se disser que, desde a primeira
hora a seguir à morte (?) de Hitler – e sem falar em operações Odisseia – a
Alemanha, outros alemães, começaram a pensar no percurso a fazer para devolver ao
país o lugar de locomotiva da Europa.
Perante uma URSS que ameaçava a Europa Ocidental e uns
Estados Unidos que queriram travar qualquer avanço a partir de Leste, a
Alemanha do pós II Guerra apresentou-se como elemento fulcral e beneficiou
disso. Durante a Guerra Fria o microcosmos das duas Alemanhas foi palco
priveligiado. Staline opunha-se à unificação da Alemanha tendo deixado escrito
nas suas notas pessoais que só aceitaria essa unificação se a Alemanha fosse
neutral. Os Estados Unidos queriam a Alemanha Ocidental integrada nas
insituições ocidentais. Uma delas era a NATO à qual a Alemanha aderiu a 6 de
Maio de 1955, logo após o fim do regime de ocupação a que ficou submetida após
a II Guerra Mundial. Também a 14 de Maio de 1955 era criado o Pacto de
Varsóvia. Muitos historiadores defendem que o Pacto de Varsóvia foi criado
quando a URSS percebeu que não ia conseguir a neutralidade alemã e não para
responder à criação da NATO. É uma primeira prova da importância da Alemanha.
Não vem ao caso traçar toda a evolução da história da
Alemanha, mas a queda do Muro de Berlim e o desmembramento da URSS foi uma
alteração estrutural que acabou com a bipolaridade e afastou o receio que os
Estados Unidos sentiam quanto à possibilidade da Europa ser invadida a partir
de Leste e transformou a Alemanha numa potência fundamental. Por isso os
Estados Unidos começaram a pensar no seu retraímento e na necessidade de deixar
a defesa da Europa aos europeus.
Em 2003, a Alemanha dá o primeiro “grande murro” na mesa.
Sentia-se livre para enfrentar os Estados Unidos: contesta abertamente a
invasão do Iraque. É o primeiro acto de emancipação política proporcionada pela
pujança económica (que beneficiou dos importantes apoios do pós-guerra e do
perdão ou esquecimento de muitas dívidas) e pela centralidade no espaço
europeu.
O caminho começara a ser traçado com o Chanceler Konrad
Adenauer, depois com Willy Brant e Helmut Kohl. Foi Gerard Schroeder quem deu o
“murro na mesa”. Agora com Angela Merkel é a expansão.
Não embarco em nacionalismos. Cada povo tem coisas boas e
coisas más, se é que podemos atribuir esse tipo de características assim, por
grosso, a um conjunto tão vasto de pessoas. Mas aprendemos a amar uma bandeira,
uma língua, uma cultura e a isso chama-se patriotismo. A nossa bandeira, língua
e cultura, não são melhores nem piores do que quaisquer outros, mas são os
nossos, aqueles que nos dão uma marca.
A guerra deste início de século na Europa é a da economia
numa teia de agentes financeiros e respectivos servidores sem escrúpulos. E é
dos livros que a potência vencedora é aquela que consegue definir as regras de
convivência entre vencedores e vencidos. E é disso que se trata, as regras que
nos querem impor roubam-nos soberania - foi Angela Merkel quem disse que é esse o preço a pagar. É bom que não se esqueça que a forma
como se lida com o sentimento de humilhação de um Estado vencido é determinante
na estabilidade do pós guerra.
É isso que Angela Merkel vem fazer a Portugal: um Imperador
por mais receio que possa sentir tem que se mostrar em todos os cantos do
Império. Hoje em dia, os imperadores não enviam exércitos (às vezes ainda o
fazem…), preferindo os regentes locais, mas gostam de receber vassalagem. Não acho
que devamos tratar mal quem é democraticamente eleito. No entanto, quem
subverte o sentido do voto que lhe deram, não pode excluir a possibilidade de
ver subvertido este princípio de respeito democrático. Admito que Angela Merkel
com esta atitude imperial corresponda ao que uma larga fatia dos alemães
(admito apenas…) espera dela, mas não pode estar à espera que num momento como
este os portugueses gostem de a ver em Portugal. A Alemanha venceu a guerra da
economia e está a querer humilhar os vencidos.
Vamos saber quem traiu Portugal e vamos saber quem defendeu
o país e o povo. Já aconteceu no passado: perante as dificuldades alguns não
hesitaram em colocar-se ao lado dos invasores. Quase sempre tiveram breve gozo
das mordomias proporcionadas pela traição e muitos deles acabaram enforcados ou
atirados pela janela. Sei que os tempos são outros mas tenho esperança de os
ver a prestar contas, num tribunal, como deve ser feito num mundo de gente
civilizada que dispensa a selva dos agiotas e dos trafulhas. Vamos ter que dar
a volta a isto. O povo tem a obrigação de se defender e defender o país.
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 10 de Novembro de 2012
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