Tentar perceber o que se passa à nossa volta é cada vez mais
difícil. Depois de cortes e mais cortes e com um Orçamento do Estado já aprovado
na generalidade, mas ainda no Parlamento, o governo vem falar num corte de mais
4 mil milhões de Euros; para que se saiba onde e como, manda recado por um
antigo líder do PSD – Marques Mendes na TVI24 disse em que Ministérios e em que
áreas é possível o Estado não gastar os tais 4 mil milhões. De facto, Marques
Mendes não disse bem isso: disse alguns Ministérios onde apresentou o corte
como um corte puro – menos serviços na Defesa, Justiça e Segurança – mas depois
referiu as áreas onde o Estado deve reduzir a presença (segurança social, saúde,
educação…) mas onde, mesmo que passe a haver gestão privada, será o Estado a
pagar. Isso Marques Mendes não disse.
Até aqui nada de novo: estar atento implica já saber que os
cortes não irão parar até o povo aceitar trabalhar por uma malga de sopa aguada
e até o Estado estar estraçalhado e servido numa bandeja aos grandes interesses
privados. Em saldo, porque os tempos são de sacrificio para a generalidade das
pessoas, mas também são tempos de excelentes negócios para os grandes grupos económicos.
Paralelamente a esta revelação, Marques Mendes anunciou que
os técnicos da troika já estão em Portugal para assessorar o governo nos cortes
a fazer para se conseguir os tais 4 mil milhões de Euros. E foi aqui que os
meus neurónios se baralharam. Então, o governo do meu país precisa,
alegadamente, de fazer um corte de 4 mil milhões de Euros e não sabe como nem
onde? Então, quem está a governar o quê? Então, precisamos de uns tecnocratas vindos
não sei de onde para dizerem ao governo do meu país onde é que deve reduzir
serviços e funcionários para atingir os objectivos do corte? Longe vão os
tempos em que um jovem líder partidário tinha um projecto e uma ideia para o país;
longe vão os tempos das promessas de não aumentar impostos, de não retirar subsídios
de férias e de natal. Ou será que a presença dos tecnocratas serve para o
governo lavar as mãos e dizer que os cortes foram impostos pela troika ou que
foi a troika que disse as áreas onde se devia cortar? Confusão. Kafka puro. Somos
condenados sem saber porquê nem por quem.
Depois da balbúrdia cerebral eu só precisava de uma
resposta: para que quero eu um governo assim? E gostava também de saber se
todos os 2.813.729 portugueses que votaram nos partidos deste governo estão de
acordo com tudo isto e se ainda acreditam nesta trapalhada que estamos a viver
e nos principezinhos que nos governam. É que este governo fez promessas que não
cumpriu, fazendo precisamente o oposto – logo, mentiu.
Ao mesmo tempo que faz aprovar um Orçamento do Estado e
convida o PS para um consenso que, então sim, seria idílico, o governo já
estava sentado à mesa com os tais tecnocratas da troika para saber que Estado
vai ficar desenhado depois de mais um corte de 4 mil milhões de Euros. Coelho e
Seguro trocam cartas. Há arrufos em público, mas o povo não tem acesso às tais
cartas (serão de escárnio e mal-dizer ou serão cartas de amor?).
Quando entramos no reino do absurdo qualquer cidadão
inteligente – entenda-se inteligência a capacidade de fazer um raciocínio lógico
com a informação disponível – que não tenha lido Kafka sente-se perdido. E ler
Kafka não é leitura obrigatória para que alguém seja inteligente. O problema
para nós, portugueses que ficam em Portugal, é que este absurdo trata do nosso
quotidiano e do nosso futuro. Olhando para o Processo político ficamos com a
certeza de que quem nos lidera tem Kafka à cabeceira. Kafka e, já agora, Maquiavel,
porque aspirantes a Príncipe não faltam, devendo no entanto reler a obra porque
Maquiavel aconselhou o príncipe a ter exércitos próprios para atingir os
objectivos a que se propunha. Os “nossos” príncipes não têm exército e só mantêm
o poder porque esta plebe ainda não se apercebeu disso.
josé manuel rosendo
Pinhal Novo, 4 de Novembro de 2012
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